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O pôquer da Suíça com a União Europeia

Ainda há suíços que acreditam na Europa

Eu-Brille
AFP

O que as forças pró-europeias na Suíça pensam sobre o fim das negociações de um acordo geral com a União Europeia? Dois jovens suíços revelam o que pensam e porque são otimistas.

Poucas questões polarizam tanto como o debate sobre as relações entre a Suíça e a União Europeia. Isso ficou evidente durante os anos de discussões políticas em torno das negociações do Acordo-Quadro e continuam, mesmo após seu fim, com a declaração do governo federal, em 26 de maio de 2021, de que as negociações fracassaram.

Resta saber se esse dia entrará para a história como a “Quarta-feira negra”, lembrando o chamado “Domingo negro”: o dia em que o eleitorado suíço rejeitou em um plebiscito federal a adesão do país ao Espaço Econômico Europeu (EEE) em 1992. Agora o país tenta limitar diplomaticamente os danos criados, pois de Bruxelas já chegam os primeiros alertas. 

Que opções agora? A crítica unânime na mídia é de que o governo suíço não conseguiu apresentar uma alternativa. Somente os grupos da direita conservadora estão satisfeitos: o Partido do Povo Suíço (SVP, na sigla em alemão) defende ainda um curso isolacionista para o país. Já seus opositores lançam duas opções: a Suíça deve tentar mais uma vez aderir ao EEE ou, por que não, à própria União Europeia. 

Desses grupos, o mais motivado é o Movimento Europeu na Suíça e seu grupo jovem, YES (do inglês Young European Swiss). Encontramos a presidente do YES, Cécile Kessler, e seu colega no comitê-executivo, Marc Sinner, logo após o anúncio do governo federal em sua sede. O clima era sombrio.

O grupo YES

Faz parte do Movimento Europeu na SuíçaLink externo, que antes se chamava Novo Movimento Europeu da Suíça (NEBS). Todos os membros com menos de 35 anos aderem automaticamente ao YES, que atualmente conta com 250 membros. Estes se descrevem como a “única voz pró-europeia da juventude suíça”. Suas atividades estão voltadas à educação política, especialmente às relações entre a UE e a Suíça.

YES também está integrado à Federação dos Jovens EuropeusLink externo, que promove o diálogo entre grupos nas regiões fronteiriças com a França e Alemanha. 

“Foi um dia ruim”, afirmou Kessler, explicando que, ao seu ver, a juventude suíça perdeu com a decisão do governo suíço o acesso às oportunidades educacionais, ao mercado de trabalho e o futuro na Europa. “De agora em diante, só podemos ter esperança. Espero que a UE estenda sua mão para nós”, completa, lamentando, porém, que o país tenha passado a posição de suplicante.

“Estou aborrecido com essa decisão do Conselho Federal, pois desistiu de um acordo que teria sido bom para o país”, acrescenta Sinner, considerando que o eleitor suíço não deveria ter sido alijado de uma decisão tão importante. 

Ambos concordam que erros já haviam sido cometidos anteriormente. Ao seu ver, muitos idealizaram o acordo e não explicaram corretamente o acordo aos eleitores. Além disso, durante dois anos o acordo também não foi poupado de críticas. Muitos até chegaram a retratar a União Europeia como o maior inimigo da Suíça.

Para Sinner, a Suíça soube negociar. Muitas concessões já haviam sido feitas pela UE. E segundo as pesquisas de opinião, o acordo-quadro teria tido uma boa chance nas urnas. “O Conselho Federal erra ao dizer que o acordo não teria sido capaz de obter uma maioria de aprovação”, ressalta Sinner.

Cooperação científica arriscada 

E como ficará a situação da Suíça agora? Kessler e Sinner assumem que, a curto prazo, não haverá grandes mudanças. “A Suíça não está no topo da agenda política em Bruxelas”. Porém, com a decisão unilateral de não prosseguir com as negociações, a Suíça perde muitos pontos de aceitação na UE, mas também em muitas importantes capitais europeias. O sinal foi fatal: a Suíça não é capaz de aderir ao mercado comum. 

