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Artistas descobrem forma de burlar censura na Internet

Internet café em Xangai: o governo chinês não reconhece oficialmente a censura na Internet. Keystone

Dois artistas suíços criam um sistema capaz de burlar a censura na Internet. Distribuído gratuitamente e podendo ser instalado em qualquer servidor, "Picidae" transforma páginas de HTML em imagens navegáveis, que não podem ser filtradas pelos bloqueios tradicionais.

Centenas de usuários já participam da rede, incluindo em países onde a censura da Internet está na ordem do dia: a China. Lá os dois artistas testaram a nova tecnologia.

“Conseguimos abrir um buraco na Muralha da China”, declara ironicamente Mathias Jud. O joven suíço não se refere ao colossal monumento histórico, mas sim ao também conhecido e pouco falado “Golden-Schield-Firewall”, o sistema de bloqueio utilizado pelas autoridades chinesas para filtrar as informações recebidas pelos aproximadamente 170 milhões de chineses que têm acesso à Internet.

A proeza técnica é fruto de um trabalho conjunto. Ele e o também artista e suíço Christoph Wachter dividem um ateliê improvisado num apartamento em Kreuzberg, bairro popular habitado majoritariamente por estrangeiros em Berlim, a capital alemã. Ao invés de tintas, telas e paletas, o que se vê na sala de estar são dezenas de computadores, servidores e cabos elétricos.

Mathias Jud e Christoph Wachter são artistas multimídia. Em 2005, eles já haviam impressionado o meio cultural ao lançar o projeto “Zone Interdite” (www.zone-interdite.net). Nele, os dois recriam o campo de detenção americano de Guantánamo em um mundo virtual que pode ser navegado através da Internet.

Inspiração

A experiência de receber e coletar imagens de um tema considerado “tabu” e, muitas vezes mantido em segredo pelas autoridades americanas, inspirou os suíços a expandir a experiência. “Nosso segundo projeto trata dessa realidade, a de que o mundo que conhecemos é construído através da percepção de imagens e que elas são manipuláveis”, explica Wachter.

“Ao surfar na rede, descobrimos que o mundo se transformou num vilarejo. As regiões mais distantes do mundo passam a estar distante apenas alguns cliques. Porém, ao analisar com mais atenção o que vemos, descobrimos que os intermináveis e virtuais mundos só existem aparentemente. Por que não existe nenhum site da Coréia do Norte? Nenhuma página sobre o massacre de Tiananmen na China? Nenhum site com conteúdo de extrema-direita na Alemanha, com pornografia no Irã, de crítica ao Islamismo na Arábia Saudita ou conclamando protestos contra o regime na Síria?”, perguntam os artistas.

Batizado de “Picidae”, nome em latim para “pica-pau”, o novo projeto de Mathias Jud e Christoph Wachter também foi inspirado nos caçadores de lembranças que, em novembro de 1989, perfuravam com suas pequenas picaretas o Muro de Berlim para tirar pedaços do concreto.

Viagem à China

A idéia básica, com a qual Picidae é possivelmente capaz de contornar o bloqueio da censura chinesa – um sistema no qual trabalhariam 30 mil funcionários e equipado com a última tecnologia ocidental – é simples e genial: Picidae transforma páginas de HTML na Internet em imagens “jpg”. Convertidas, as páginas web não podem ser filtradas pelos sistemas atuais, que trabalham através da análise semântica ou simplesmente “pescando” expressões ou palavras-chaves nos textos.

Ao viajar para China na metade de 2007, os dois artistas testaram durante três semanas o software. Nos vários internet-cafés que visitaram – internautas na China praticamente só dispõem de acesso público à Internet, já que acesso privado ainda é restrito – eles fizeram rodar um script (programa) que havia sido instalado num servidor em Zurique. A página web chamada contém apenas um simples formulário. O que é escrito no espaço é codificado e escapa, dessa forma, dos “xerifes” da web.

Como exemplo, o usuário pode começar a busca ao entrar na página da Google americana e clicar sobre o serviço de busca de imagens. Ao escrever “Tiananmen”, o resultado mostra 79.500 fotos, sendo que uma grande parte é relativa ao massacre ocorrido entre 3 e 4 de junho de 1989, quando tropas governistas chinesas mataram cerca de 2.600 manifestantes.

