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Aviador suíço termina 1ª etapa de projeto pioneiro no Brasil

Gérard Moss e o Romeu, o avião dos rios voadores swissinfo.ch

O aviador e ambientalista suíço Gérard Moss apresentou dias atrás, em São Paulo, os primeiros resultados do Projeto Rios Voadores.

O objetivo é analisar o deslocamento da imensa massa de vapor d’água que surge na Amazônia e, embalada pelos ventos, viaja até o sul do continente.

Desde setembro de 2007, Moss, a bordo de um avião monomotor, segue os “rios voadores” para coletar amostras de água em diversos pontos do Brasil e determinar sua importância para a regulação climática e o equilíbrio do regime de chuvas nas regiões Sul e Sudeste do país.

Em um ano e meio de projeto, Moss, que é naturalizado brasileiro, realizou doze expedições para seguir os “rios voadores” e coletou 500 amostras de vapor d’água que foram encaminhadas para análise no Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA) da Universidade de São Paulo (USP), localizado na cidade de Piracicaba. Outras 500 amostras de água coletadas na superfície de rios e lagos por uma equipe em terra completam o material de análise.

A metodologia utilizada por Moss para a coleta das amostras de água aliou engenhosidade e espírito de aventura. O Romeu, avião monomotor com o qual ele cumpriu as doze etapas do projeto, possui um pequeno coletor externo que capta o ar ambiente. Na mesma hora em que é coletado, explica o aviador, o ar é direcionado a um tubo de vidro de 40 centímetros que é resfriado com gelo seco a uma temperatura de -80°C, o que provoca a condensação da umidade em uma gotinha de água no fundo do tubo.

Experiência marcante

A análise feita pelo CENA sobre as amostras coletadas por Moss procura em cada gota condensada propriedades que possam definir de onde veio a água carregada por aquela massa de ar: “Se pegamos os dados isotópicos das amostras de água coletadas e os analisamos junto com os dados meteorológicos obtidos no período do acompanhamento dos rios voadores, percebemos a importância que tem a Amazônia para o equilíbrio do ciclo hidrológico em todo o Brasil”, afirma Moss.

O suíço torce para que os resultados do projeto fortaleçam os argumentos daqueles que, como ele próprio, lutam pela preservação da maior floresta do mundo: “Uma árvore de grande porte coloca cerca de 300 litros de água por dia na atmosfera. Sua retirada atinge não somente a Amazônia, mas também todas as outras regiões para onde a água é transportada pelo vento”, diz.

Para conseguir diferenciar a composição do ar nas diferentes camadas atmosféricas, a coleta do vapor d’água geralmente ocorre entre 500 e dois mil metros acima do nível do mar, o que exige uma grande perícia do piloto. Os vôos eram sempre iniciados de manhã cedo ou no fim da tarde: “Ver o vapor subindo da floresta amazônica às seis horas da manhã é uma cena marcante, que jamais esquecerei, assim como a beleza dos vôos que fiz a 500 metros das copas das árvores”, conta Moss.

Etapa perfeita

Durante a apresentação em São Paulo, Gérard Moss escolheu como estudo de caso a etapa que, segundo ele, foi a mais perfeita entre as doze que integraram o projeto.

Ela aconteceu entre os dias 4 e 11 de fevereiro do ano passado, num total de mais de nove horas de vôo, quando Moss, acompanhado pelo auxiliar Tiago Iatesta, seguiu um “rio voador” desde a Amazônia até São Paulo, passando pela Cordilheira dos Andes.

No último dia dessa etapa, a quantidade de água transportada pelo ar foi calculada em 3.200 metros cúbicos por segundo, volume 27 vezes maior do que a vazão diária do Rio Tietê, que corta São Paulo.

Segundo Moss, “naquele dia, a vazão do rio atmosférico representava o equivalente ao consumo de água de São Paulo por cem dias”. Para se ter uma idéia dessa grandeza, basta dizer que São Paulo, com cerca de onze milhões de habitantes, tem um consumo médio diário de água da ordem de 2,4 bilhões de litros.

Em defesa da Amazônia

Passada a primeira etapa do Projeto Rios Voadores, Gérard Moss pretende agora levar as conclusões obtidas por seu trabalho ao conhecimento do maior número possível de brasileiros: “Pretendo me dedicar à divulgação desse trabalho ao longo de 2009 e pelo menos no primeiro semestre de 2010. Outros estudos científicos ainda estão sendo realizados e podemos ter novidades ao longo dos próximos meses”, diz.

A idéia de Moss é promover palestras e audiências públicas em cidades claramente influenciadas pelo deslocamento de vapor d’água vindo da Amazônia: “Verificamos que o clima da cidade de Ribeirão Preto (SP), por exemplo, depende fortemente dos rios voadores”, diz. Outro exemplo citado é Uberlândia (MG): “Num único dia, cruzou o céu da cidade uma massa de água equivalente a 40% da média anual de chuvas”.

O principal para Moss, no entanto, é conscientizar os brasileiros sobre o perigo que representa a destruição da floresta amazônica: “Quero demonstrar que o Brasil pode continuar a se desenvolver, mesmo em termos de agricultura, sem precisar destruir a floresta. Eu acredito que o Brasil conseguirá atingir a meta de desmatamento zero. Vai demorar, mas esse dia vai chegar”, aposta o suíço.

swissinfo, Maurício Thuswohl, Rio de Janeiro

A coordenação científica do Projeto Rios Voadores é exercida pelo professor Enéas Salati que, há 30 anos, publicou um estudo sobre a formação de massas de vapor d’água na Amazônia que até hoje é usado como base para o conhecimento hidrológico da região.

Por meio de técnicas isotópicas, Salati revelou que 44% do fluxo de vapor d’água que penetra na região amazônica vindo do Oceano Atlântico, trazido pelos ventos alísios que sopram de leste para oeste, saem da bacia amazônica. Esse fluxo, segundo o estudo, condiciona o clima de toda a América do Sul e atinge as regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste do Brasil.

Salati é um entusiasta do Projeto Rios Voadores, e festeja a parceria com o aviador e ambientalista suíço Gérard Moss: “A execução do projeto só foi possível graças à coragem e ao espírito aventureiro do Gérard, que enfrentou os perigos das viagens numa pequena aeronave. Ninguém jamais havia acompanhado os rios voadores”.

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