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Descoberta de nova espécie humana acende polêmica racial na África do Sul

Crânio de Homo Naledi, em Joanesburgo, no dia 7 de setembro de 2015 afp_tickers

A recente descoberta de uma nova espécie humana perto de Johannesburgo foi alvo de críticas por importantes personalidades sul-africanas, temendo que a descoberta ressuscite o racismo no país ainda marcado pelo apartheid.

“Ninguém vai desenterrar ossos de macacos velhos para alimentar a teoria de que venho do babuíno. Sinto muito”, afirmou Zwelinzima Vavi, secretário-geral do influente sindicato Cosatu, aliado do Congresso Nacional Africano (ANC), partido atualmente no poder.

“Não sou neto de um macaco grande, de um macaco ou de um babuíno. Ponto final”, escreveu no Twitter, onde tem 300.000 seguidores.

Vavi diz ser vítima de muitos insultos racistas em seu país, onde até 1994 esteve em vigor o regime segregacionista do apartheid. “Me chamaram de babuíno minha vida inteira, a mim e a meu pai e meus avós”, contou.

Na semana passada foi descoberto na África do Sul o chamado ‘Homo naledi’, uma nova espécie humana segundo os cientistas.

Os fósseis foram descobertos pelo paleontólogo norte-americano Lee Burger, pesquisador da Universidade Witwatersrand de Johannesburgo, que tentou evitar polêmica ao recordar que o homem não vem do babuíno.

“Para o meio científico, a busca pelas origens do homem celebra a raiz comum da humanidade no continente africano. Se trata apenas de explorar a prova fóssil das origens de nossa espécie”, disse Burger à AFP.

O corpo do ‘Homo naledi’ lembra o do homem moderno, mas seu crânio – do tamanho de uma laranja – se aproxima mais do dos australopitecos, segundo os pesquisadores.

– Infra-homens –

A descoberta de 1.500 ossos fossilizados ocorreu numa caverna chamada “quarto das estrelas”, situada na jazida arqueológica conhecida como “Berço da Humanidade” onde os cientistas vinham trabalhando.

Os ossos ainda não foram datados, mas segundo os pesquisadores podem ajudar a entender a transição que ocorrer há cerca de milhões de anos entre o australopiteco primitivo e o homem primata, nosso ancestral direto.

Mas segundo Mathole Motshekga, deputado líder do grupo parlamentar do ANC, esta teoria da evolução amplamente difundida entre os cientistas “sustenta na verdade que somos infra-homens e por isso nós africanos não somos respeitados no mundo”.

A descoberta do ‘Homo naledi’ “convém ao que era dito durante o apartheid e os colonos, que somos infra-homens do reino animal. Assim, nos negaram a condição de seres humanos para justificar a escravidão, o colonialismo e a opressão”, afirmou o parlamentar à televisão local.

Também se juntaram às críticas o conselho sul-africano de igrejas, uma organização que reúne anglicanos e metodistas conhecida por sua luta contra o apartheid.

“É um insulto dizer que viemos dos babuínos. Muitos ocidentais pensam que os negros são babuínos”, disse o líder da organização, Ziphozihle Siwa. “Os pesquisadores devem continuar trazendo provas, mas também escutar o que Deus nos diz”, acrescentou.

Lee Burger ressaltou que a ciência “não leva em conta religiões, nem põe em xeque as crenças de ninguém”.

Em meio à polêmica, o caricaturista sul-africano John Curtis não hesitou em fazer graça. “Os homens não vêm do babuíno”, grita em um de seus desenhos um homem usando uma camiseta com a frase “Viva o criacionismo!”. Atrás dele é possível ver um babuíno que respira aliviado dizendo “Graças a Deus!”.

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR

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