Na China, buscas feita no Google e em outras máquinas de procura, sejam de imagens ou textos, podem ser bloqueadas pela censura eletrônica. medida de segurança é o registro obrigatório, por parte dos proprietários de internet-cafés, da identidade dos usuários.

Porém como Picidae transforma os resultados da busca em uma imagem, transformando cada link da página original em HTML em “Image Map”, uma imagem que é sensível ao toque do mouse. Também formulários são tratados como imagens. Dessa forma é possível navegar sem obstáculos em qualquer site, mesmo aqueles de conteúdos interditados.

Teste com palavras censuradas

Para ver como realmente funciona a censura, Mathias e Christoph tentaram navegar diretamente, sem utilizar o servidor instalado em Zurique. Ao fazer uma procura no Google com as expressões “Tiananmen, Democracia e Massacre”, eles tiveram mesma experiência vivida comumente pelos internautas chineses: depois de alguns segundos, apareceu uma tela com a inscrição “The connection has timed out” e, logo ao lado, “Problem loading page” (“A conexão foi interrompida” e “página não pode ser carregada”.), simulando um problema técnico.

Apesar do aspecto técnico de Picidae, os jovens suíços vêem seu trabalho uma obra de arte. “Com ele sondamos as fronteiras da percepção. O que nos interessa é como as pessoas ganham o seu próprio ponto de vista. E como este influencia o comportamento e a linguagem”, explica Jud.

Para o jovem artista, o exemplo da China comprovou suas teses. “Lá as pessoas não precisam fazer buscas de termos proibidos como Tiananmen, pois elas sabem que existe a censura. Assim elas utilizam a Internet de uma maneira completamente diferente do ocidente. Os chineses querem mais se distrair, jogar jogos, se informar sobre as novelas ou escapar da realidade. Na arte trabalhamos também a questão da percepção”, justifica.

Rede descentralizada

Picidae só poderá ter sucesso se escapar do batalhão de censores, que atuam não apenas em países de regimes opressores, mas que também em países democráticos, porém de formas mais sutis. O projeto precisa expandir sua comunidade de usuários.

As pessoas que querem participar fazem o download do software (open source) e instalam nos seus próprios servidores. Neles, o programa faz a transcodificação de HTML em imagem. Quem não tem servidor, pode oferecer seu domínio como “pici-Proxy Server” e abrigar, dessa forma, páginas que funcionam como “janelas” de contato com os servidores. Quanto maior o número de participantes na rede, mais difícil fica para a censura de bloquear endereços-IP espalhados aleatoriamente em todo o mundo. Estes são trocados entre os usuários através de e-mail e outras formas de contato. “O que permite na China a várias das pessoas interessadas de sempre ter um endereço do Picidae à disposição”.

Pela originalidade do projeto, Mathias Jud e Christoph Wachter ganharam em 2007 o Prêmio de Cultura da Migros, a maior rede de supermercados e também administradora de escolas e outros projetos sociais. Como os dois não ganham dinheiro com Picidae, os 25 mil francos suíços são mais do que bem-vindos.

swissinfo, Alexander Thoele

Sites bloqueados na China:
BBC
Sites que contenham informações de temas considerados “tabu”:
protestos pela democracia.
contra a ocupação do Tibet.
sobre o massacre de Tiananmen.
relativos à seita Falun Gong.
com material considerado pornográfico ou obsceno.

Os artistas suíços Christoph Wachter e Mathias Jud desenvolveram o projeto “Picidae”, cujo principal objetivo é contornar os sistemas de controle e censura da Internet.
O software aberto pode ser instalado por qualquer um no seu servidor. Páginas na Internet abrigam as “janelas”, onde as buscas são realizadas.
Nelas, as páginas em HTML são transformadas em imagens “jpg”. Os links das páginas se transformam em “image maps”, o que permite a navegação.
Como imagens não podem ser filtratadas pelos sistemas de controle, páginas de sites proibidos na China, por exemplo, como a BBC ou relativas à temas políticos polêmicos, podem ser vistas.

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