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Ex-chefe de Inteligência interfere em disputa eleitoral no Peru 20 anos após prisão

Vladimiro Montesinos é considerado a eminência parda do regime de Fujimori (1990-2000), cumpre sentenças de 25 anos de prisão afp_tickers

Vinte anos depois de ser preso, o ex-chefe de Inteligência Vladimiro Montesinos chegou ao primeiro plano no Peru com a divulgação de áudios em que propõe a compra do júri eleitoral, que deve proclamar o novo presidente.

Os áudios foram divulgados na quinta-feira por Fernando Olivera, o mesmo que divulgou em 14 de setembro de 2000, em uma emissora a cabo, um vídeo mostrando Montesinos, então braço-direito do presidente Alberto Fujimori, subornando um parlamentar da oposição para que se unisse à situação.

Olivera apresentou várias gravações de telefonemas com os quais tenta demonstrar que Montesinos tentou ajudar a consumar uma fraude eleitoral a favor da candidata direitista Keiko Fujimori, filha do seu antigo chefe.

Montesinos, que cumpre pena de 25 anos, pede a um interlocutor que faça contato com um advogado ligado a três dos quatro membros do Júri Nacional de Eleições (JNE) para suborná-los e impedir que eventualmente proclamem o esquerdista Pedro Castillo como vencedor do segundo turno presidencial de 6 de junho.

“Vejo isto como uma tentativa a mais para jogar as eleições abaixo. E chama atenção que Motesinos possa ter feito isso da prisão da Marinha”, disse à AFP o analista Hugo Otero, ex-assessor do falecido presidente Alan García.

A Marinha disse que vai investigar o fato e admitiu que Montesinos tinha permissão para ligar para sua companheira. “Enquanto isso, o detento não poderá fazer nenhum telefonema”, informou em um comunicado.

– “Conexões com o JNE” –

Em um áudio, Montesinos diz a seu interlocutor: “Ouça-me, lembra de Guillermo? Bem, ele tem conexões com o JNE. Lá tem quatro que são colegiados de quatro, não é verdade? Ele tem acesso a três direto”.

“Claro, bem, com três basta. Então, seria bom que você o localizasse para que possa apoiar, tem que injetar um pouco de gasolina [dinheiro]. Você me entende, não?”, acrescentou Montesinos, de 76 anos, que está proibido de fazer telefonemas da prisão de segurança máxima da Base Naval de Callao, onde cumpre a sentença.

Olivera, que presidente um partido minoritário chamado Frente da Esperança, informou que o interlocutor de Montesinos era o militar reformado Pedro Rejas. E o mencionado que poderia supostamente contactar os magistrados seria o advogado Guillermo Sendón.

“Nunca houve a intenção de fazer nenhuma compra de nada porque é absurdo de pensar nisso”, assegurou Sendón à rádio RPP nesta sexta-feira.

“Não houve nenhuma conversa mais com o senhor Rejas e não sei o que terão falado eles depois, mas para mim nunca houve a certeza de que se queria fazer esta fraude”, afirmou.

A divulgação dos áudios jogou mais lenha na fogueira em um país que aguarda há três semanas que o JNE acabe de revisar impugnações de votos pelo fujimorismo e proclame o novo presidente do Peru.

Castillo superou por 44.000 votos sua adversária no segundo turno, mas o JNE demora a dar seu veredicto devido à enorme quantidade de impugnações e pela deserção de um de seus magistrados.

– “Vladivídeos” –

Depois que chegou ao poder em 1990, Alberto Fujimori pôs Montesinos à frente dos serviços de inteligência, de onde se tornou eminência parda de um governo então em combate aberto com as guerrilhas do Sendero Luminoso e Tupac Amaru.

Uma década depois, em setembro de 2000, e com o governo nas cordas, Montesinos caiu em desgraça com a divulgação de vídeos que o mostravam subornando legisladores para que apoiassem Fujimori, que tinha sido reeleito recentemente a um terceiro mandato.

Dois dias depois da divulgação, o presidente anunciou que convocaria novas eleições, nas quais não se candidataria, e dissolveu os serviços de Inteligência. Nas semanas seguintes, foram divulgados os “vladivídeos”.

– Detenção na Venezuela –

Montesinos partiu em 24 de setembro ao Panamá para pedir asilo, mas voltou ao Peru um mês depois. Então, Fujimori, de ascendência japonesa, encabeçou pessoalmente sua busca, mas o ex-braço direito fugiu, passando por vários países do Caribe até chegar à Venezuela.

Ele foi encontrado escondido em uma casa de um bairro humilde de Caracas em 24 de junho de 2001, sete meses depois de Fujimori deixar o Peru e renunciar à Presidência por fax enviado do Japão. Foi devolvido pelo então presidente Hugo Chávez a Lima, onde foi julgado e condenado.

Da prisão, Montesinos costuma criticar a imprensa, alegando que é acusado sem provas.

Olivera divulgou os áudios para solicitar que se anulem as eleições presidenciais – tanto o primeiro quanto o segundo turno -, nos quais não pôde concorrer porque o JNE determinou que não cumpria os requisitos.

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