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Autoridades caçam fraudadores da assistência social

Desde o início de 2008, investigadores da prefeitura de Lausanne descobriram 2,6 milhões de francos pagos indevidamente.

A maior parte das grandes cidades suíças já dispõe de "detetives" do sistema de assistência social.

Empregados para combater os crescentes casos de abusos, essas mini-brigadas têm a missão de descobrir os fraudadores. swissinfo acompanhou uma delas no seu trabalho.

“Bom dia. Sou funcionária da prefeitura de Lausanne. A senhora conhece o vizinho do andar de baixo? Será que ele vive só?”, pergunta a detetive social Marie P. (nome modificado pela redação). Desta vez, a pista que segue levou-a a um imóvel localizado em um dos bairros chiques de Lausanne.

A vizinha responde as questões com presteza. Mas todas as informações obtidas já estavam registradas no seu caderno, onde estão anotadas todas as etapas de três dezenas de investigações feitas por ela. Rapidamente ela anota o número da placa de um veículo estacionado em frente ao prédio. Talvez ele seja uma pista interessante.

Antes de telefonar para o controle, ele prefere fazer outra verificação. Dessa vez nas cercanias de um bairro mais desfavorecido da cidade. No prédio em ligeiro estado de abandono, os nomes inscritos nas caixas postais são tão internacionais que mais parecem um símbolo da globalização.

Apesar dos corredores pintados em cores berrantes e o exotismo dos odores que saem das várias cozinhas nos apartamentos, os controladores descobrem que lá o cotidiano dos moradores está longe de ser um mar de rosas. Habituada a ter portas batidas no seu nariz, como ocorre comumente com vendedores de enciclopédias, Marie P. não obterá nenhuma informação relevante no lugar.

Pressão política

Dos 130 mil habitantes de Lausanne, oito mil dependem da assistência social ou de contribuições financeiras da chamada “ajuda à inserção” (revenu d’insertion – RI, em francês), como é conhecida no cantão da Vaud. O número corresponde a 8,5% da população ativa dessa grande cidade suíça. O seguro-saúde dessas pessoas também é pago integralmente pelo governo.

O sistema funciona tão bem que muitos dos seus beneficiários começam a ser “criativos” na procura de formas de aproveitá-lo. Os métodos são os mais variados: dissimulação de fortuna (quem tem dinheiro economizado precisa utilizá-lo primeiro antes de pedir ajuda ao governo) ou de renda, dissimulações na composição dos lares (cônjuges são obrigados a ajudar-se antes de pedir ajuda, mas mães “solteiras” não têm oficialmente ninguém), sublocação de apartamentos e outros. As fraudes são múltiplas e variam segundo a sua gravidade. Isso representa prejuízos para o estado de vários milhões de francos.

Face ao fenômeno, o governo decidiu tornar mais severo o sistema de assistência social, sobretudo com o objetivo de frear a crítica crescente dos partidos liberais e conservadores. Desde que a União Democrática do Centro (UDC, direita nacionalista) incorporou o tema nas suas campanhas políticas, a pressão pública não cessa de aumentar.

Graças às estatísticas, as maiores cidades do país – onde reside a maioria dos beneficiários de assistência social – passaram a comunicar os resultados da luta antifraude. A maior parte das prefeituras criou órgãos de controle comparáveis ao que trabalha atualmente Marie P.

Aumento das investigações

Juntamente com seus três colegas exclusivamente encarregados de desmascarar os fraudadores, ela descobriu 2,6 milhões de francos recebidos indevidamente este ano. É bastante, comparado à soma total de 90 milhões de francos paga em forma de benefícios da assistência social atualmente. Em 1990, a ajuda estatal somava apenas 10 milhões.

Nesse contexto marcado pela explosão dos custos sociais é que emergiu o problema da fraude de benefícios. “Isso é algo que a sociedade absolutamente não tolera”, reconhece Michel Cornut, chefe do Departamento de Assistência Social da prefeitura de Lausanne. Ele estima entre 2 e 4% a parte os pagamentos indevidos.

Ao falar de um dispositivo de prevenção e de repressão “proporcional, severo e adaptado às necessidades”, ele julga, porém, que ir além da vigilância arriscaria prejudicar os beneficiários honestos.

Para Marie P. eles constituem a maioria, mesmo se ela e seus colegas lidam apenas com pessoas suspeitas de estarem fraudando a assistência social. Apesar disso, ela acredita no sistema social suíço.

“Nosso grupo de detetives sociais não deve ser visto como um sistema de repressão. Nosso papel é fazer com que o dinheiro gasto com assistência social beneficie realmente às pessoas que estão necessitadas e não aqueles que conseguem simplesmente manipular o sistema melhor que os outros. Seria triste se formos obrigados a ser mais restritivos e desconfiados na outorga de ajuda por causa dos fraudadores”, lamenta-se.

De fato, as denunciações feitas por privados e os pedidos de investigação feitos pelos assistentes sociais por suspeita de abuso não param de aumentar. Em 1999, o primeiro ano do funcionamento do sistema de vigilância – no qual apenas um detetive social estava empregado – 32 investigações foram realizadas. Até novembro de 2008 elas já totalizavam no ano 295.

Uma nova arma

E a nova arma colocada à disposição de Marie P. e dos seus colegas não deve inverter a tendência. Introduzida pelo governo cantonal de Vaud (a ajuda social é da alçada cantonal, os estados) no início de 2008, uma procuração geral os autoriza a obter informações dos diversos órgãos estatais, empregadores e, sobretudo, dos bancos para detectar eventuais contas não declaradas.

Utilizada unicamente em caso de dúvida sobre a honestidade de um beneficiário, esse instrumento aumentou consideravelmente as possibilidades dos detetives. Metade do tempo é gasto nas investigações de campo e metade com telefonemas, envios de cartas e a redação de relatórios.

Marie P. é uma policia? Os espessos dossiês e as fotos de passaporte de má qualidade espalhadas por seu escritório dão essa impressão. Ela e seus colegas preferem ser comparados a um detetive. É uma forma de discrição.

swissinfo, Carole Wälti

Na Suíça, a ajuda social é da competência dos estados (cantões).

Freqüentemente, os estados delegam a organização da ajuda social às comunas (prefeituras).

Assim, os critérios de atribuição da ajuda social variam de um estado a outro e até de uma comuna a outra.

O financiamento da ajuda social geralmente é dividido entre o estado e as comunas.

Nos últimos anos, a pressão política, em particular da União Democrática do Centro (UDC, direita nacionalista), aumentou bastante.

Paralelamente, a mídia tem denunciado casos de abuso na ajuda social julgados nos tribunais.

No total, mais de 20 mil pessoas recebem a renda de inserção social (RI), nome atribuído à ajuda social, no estado de Vaud (oeste).

Em 2008, as despesas do RI foram de 227,8 milhões de francos suíços, 4 milhões a menos do que em 2007.

O RI representa 19% das despesas sociais do cantão, estimadas em 1,2 bilhões de francos no orçamento de 2008.

Dez anos atrás, as despesas totalizavam 600 milhões.

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