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Amianto reúne Brasil e Suíça em polêmica internacional

Um operário transporta um saco com lixo contaminado com amianto, em Zurique, em 2003. Keystone

O Supremo Tribunal Federal (STF), instância máxima da Justiça no Brasil, deve começar a julgar nas próximas semanas uma série de ações sobre a utilização do amianto branco, ou crisotila, pela indústria nacional.

O Brasil é um dos poucos países onde o amianto branco ainda é legal, mas sua utilização divide a sociedade brasileira, já que o produto é considerado de alto risco para a saúde humana por um grande número de cientistas, acadêmicos e dirigentes de organizações não-governamentais.

Em meio à polêmica brasileira, a Suíça cumpre um papel importante em três frentes, graças a sua atuação nas discussões internacionais sobre o banimento de produtos perigosos, à postura adotada por suas empresas frente ao problema do amianto e à atuação acadêmica pró-amianto de David Bernstein, um renomado, e muitas vezes contestado, cientista norte-americano radicado há décadas no país.

Em novembro do ano passado, foi realizada em Roma a 4ª Conferência da Convenção de Roterdã sobre Substâncias Químicas e Agrotóxicos. Nela, a exemplo das conferências anteriores, as discussões sobre o banimento do amianto foram proteladas, e somente serão reiniciadas em 2010.

A frustrada tentativa de incluir o amianto na lista de produtos proibidos foi liderada pela Suíça, e a delegação suíça chegou a sugerir que as decisões no âmbito da Convenção de Roterdã não mais fossem tomadas por consenso, como é praxe, e passassem a ser tomadas por votação da maioria.

O Brasil, por outro lado, reafirmou em Roma a posição de não ter posição, fato talvez explicado por sua indefinição interna acerca da utilização do amianto.

A suposta neutralidade brasileira, seguida por outro grande produtor, o Canadá, significou na prática o fortalecimento da posição dos países claramente favoráveis ao amianto, como Índia, Filipinas, Vietnã e os países do ex-bloco soviético, entre outros.

Representante da Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA) e coordenadora da Rede Virtual-Cidadã para o Banimento do Amianto na América Latina, a advogada Fernanda Giannasi, que participou da reunião de Roma, criticou a posição brasileira: “O Brasil ficou mais uma vez em cima do muro. Essa posição já havia sido combinada previamente com a indústria brasileira de amianto, foi coisa acertada nos gabinetes de Brasília”, disse.

STF na pressão

Para definir seu rumo no plano das discussões multilaterais, o governo brasileiro espera que o STF julgue ainda no primeiro semestre de 2009 as doze ações referentes à utilização do amianto que tramitam na suprema corte. Nove destas são Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins) que, depois de julgadas, definirão de uma vez por todas essa questão no país.

A Adin mais importante, e que deve ser apreciada pelo STF em primeiro lugar, contesta a constitucionalidade da lei aprovada em São Paulo que bane o amianto do mais rico estado brasileiro.

Ciente da importância do momento, o lobby pró-amianto já se articula em torno do STF. Por pelo menos uma vez, o presidente do tribunal, ministro Gilmar Mendes, recebeu no seu gabinete em Brasília o presidente do Grupo Eternit, Élio Martins, e o diretor-geral da SAMA, Rubens Rela Filho. A Eternit é a maior empresa do setor de amianto no país e a mineradora SAMA, subsidiária do grupo, opera no estado de Goiás a única mina de amianto em exploração no Brasil.

Eternit Brasil

Nesse ponto, a Suíça cruza novamente a polêmica brasileira, pois o Grupo Eternit, que apenas usa a marca suíça, como parte de uma estratégia de expansão levada a cabo conjuntamente com a Eternit belga, é líder do setor no país.

O grupo conta atualmente com cinco fábricas e 1.400 funcionários e colaboradores, e em janeiro ampliou em dez mil toneladas mensais sua produção de amianto branco e de fibras sintéticas para a fabricação de telhas de fibrocimento no estado do Paraná, num investimento de R$ 20 milhões.

Na Suíça, a Eternit já não utiliza o amianto branco desde 2000, devido aos riscos do produto, mas o mesmo não acontece na Eternit brasileira. Na opinião de Fernanda Giannasi, essa realidade aponta o que considera “uma contradição na filosofia do grupo”, que, segundo a advogada, foi criada a partir do momento em que o proprietário da Eternit, o suíço Stephan Schmidheiny “se tornou ambientalista e desistiu de ser um magnata do amianto”.

