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“Talvez a culpa tenha sido do bigode”

Artur Jorge ao ser contratado como técnico da seleção suíça em 19 de dezembro de 1995. Keystone

Artur Jorge foi treinador da seleção suíça de futebol durante sete meses entre 1996 e 1997. Foi uma temporada repleta de derrotas e também de agressivas campanhas da mídia e dos torcedores contra o português, um antigo craque do futebol lusitano. Hoje praticamente aposentado, ele conta à swissinfo.ch como vê o futebol atual e as chances das diferentes equipes na Copa do Mundo.

Muitos torcedores suíços ainda se lembram do português com um espesso bigode negro, quando chegou à Suíça com um portfólio de vários troféus e conquistas no futebol europeu. A esperança era de que ele seria capaz de ajudar a seleção suíça a conquistar a Eurocopa na Inglaterra em 1996. Porém o resultado desse curto período foi traumático para os dois lados. Por telefone, Artur Jorge se lembra desses dias.

swissinfo.ch: A sua marca registrada na Suíça era o famoso bigode. Você ainda utiliza um?

Artur Jorge: Não (risos), já faz muito tempo que não tenho bigode.

swissinfo.ch: E hoje você está reformado? Parou completamente com o futebol ou ainda frequenta os estádios ou espera um convite?

A.J.: Ainda não, mas de fato estou menos ligado ao futebol. Eu escrevo de vez em quando colunas nos jornais ou faço comentários na televisão. Também vou aos estádios, mas nem sempre. Gosto também de ver jogos em casa, na televisão.

swissinfo.ch: Como foi a experiência de ser treinador da seleção suíça durante sete meses, entre 1996 e 1997?

A.J.: Hoje a Suíça é mais forte. Mas na época ela estava ainda a crescer. Você sabe que isso não ocorre rapidamente. Eu estou convencido de que a equipe ficou melhor depois do meu trabalho. O fato é que eu havia sido convidado pelo vice-presidente da Federação de Futebol da Suíça apesar de não ter nenhum conhecimento ou relacionamento com o país e acabei ficando. Mas não podia imaginar que as coisas ficariam tão difíceis para o meu lado.

swissinfo.ch: Na época a missão era levar a Suíça à Eurocopa na Inglaterra, mas a equipe se desqualificou já nas pré-eliminatórias da Eurocopa. Como você reagiu?

A.J.: Fomos à Eurocopa, mas para jogar com adversários mais fortes como a Holanda e a Inglaterra, que estavam no mesmo grupo. Perdemos, mas estou convencido que deixamos uma boa impressão por lá. 

swissinfo.ch: Uma das suas decisões mais polêmicas foi não ter escalado os jogadores Alain Sutter e Adrian Knup para a Eurocopa de 1996, que para muitos estavam no auge das suas carreiras. Como o senhor justifica hoje?

A.J.: Não dá para escalar todo mundo. Eu era o treinador e tinha que tomar a decisão. Todavia nem todos estavam de acordo. Isso é normal.

swissinfo.ch: Dizem que no Brasil existem 200 milhões de técnicos de futebol. Qual é o desafio para um treinador de escalar uma seleção? Existem pressões dos patrocinadores, dirigentes de clubes ou da mídia?

A.J.: Sim, mas o trabalho é sempre muito parecido: você vê muitos jogos, conversa com os jogadores, ouve opiniões – pois achava importante para mim, alguém que na época não conhecia nada do futebol suíço, ouvir outras pessoas – e participa dos treinos, conversa com as pessoas que trabalham na seleção e então toma suas decisões.

swissinfo.ch: Como foi lidar com a pressão na Suíça da mídia – que fez uma forte campanha contra a sua pessoa – e dos torcedores? Em 1° de junho de 1996, por exemplo, o senhor teve que sair escondido do estádio da Basileia sob proteção policial devido às manifestações de fúria dos torcedores…

A.J.: De fato havia qualquer coisa na Suíça que não estava ao meu lado. Penso que isso foi muito desagradável para a seleção suíça, para os jogadores e para mim. Mas o fato é que a Suíça não tinha naquele momento uma grande seleção. Eu fiz o que era possível. No primeiro jogo da Eurocopa nós empatamos com a Inglaterra, o que mostra que a gente não estava tão ruim assim. Mas o que se passava à minha volta era uma situação muito desagradável. Talvez a culpa tenha sido do bigode (risos).

swissinfo.ch: Quando o senhor chegou à Suíça já tinha um título de doutorado em letras e uma formação de treinador na Escola Superior de Cultura Física de Leipzig, na antiga Alemanha oriental. Como a educação ajudou seu trabalho de treinador?

A.J.: Eu acho que não ajudou, mas sim estragou (risos). De fato, o treinador de futebol não poder ser isso. Mas penso que o jogador de futebol hoje em dia não é mais como aquele do passado. Hoje eles tentam fazer coisas profissionais mais interessantes.

swissinfo.ch: Qual a dificuldade de ser um bom treinador? O único fator que conta é se a equipe ganha? Ser vice-campeão já basta para qualificar a qualidade de um treinador?

A.J.: A verdade é que se a equipe ganha está tudo bem. Se a equipe não ganha está tudo mal. Mas deixando a brincadeira de lado, o que o treinador precisa é de pessoas ao seu lado.

swissinfo.ch: Uma vez o senhor disse que sucesso é fruto de trabalho duro e não do acaso. Nesse sentido, os brasileiros ou os espanhóis trabalham mais duro do que os suíços ou os japoneses? Por que existem nações “favoritas” do futebol?

