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Milhares voltam às ruas da Colômbia em repúdio ao governo Iván Duque

Indígenas a bordo de 'chivas' - veículos de transporte coletivo locais - participam de carreata em Bogotá na paralisação nacional contra o governo do presidente Iván Duque, em 21 de outubro de 2020 afp_tickers

Indígenas, professores, estudantes e sindicatos marcharam pacificamente nesta quarta-feira (21) na Colômbia em um novo dia de protestos para exigir uma mudança de rumo ao governo conservador de Iván Duque.

Milhares de pessoas foram às ruas de várias cidades, desafiando a pandemia e aumentando a pressão sobre o presidente com a quarta “paralisação nacional” desde sua chegada ao poder, em agosto de 2018.

Desta vez, a multidão se reuniu principalmente em repúdio à violência em zonas afastadas do país, após o acordo de paz de 2016, que desarmou a guerrilha das Farc.

“Estamos vivendo uma guerra que não pedimos (…) e como mulher e mãe protesto porque não pari meus filhos para a guerra”, disse à AFP Sandra Melo, costureira de 35 anos.

Em Bogotá, epicentro dos protestos, os manifestantes avançaram a pé e em carreatas ao centro da cidade com lemas variados contra as políticas do governo.

Somaram-se à marcha 7.000 indígenas do sudoeste do país, região castigada pela pior investida de grupos armados financiados pelo narcotráfico.

Os povos originários exigem desde 10 de outubro um encontro cara a cara com o presidente, mas diante de sua negativa, foram até Bogotá.

Os protestos maciços contra o governo começaram em novembro de 2019 e representam um marco na Colômbia. Com uma popularidade de 38%, Duque enfrenta desde então o mal-estar nas ruas, embora tenha tido um curto respiro nos primeiros meses da emergência sanitária provocada pela pandemia.

– “Múltiplas causas” –

Usando máscaras e ao som de flautas e tambores, vários setores manifestaram seu descontentamento.

Os professores, por exemplo, rejeitaram a volta às aulas quando o país se aproxima do milhão de contágios por covid-19 (29.200 mortes) e denunciaram o descumprimento de acordos que previam maior investimento e qualidade na educação.

Segundo o sindicato dos professores, Fecode, dos 36 compromissos assumidos, o governo cumpriu apenas 30%.

Já os indígenas, que representam 4,4% dos 50 milhões de habitantes do país e são a população mais pobre (59,6%), realizaram uma de suas maiores demonstrações de força dos últimos anos.

“Chega de mortes, chega de rios de sangue, chega de massacres, chega de fome”, disse um indígena de 70 anos, que pediu para ter sua identidade preservada.

Os setores urbanos também se somaram à manifestação.

Brayan Trujillo, de 25 anos, sabe que está “arriscando a saúde” ao participar da mobilização em plena pandemia. “Mas se não sairmos, continuam nos matando, continuam matando os indígenas, continuam matando os camponeses”, disse o estudante de administração.

Para além da queixa comum com a retomada da violência, as manifestações deixaram aparente o mal-estar generalizado com a gestão do país.

“É uma conjunção de múltiplas causas (…) que tem a ver com a forma como este governo tem gerenciado o protesto, que tem sido de estigmatização e questionamento”, afirma Felipe Botero, cientista político da Universidade dos Andes.

– Paz rompida –

Duque sofre com o descontentamento popular, enquanto enfrenta a pandemia e a deterioração da economia e da segurança.

A violência financiada pelo narcotráfico provocou 68 chacinas este ano, segundo o observatório independente Indepaz.

Especialistas acusam o Estado colombiano por não ter tomado o controle dos territórios deixados pelos rebeldes após o acordo de paz, o que facilitou o fortalecimento de novas organizações que disputam o negócio da coca.

Nesta quarta, os ex-guerrilheiros das Farc iniciaram uma “peregrinação” de mais de 200 km do sul do país até a capital.

Após a assinatura do acordo histórico, 234 ex-guerrilheiros foram assassinados.

“Vamos pedir para dialogar com o presidente (…) para que nos defina se seu governo está em condições de garantir a vida dos colombianos ou se vai manter a tônica de seu partido no governo de incitar a guerra”, disse à AFP Pastor Alape, ex-comandante e dirigente do hoje partido de esquerda.

As manifestações diminuíram com a pandemia, desde que foi detectado o primeiro caso de covid-19 em março, mas as pessoas voltaram às ruas em setembro, após o assassinato de um homem nas mãos de militares, que desatou violentos protestos contra a violência policial.

Juntamente com as reivindicações contra a violência, os colombianos marcharam contra a crescente desigualdade e pobreza, que em 2019 atingia 35,7% dos 50 milhões de habitantes.

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR

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