De acordo com Kessler, perguntas fundamentais terão que ser respondidas em breve: como ficará a cooperação científica entre a Suíça e a UE? Sua participação em programas educacionais europeus? Como ficará os intercâmbios de jovens? A disputa sobre o programa de pesquisa Horizon Europe e a possível não-participação da Suíça neste, já dá as pistas do que vem pela frente.

Os dois jovens ativistas consideram que a resposta a estas questões é uma só: a Suíça dar um passo em direção à Europa. “O Movimento Europeu tem o objetivo estatutário de trazer a Suíça para a UE”, disse Sinner. As opiniões divergem em como fazê-lo. Alguns querem rapidez. Outros preferem uma abordagem gradual.

Uma análise da decisão de 1992 pode ajudar. O plebiscito de adesão da Suíça ao EEE, que um ministro na época descreveu como um “campo de treinamento” no caminho para a UE, foi um desastre para o governo. Mas o “não” dado pelos eleitores nas urnas deu, enfim, de partida ao caminho das negociações bilaterais, que ao longo dos anos estreitou as relações da Suíça e da UE – e, ao mesmo tempo, seu sucesso sempre foi o argumento dos grupos contrários à adesão completa da Suíça à UE. Porém a decisão de 26 de maio de 2021 desequilibra toda essa construção. 

Alternativas

Os dois jovens suíços só viveram o estreitamente gradual das relações entre seu país e a UE. Ambos têm dupla-cidadania: Kessler tem um passaporte francês e Sinner nasceu em Luxemburgo. Um em cinco suíços tem mais de um passaporte. A imagem da UE como inimigo é estranha a essa geração.

É hora de começar a pensar de forma mais geral, diz Kessler, pergunta-se: “Para onde a Suíça realmente quer ir? Os partidos? As associações?” Não é uma questão retórica. “Sabemos para onde queremos ir”. Isso os coloca na posição confortável de ter um “plano B”, quase o único e, ironicamente, junto com os oponentes do SVP.

A Suíça carece de visão e objetivos claros na política externa, na opinião de Sinner. Ele menciona o exemplo de Luxemburgo, um exemplo oposto ao da Suíça: após a dolorosa experiência de duas guerras mundiais, o pequeno país europeu decidiu seguir por completo o caminha multilateral a fim de assegurar sua soberania. “Não podemos comparar os dois países em todos os aspectos, mas é importante lembrar que sempre existem outras maneiras de agir.”

O que propõe os dois jovens suíços? Os dois sabem que fazer pressão pela adesão à EU pode levar até ao aumento da rejeição desta, mas consideram que é preciso ressaltar: existem muitas forças pró-europeias. Pesquisas realizadas nos últimos dez anos mostram que 10-20% da população é a favor da adesão à UE. Na época da EEE, esse número chegou a estar entre 40 50%, diz Sinner. “Levantar a questão da adesão à EEE, trinta anos depois do plebiscito, é perfeitamente legítimo”. Tudo mudou com a desistência do acordo-quadro.

Fazer política, especialmente na Suíça, exige paciência. Os defensores da adesão da Suíça à UE sabem disso, mas até especulam que as coisas podem se desenvolver até mais rápido do que o esperado. O Movimento Europeu da Suíça já especula em lançar uma nova iniciativa. Seu principal objetivo: “preservar a integração da Suíça na Europa”.

Iniciativa popular

Possibilita aos cidadãos apresentar propostas para a alteração ou complemento da Constituição. Seu efeito consiste em estimular o debate político sobre um tema específico restrito ou em relançar esse debate. Para que uma Iniciativa popular seja válida e possa ser levada a votos, têm que ser recolhidas 100 mil assinaturas em 18 meses. As autoridades podem apresentar uma contraproposta para uma Iniciativa popular e esperar que o povo e os representantes lhe deem preferência.

Adaptação: Alexander Thoele

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