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Chile redescobre a história do golpe de Pinochet

Vista de alguns dos documentos em exibição da exposição "Secredos de Estado" no Museu da Memória e dos Direitos Humanos, no dia 24 de outubro de 2017, em Santiago afp_tickers

“Nós não o fizemos. Nós os ajudamos”, asseguram em conversa o então presidente dos Estados Unidos Richard Nixon e o conselheiro de Segurança Nacional Henry Kissinger, no dia seguinte ao golpe militar que acabou com o governo democrático de Salvador Allende, em 11 de setembro de 1973.

A conversa entre Nixon e Kissinger foi registrada por um sistema secreto de gravação utilizado pelo presidente e que sua secretária logo transcreveria, criando um conjunto de documentos conhecidos como “TELCONS”.

A agência de Inteligência americana CIA “criou as melhores condições possíveis” para acabar com o governo democrático de esquerda. “No período de Eisenhower teríamos sido heróis”, mas “no que se refere às pessoas, deixe-me dizer que os liberais não vão comprar essa merda desta vez”, comentam.

A transcrição dessa conversa faz parte dos documentos revelados por ordem do presidente Bill Clinton quando Pinochet foi detido em Londres em 1998 por ordem do juiz espanhol Baltasar Garzón, por seu suposto envolvimento em crimes de genocídio, terrorismo internacional e desaparecimento forçado de pessoas durante a sua ditadura (1973-1990).

– Segredos de Estado –

Até março de 2018, os chilenos podem descobrir a sua história conhecida, mas até agora pouco documentada, na exposição “Segredos de Estado”, dirigida pelo historiador americano Peter Kornbluh, especializado nesta difícil época do Chile, que se apresenta no Museu da Memória e dos Direitos Humanos.

“Esta exposição prova documentalmente” o que se sabia, mas que não se conseguia demonstrar, diz à AFP o diretor do museu, Francisco Estevez.

Os documentos estão “aí para provar que o que se diz está certo”, acrescenta antes de detalhar que em “matéria de memória, o grande inimigo é o negacionismo”.

Para muitos visitantes, em particular os mais jovens, é uma época que começa a ser conhecida.

Muitos documentos ainda estão com manchas para esconder informações comprometedoras. Mas o cruzamento de relatórios de milhares de arquivos revelados permitiu preencher os vazios deixados pela tinta preta.

A exposição abarca desde a chegada de Allende ao poder até o referendo convocado pelo próprio Pinochet em 5 de outubro de 1988 para saber se os chilenos queriam que ele continuasse governando o país.

Nunca imaginou que o “não” venceria e, por isso, tentou executar um segundo golpe, que desta vez não contou com o apoio dos Estados Unidos. Diante da oposição generalizada, se rendeu ao veredito popular e em 1990 cedeu o poder ao Governo da Concertação, eleito nas urnas.

A exposição também revê o papel do jornal El Mercurio, que recebeu dinheiro da CIA para agir contra o governo de Allende e a favor do golpe de Estado, e os múltiplos passaportes usados por Pinochet que lhe permitiram abrir contas em bancos americanos para esconder os saques que acumulou ao longo de seus 15 anos de ditadura.

– Cerco precoce –

Após a vitória de Salvador Allende nas eleições de 4 de setembro de 1970, Nixon e Kissinger realizaram uma série de operações encobertas desenhadas para bloquear a vitória de Allende e, quando falharam, para desestabilizar o seu governo.

Antes de Allende entrar no Palácio de La Moneda, “Nixon já havia dado instruções explícitas de realizar uma mudança de regime preventivo e gerar condições para que acontecesse um golpe militar”, em uma ação com o nome de FUBELT e que levou ao assassinato do então comandante do Exército René Schneider.

Não obstante, os relatórios recebidos por Nixon no dia do golpe permanecem sendo secretos. A seção censurada sobre o Chile “é muito provavelmente a que contém a Inteligência sobre o complô para realizar o golpe de Estado”, asseguram os organizadores da exposição.

A preocupação das autoridades americanas era o potencial “propagador” da via pacífica de Allende no resto da América Latina após a vitória da Revolução Cubana.

– “Pinochet, Deus e a DINA” –

No Chile, a Direção de Inteligência Nacional (DINA) – criada por Pinochet – realizou grande parte da repressão brutal exercida contra a oposição. Os arquivos que documentam as atrocidades desapareceram.

No primeiro mês do golpe, executou mais de 1.600 assassinatos, relembra Estevez, dos 3.000 mortos e desaparecidos deixados pela ditadura.

Segundo disse um funcionário chileno ao agregado de Defesa dos Estados Unidos, “há três fontes de poder no Chile: Pinochet, Deus e a DINA”.

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR

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