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Comer em hospital venezuelano é uma ameaça para a saúde

Uma familiar cuida de um paciente no hospital Universitário de Caracas, em 19 de julho de 2018 afp_tickers

A precariedade da comida nos hospitais venezuelanos é uma verdadeira ameaça para a saúde dos pacientes.

Com diabetes, Carla deveria comer menos massa e arroz para que seu pé fique bom, mas esses são os únicos alimentos que ela recebe. Em outro caso, um bebê foi alimentado com soro porque não havia leite.

Não importa a doença que o paciente tem: nos centros de saúde pública serve-se a mesma comida a todos.

“Como o que me trazem”, diz, resignada, Carla López, de 40 anos, hospitalizada há três meses por feridas em seu pé ulcerado.

Ao seu lado há um prato de lentilha com arroz, rodeado por moscas que espanta com as mãos. Uma porção sem gosto, pois no Hospital Universitário de Caracas tampouco há sal.

E embora o excesso de carboidratos dispare seus níveis de açúcar no sangue, ela não pode pagar por uma dieta apropriada.

Comprar um quilo de frango custaria 1,5 salário mínimo, uma das muitas distorções da crise econômica venezuelana, com uma inflação que deve chegar a 1.000.000% em 2018, segundo o FMI.

“Te dão massa (de almoço), normalmente pura, ou arroz com lentilhas. De manhã, uma arepa [uma espécie de pão]. De noite outra arepa pequena, fininha”, conta a mulher, desempregada por sua doença.

O hospital Universitário, em Caracas, chegou a ter um cozinheiro para cada especialidade médica, lembra a nutricionista Gladys Abreu.

Agora, porções de 40 gramas de arroz e 25 gramas de grãos deixam espaço de sobra nas bandejas. “É suficiente apenas para uma criança pequena”, lamenta uma funcionária da cozinha.

“Nem o lixo recolhem”, afirma outra trabalhadora do hospital, uma imponente estrutura de 11 andares inaugurada há seis décadas. Uma lixeira com resíduos corrobora sua denúncia.

A Pesquisa Nacional de Hospitais, divulgada em março pelo Parlamento, controlado pela oposição, e pela ONG Médicos pela Saúde, revelou que 96% dos centros não oferecem uma alimentação adequada ou não fornecem comida aos pacientes.

A pesquisa consultou 104 hospitais públicos e 33 clínicas privadas.

– Soro por leite –

Na maternidade Concepción Palacios, no oeste de Caracas, deixaram de dar leite de fórmula por falta de orçamento.

Os pais devem levá-lo, mas Yereercis Olivar, que acaba de dar à luz seu segundo filho, não pode pagá-lo.

Tampouco pode amamentar o bebê, de quem foi separada para não contagiá-lo com a catapora que contraiu durante a gravidez.

Desesperada, optou por extrair o próprio leite com uma seringa para encher a mamadeira. Enquanto essa tortura não surtia efeito, o bebê passou três dias “com puro soro”, relata.

O leite para recém-nascidos, escasso assim como muitos produtos básicos, só se consegue no mercado negro, onde uma lata custa cerca de 50 milhões de bolívares (15 dólares). Comprá-la requer nove salários mínimos.

Segundo a pesquisa nos hospitais, 66% dos serviços pediátricos não possuem fórmulas lácteas.

O deterioro se acelerou nos últimos anos, afirma Yereercis, cujo primeiro filho nasceu no mesmo lugar em 2016, em condições distintas. Não pôde amamentar por três dias, e o bebê recebeu leite.

Agora “há baratas na área onde se preparam as mamadeiras”, denuncia Silvia Bolívar, enfermeira com 25 anos de serviço. Por buracos nas paredes e tetos vazam águas contaminadas e roedores, acrescenta.

A AFP entrou em contato com o Ministério da Saúde para saber seu ponto de vista, mas não obteve resposta.

– Pacientes com fome –

Do sexto andar onde estava isolada, Yereercis escutava os discursos de enfermeiras que protestam há quase um mês e meio por melhores salários e condições de trabalho.

“Nutrição apoia a greve, exigindo melhoras na comida que se dá a nossos pacientes”, lê-se em cartazes colados nas paredes de um corredor.

O presidente Nicolás Maduro assegura que a crise se agravou por sanções dos Estados Unidos que, segundo ele, mantêm bloqueadas centenas de milhões de dólares para comprar remédios e insumos médicos, cuja escassez chega a mais de 80%.

“É duro quando os pacientes batem em nossa porta para nos dizer que têm fome, tremendo, a ponto de desmaiar”, lamenta Silvia.

Sem sabão para lavá-las e com a máquina esterilizadora danificada, as mamadeiras da maternidade cheiram mal. Uma camada escura de fungos cobre as embalagens plásticas onde estão armazenados o arroz ou a massa que são servidos às mães.

Pisos e banheiros do Universitário e da maternidade estão sujos por falta de desinfetantes. A limpeza é feita com água e panos gastos.

Carla não sabe quanto tempo mais deverá passar em seu quarto lúgubre, mobiliado com cadeiras quebradas. Seu pé não melhora, mas nem tudo é tristeza: um buquê de girassóis que sua colega de quarto lhe deixou iluminou seu dia.

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