Perspectivas suíças em 10 idiomas

Sem comida, nem remédios, tetraplégico venezuelano pede eutanásia

Ana Barrios cuida de seu marido Marco Guillen, em sua casa em Barquisimeto, no estado de Lara, Venezuela, no dia 23 de outubro de 2017 afp_tickers

Quando um acidente o deixou tetraplégico há 12 anos, Marco queria morrer. Mas superando as adversidades, se casou e adotou uma menina. Hoje, desesperado com a falta de antibióticos, sondas e comida em uma Venezuela em crise, pede a eutanásia.

Confinado em um quarto de sete metros quadrados onde cabe apenas uma pequena cama e um refrigerador, ele gravou 16 vídeos desde julho de 2016 pedindo ajuda.

No mais recente, faz um pedido dramático ao presidente Nicolás Maduro: que o ajude a morrer dignamente. Embora a eutanásia seja ilegal na Venezuela, Marco advoga por uma lei para casos terminais, ou como o seu.

“Assim que sofri o acidente (de carro), pedi a todo mundo que me matasse, depois aceitei o que aconteceu. Não quero a morte, adoraria viver, só que em melhores condições. Mas se não é possível, prefiro a eutanásia”, disse à AFP em sua casa em Cabudare, no estado de Lara (oeste).

Técnico industrial de 45 anos, Marco tenta sobreviver com uma pensão e um subsídio mensais que somam 186.000 bolívares (4,3 dólares na taxa do mercado negro), quando somente uma sonda urinária custa 24.000 e um quilo de carne 50.000.

“Isso não dá para nada. Tudo está extremamente caro”, comenta o homem, que também necessita de fraldas, luvas de látex e álcool.

O país petroleiro sofre uma grave crise econômica com escassez de alimentos e remédios. Muitos produtos disponíveis são impagáveis para a maioria, pois estão taxados no dólar negro – 12 vezes maior do que a cotação oficial.

Diante de uma drástica redução das importações do governo, a falta de medicamentos chega a 85%, segundo a Federação Farmacêutica.

– Um poço sem fundo –

Depois do último vídeo, gravado por sua filha de 13 anos que se opõe que Marco antecipe a sua morte, várias pessoas ligaram para oferecer doações.

Impedido de mover mãos e pés, atende o celular com uma vareta de madeira que mexe com a boca. Uma proeza que conseguiu há anos e que lhe permite usar o controle remoto da televisão.

Nas gravações, divulgadas nas redes sociais, resume o seu drama a Maduro. “Estão nos matando de fome: ou compro comida, ou compro insumos médicos”.

Quando ainda era possível encontrar alimentos subsidiados nos supermercados, ficava em longas filas na cadeira de rodas. “É humilhante, chegaram a nos deixar sem alimentos depois de horas esperando”, lembra.

Marco pede ao governo um emprego e uma das centenas de milhares de casas que asseguram construir para os mais pobres, pois vive amontoado.

“Queria trabalhar, tenho habilidades com celulares e computadores”, afirma, melancólico, este ex-gerente de posto de gasolina.

Mas essa ânsia se esvai diante da dura realidade. Depois de três semanas sem trocá-la, a sonda que o ajuda a urinar “cheirava a cadáver”, uma situação degradante que o convenceu a pôr um fim em sua vida.

“Não quero arrastar minha esposa e minha filha para este poço sem fundo que estamos chegando na Venezuela”, justifica o homem, amante do mar e do cinema.

– Uma morte por amor –

Marco disse que conseguiu se manter graças a Ana Barrios, de 30 anos, com quem se casou há cinco e adotou Daikellys, a risonha filha de sua esposa.

“Ele ama sair, observar tudo. Antes podíamos ir tomar um sorvete, agora vive entre quatro paredes porque tudo ficou caro”, conta Ana entre lágrimas.

Magra e de baixa estatura, tira forças com abnegação. A cada três horas tem que virá-lo na cama para evitar que apareçam lesões em suas costas.

“Cuido dele como um bebê, jamais vou deixá-lo”, promete Ana, que pede a Marco que pense bem sobre a morte assistida, pois “ele é muito valioso”.

Ana é costureira e faz vestidos para meninas. “Mas com essa situação tão crítica não vendo nada e os custos de material sobem a cada três dias. Não sobram lucros”, lamenta.

Na casa, acrescenta, só se come mandioca ou banana, que é o que podem pagar.

Marco ama o Natal, por isso Daikellys colocou uma árvore enfeitada na humilde sala às vésperas de seu aniversário de 46 anos, no próximo domingo.

Quando ela gravou o vídeo não sabia o que era eutanásia. “Depois procurei na Internet e comecei a chorar”, conta a menina.

Seu pai insiste que quer acabar com essa tragédia justamente por amor: “é preferível sacrificar uma pessoa para que duas vivam melhor”.

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR