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Aznavour, o último mito da música francesa

"Mais reconhecido do que conhecido", diz Charles Aznavour. swissinfo.ch

O Salão do Livro de Genebra, que se encerra nesta terça-feira (3), acolheu no sábado (30/4), o francês Charles Aznavour, cantor, compositor, ator, autor e ... embaixador da Armênia na Suíça.

Uma oportunidade para conversar com ele sobre literatura, a Armênia, e uma vida rica de quase 87 primaveras.

Um hotel no centro de Genebra. Charles Aznavour chegou como um vizinho – ele mora na ponta do Lago de Genebra há várias décadas. Descontraído, amigável, a mesma figura, a mesma cara de 10, 20, 30 anos atrás. E uma vivacidade que os anos não desgastaram. Sempre com essa mistura impressionante de autoconsciência e humildade.

swissinfo.ch: É importante encontrar as pessoas sem a distância do palco?

Charles Aznavour: Eu encontro regularmente o meu público fora do palco. Gosto de sair para fazer compras, não tenho guarda-costas, levo uma vida normal, bem convivial. Como falo várias línguas, posso me comunicar com pessoas de lugares bem diferentes. Esse encontro cotidiano com o público é que possibilita a proximidade para compor para ele também.

swissinfo.ch: A coletânea das letras de suas canções foi publicada no final de 2010. Você disse uma vez que o cantor Charles Aznavour tolera críticas, mas não o autor…

CA: Continua sendo o caso. Não vejo por que alguém que escreve um artigo me criticaria pela minha escrita. Sou capaz de escrever um artigo. Será que esse alguém seria capaz de escrever uma canção? Essa é a diferença. Sou bem rígido com isso. Porque eu tenho certeza que minhas músicas são muito bem escritas. Não as do começo. Mas ela evoluiu ao longo dos anos, chegando a uma espécie de perfeição – não total, ninguém é perfeito – que não se encontra em qualquer um.

swissinfo.ch: No livro “A voz baixa” você compara a escrita de uma canção à fotografia, um instantâneo…

CA: Olha, eu sempre tenho uma câmera comigo. É verdade que eu fixo lugares, pessoas. Imagens que muitas vezes eu não guardo, pois para mim basta tirar a essência.

swissinfo.ch: Muitas de suas canções foram escritas a partir de uma situação real?

CA: Sim. O que falamos, o que dizemos, o que percebemos. Um segredo. Acabei de escrever uma canção sobre o Holocausto. Mas é uma canção de amor. Por quê? Porque um dia encontrei uma pessoa que havia conhecido sua esposa em um campo de concentração. E assim tinha encontrado o amor no campo de concentração. Minha música é isso. O amor nasce em um lugar que é um desastre, um horror.

swissinfo.ch: A Armênia é o país convidado do Salão do Livro. Então, quem está aqui também é o Charles Aznavour, nomeado em 2009 embaixador da Armênia na Suíça.

AC: Esse papel eu fiz na sexta-feira para a abertura. Hoje eu estou aqui como o autor de canções francesas e de livros. Eu sou como o café com leite – quando se coloca leite no café, não dá mais para separá-los – na minha vida e na minha profissão, a Armênia e a França estão totalmente separadas. Nunca neguei minhas raízes armênias, mas a minha base cultural é francesa e assim continuará sendo.

swissinfo.ch: Falando disso, no livro “À voz baixa” você fala muito da Armênia e destaca a sua forte ligação com a França. Mas nem uma palavrinha sobre a Suíça. Você quer enfezar a gente?

CA: A Suíça é um paraíso. Tudo aqui é muito mais calmo, mais pudico, até o semáforo demora mais para passar do vermelho ao verde e vice-versa! É um país que eu respeito e amo muito. Naturalizei meus filhos suíços. Mas não quis me naturalizar por uma questão de lealdade. A França deu aos meus pais a opção de ter uma vida normal e criar seus filhos. Eu não poderia trair isso. Deixei a França muito magoado, ela me causou muito mal. Fui quase linchado lá, não tanto quanto o Sarkozy agora, mas quase.

swisinfo.ch: Você está apoiando “Les reverberes de la mémoire”, um monumento em memória do genocídio armênio que será inaugurado em Genebra em 2013. Um projeto que tem irritado a comunidade turca da Suíça.