A.J.: Mas os japoneses têm hoje uma equipe que não tinham há 20 anos. Penso que é uma questão de tempo e trabalho. Hoje em dia trabalha-se mais no futebol. Estou convencido de que os treinadores hoje têm ideias diferentes.

swissinfo.ch: Você foi artilheiro em Portugal na época da ditadura de Salazar. Ao ver que hoje milhares de jovens saem às praças públicas para protestar contra a realização da Copa do Mundo no Brasil, o que vêm à cabeça? Alguma associação?

A.J.: Quando a Eurocopa foi feita em Portugal há alguns anos (n.r.: 2004) também houve protestos, talvez não como hoje no Brasil, mas houve protestos. Em países onde as coisas não correm muito bem, onde há problemas graves, o povo vira-se contra os organizadores.

swissinfo.ch: O senhor acompanha a seleção suíça? Em sua opinião, quais as chances da Suíça chegar à final da Copa no Brasil?

A.J.: Sim, eu acompanho, mas não muito. Acho que ela tem chances, especialmente quando vejo os juniores, onde uma grande parte dos jovens é de origem estrangeira. Na minha época não havia quase nenhum. A Suíça também teve bons treinadores nos últimos anos.

swissinfo.ch: O antigo treinador Daniel Jeandupeux escreveu uma vez no jornal Tages-Anzeiger que um motivo para a sua não aceitação na Suíça foi o fato de ter sido português. No coletivo dos suíços os “portugueses” seriam naquela época trabalhadores sazonais, ou seja, estrangeiros de segunda categoria. O senhor sentiu esse problema na época?

A.J.: Eu senti sim. Se eu soubesse o que iria passar na Suíça, não teria ido para lá. Teria sido melhor para mim e para a seleção. Imagine: alguém é contratado para ajudar a seleção suíça a ter bons resultados na Eurocopa, evidentemente tem de ter apoio. Mas isso nunca aconteceu. Quando percebi que a situação não era favorável para mim, decidi sair.

swissinfo.ch: O senhor considera justificável os grandes salários no futebol como o do Cristiano Ronaldo? Esses salários dificultam o trabalho do técnico?

A.J.: Eu tenho uma certa dificuldade em falar sobre isso, pois se digo qualquer coisa, parece que estou contra. A questão é que estou convencido que os jogadores hoje são melhores do que antes. Assim penso que eles têm capacidade para ganhar mais, serem mais fortes e não terem aqueles contratos que as pessoas tinham há 30 anos. Eu acho que esses salários fazem com que os jogadores trabalhem mais e tenham mais respeito pela sua profissão.

swissinfo.ch: Em sua opinião, qual equipe é favorita para ganhar a Copa do Mundo?

A.J.: Eu acho que a seleção brasileira é muito boa. Ela tem bons jogadores e também um bom treinador, uma pessoa muito séria. Além disso, o Brasil vai ter uma grande ajuda, pois o público é forte. Eu estou convencido que a torcida será uma grande ajuda. Já os jogadores da seleção portuguesa talvez não tenham o mesmo nível dos da seleção brasileira. Eles querem ter uma boa campanha, mas entre querer e a realidade são dois mundos. Não será fácil para Portugal.

Artur Jorge Braga Melo Teixeira nasceu em 13 de Fevereiro de 1946 na cidade do Porto, Portugal.

Sua carreira no futebol começou em 1964 como júnior no FC Porto. Depois, como jogador profissional, jogou no Acadêmica de Coimbra e Benfica, antes de terminar sua carreira no Belenenses na temporada de 1977 a 1978 devido a uma grave lesão.

Enquanto se dedicava ao futebol, Artur Jorge também estudou literatura na Universidade de Coimbra, onde se graduou em filologia germânica. Depois concluiu o doutorado na Universidade de Lisboa em 1975.

Entre 1967 e 1977 participou de 16 jogos da seleção portuguesa. Como jogador, seus maiores trunfos: 4 vezes campeão na Primeira Liga (1969, 71, 72 e 72) e três vezes da Taça de Portugal (1969, 70 e 72) e duas vezes a “Chuteira de prata”.

Em 1977 encerrou sua carreira e se tornou treinador. No mesmo ano foi estudar futebol e métodos de treinamento na escola Superior de Cultura Física de Leipzig, cidade na antiga  República Democrática Alemã (RDA).

Sua carreira como treinador começou no Vitória de Guimarães, Belenenses, Portimonense e depois, em 1984, foi contratado pelo FC Porto. No clube ele conquista dois títulos nacionais e, em 1987, o título da Liga dos Campeões da UEFA.

Depois treinou o Matra Racing (1987-1989), Porto (1989-1991) e o Paris Saint-Germain (1991-1994), onde ganhou o campeonato nacional francês (1993-1994).

Artur Jorge treinou posteriormente o Benfica (1994-1995), a seleção suíça (1996), a seleção portuguesa (1996-1997), retornou ao Paris Saint-Germain (1998-1999), o Acadêmica (2001-2002), o CSKA Moscou (2003-2004) e a seleção dos Camarões. Depois ainda teve experiências na Arábia Saudita e na segunda divisão do futebol francês.

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