Biopersistência

O componente mais folclórico que une Suíça e Brasil nessa polêmica do amianto, no entanto, tem nome e sobrenome: David Bernstein. Físico de formação e nascido nos Estados Unidos, Bernstein ganhou fama internacional após se estabelecer na Suíça, onde publicou seus estudos sobre biopersistência, que vem a ser o tempo que um produto tóxico resiste no organismo humano.

As conclusões de Bernstein, apresentado inúmeras vezes pela grande imprensa brasileira como “especialista suíço”, sempre foram amplamente utilizadas para embasar os argumentos dos defensores do amianto no Brasil.

Segundo seus estudos, a biopersistência da fibra de amianto branco, ou crisotila, no pulmão humano é de dois dias, o que significa que, se o contato com o produto for feito a partir de regras industriais de uso controlado, ele não representa risco à saúde humana.

Vários cientistas em todo o mundo, no entanto, contestam os estudos de Bernstein. O francês Henri Pezerat, por exemplo,(recentemente falecido) afirma que Bernstein “esqueceu que a biopersistência é apenas um parâmetro entre outros na cadeia de eventos que caracteriza um processo cancerígeno” e o acusa de manipular os testes feitos com ratos sobre os quais baseou suas conclusões: “Esses estudos, que servem como caução científica para o lobby do amianto, carecem totalmente de rigor científico”.

Normalmente arredio ao contato com a imprensa, Bernstein concedeu em 2006 uma entrevista ao Instituto Brasileiro de Crisotila (IBC), na qual afirmou que “numerosos estudos tem demonstrado que a combinação de características do crisotila faz com que sua fibra seja rapidamente eliminada do pulmão depois de inalada”. Bernstein disse também que “a Organização Mundial de Saúde (OMS) aprovou o conceito do uso controlado de crisotila”.

Financiamento suspeito

As críticas sobre Bernstein, no entanto, aumentaram quando, durante um depoimento prestado no ano passado, no âmbito de um processo sobre contaminação por amianto no distrito de Ellis County (Estado do Texas, EUA), ele confirmou que seus estudos sobre biopersistência haviam sido parcialmente financiados “pela indústria brasileira de amianto”, através da mineradora SAMA.

Procurado pela reportagem da swissinfo, Bernstein não quis se pronunciar para negar ou confirmar essa afirmação.

O Grupo Eternit, por sua vez, admitiu pela primeira vez sua ligação prévia com os estudos realizados por Bernstein. Procurada pela swissinfo, a direção da empresa no Brasil, por intermédio de sua assessoria de imprensa, afirmou que “preocupados com os efeitos das fibras do amianto crisotila na saúde da população e dos funcionários, inicialmente a solicitação da pesquisa partiu do Grupo Saint Gobain, administrador da SAMA Minerações à época”.

“Como no Brasil não há incentivo ou investimento público para este tipo de pesquisa, a indústria procurou apresentar respostas às questões de segurança na utilização do mineral. A pesquisa realizada apresentou, de forma isenta, um estudo sobre as características físicas do amianto crisotila”, afirma a direção da Eternit.

A empresa justificou a escolha de Bernstein: “À frente do trabalho, David Bernstein foi escolhido em razão de ser o cientista mais citado em qualquer bibliografia que trate de estudos de biopersistência por inalação, além de trabalhar em parceria com outros cientistas, considerados entre os poucos detentores de recursos tecnológicos para o desenvolvimento de metodologia adequada sobre o assunto no mundo”.

swissinfo, Maurício Thuswohl, Rio de Janeiro

O amianto branco, ou crisotila, é conhecido cientificamente pelo nome asbestos, que significa “indestrutível” em grego. Segundo o Ministério do Meio Ambiente do Brasil, trata-se de um “carcinógeno altamente potente, com efeitos muito graves sobre a saúde humana”.

De acordo com o ministério, entre as doenças causadas pela exposição ao amianto, estão o pulmão de pedra ou asbestose (doença crônica que provoca endurecimento do pulmão) e a adenocarcinoma do pulmão, bem como vários tipos de câncer da pleura e pleurites (inflamações da membrana que reveste o pulmão).

Professor da Escola Nacional de Saúde Pública e coordenador do Centro de Estudos de Saúde do Trabalhador da Fundação Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro, o pneumologista Hermano Albuquerque de Castro ressalta os riscos trazidos pelo amianto: “Todo tipo de amianto é comprovadamente cancerígeno, e o seu uso controlado, uma ilusão total. No máximo, as indústrias podem conseguir reduzir a dose de contaminação dentro das fábricas, mas não conseguem controlar depois que o produto sai das fábricas e vai para o público. Isso é impossível”, afirma.

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