CA: Achei-o sublimemente lindo. Mais suíço do que armênio, embora tenha sido concebido por um jovem armênio. Não é um monumento aos mortos, parece uma Rambla, onde se vai para encontrar uma futura noiva…

swissinfo.ch: Você vê uma ligação entre sua escrita e sua origem armênia, com o drama que a acompanha?

CA: O que me aproximou do sofrimento das pessoas foi isso. A dor de viver está nisso. Encontramos isso entre os armênios, mas também entre os espanhóis, judeus e os magrebinos de hoje, como antes nos negros americanos. Li poemas anônimos de mulheres armênias que se parecem muito com meu jeito de escrever.

swissinfo.ch: Você já publicou quatro livros autobiográficos e um quinto, “D’une porte l’autre”, que será lançado em setembro. Como ligar a timidez, a modéstia que você menciona muitas vezes, e essa vontade de falar de si mesmo?

C.A.: Escrever é uma saída. Porque eu escrevo, não faço literatura. Levei tempo para escrever em prosa porque minha cultura não me permitia. Não há como negar as lacunas que tivemos ou ainda temos.

A palavra cantada é outra coisa. Somos observados na hora. Você vê nos olhos dos outros suas reações. É como se despir diante dos outros. Eu me coloco no palco nu, porque sou um ator da canção.

swissinfo.ch: Lendo seus livros dizemos que há um lado paradoxal em você. Uma vida inteira dedicada desde a infância ao espetáculo, e ao mesmo tempo, sua dimensão prudente, sensata, um lado bem “pé no chão”.

CA: Sabe, quando se é filho de imigrante, a gente é obrigado a ter os pés no chão. Vemos bem as dificuldades que nossos pais tiveram para nos educar de forma adequada, de forma limpa, deixando de lado as coisas ruins para nos mostrar o lado bom.

swissinfo.ch: Este ano marca o seu retorno aos palcos. Por que você resolveu voltar?

CA: A aposentadoria é a antecâmara da morte. Eu não quero morrer agora. Enquanto eu ainda sou capaz de fazer algo, eu vou fazendo. E vou ser lúcido o suficiente para reconhecer quando não estiver mais compondo coisas interessantes.

Quanto mais eu componho, mais eu percebo que não vou ter tempo de terminar tudo que comecei a compor. Tenho muitos assuntos que ainda estão em gestação, mas não consigo terminar tudo, pois novas ideias estão sempre surgindo! Vai me faltar tempo, sim. A menos que eu viva 120 anos…

swissinfo.ch: Após uma vida inteira de espetáculos, o que passa pela sua cabeça hoje quando você sobe no palco?

CA: Só espero que os músicos não aprontem comigo com novas orquestrações e que minha memória não me deixe muito na mão.

Nascimento. Nasceu em 22 de maio de 1924, em Paris, por acaso, seus pais, imigrantes da Turquia, esperavam na França um visto para os Estados Unidos. Eles finalmente decidem ficar em Paris; Shahnourh Varinag Aznavourian torna-se Charles Aznavour, cantor francês.

Valais. Chegando na Suíça nos anos 70 para escapar do “assédio administrativo” que tinha sofrido na França, Aznavour se instala primeiro em Crans-Montana, no cantão do Valais.

Genebra. Adquire mais tarde uma propriedade em Cologny, subúrbio chique de Genebra.

Fundação. Em 1988, cria a Fundação Aznavour para a Armênia em razão do terremoto que devastou o país.

Show. Em 2006, dá um show ao ar livre em Yerevan, capital da Armênia, para 100 mil espectadores.

Cidadão. Em dezembro de 2008, o presidente armênio Serzh Sargsyan assina um decreto que concede a cidadania armênia à Charles Aznavour.

Embaixador. Em fevereiro de 2009, aceita o cargo de embaixador da Armênia na Suíça, como voluntário.

ONU. Desde 2009, Charles Aznavour é também o representante permanente da Armênia na ONU em Genebra.

Adaptação: Fernando Hirschy

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