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A quarta geração dos Baggenstoss

Guiomar Baggenstoss foi muito receptiva com a reportagem da Revi. ielusc.br

Há 65 anos, terminava, na Alemanha, a Segunda Guerra Mundial e nascia, no Brasil, Guiomar Baggenstoss, descendente de quarta geração de imigrantes suíços.

Leia aqui mais uma história do especial realizado pelos estudantes de jornalismo da IELUSC sobre a colônia suíça de Joinville.

Boa contadora de histórias e apaixonada pela trajetória da família no Brasil, Guiomar divide o tempo entre a busca por documentos, as pesquisas sobre os antecessores familiares e o artesanato.

A sala de estar colorida e repleta de enfeites, localizada na região central de Joinville, aponta para a forte energia de Guiomar, que ela afirma ser coisa de família. “Meu pai era muito animado e festeiro. Herdei essa positividade dele”, explica. É  ele o herói que guia a vida de Guiomar. Desde a espontaneidade no modo de ser até a paixão pela música e o gosto pelas artes. “Devo a ele tudo o que sou”, comenta, emocionada.

Há registros da família Baggenstoss datados do século 16, no pequeno vilarejo de Rafz, cidade que tem hoje cerca de três mil habitantes e é muito conhecida pela produção de cereais e vinhos. Quase duzentos anos depois, Jacob, o filho mais velho do patriarca e tecelão Heinrich Baggenstoss, veio ao Brasil com o irmão Salomon II e a cunhada, aos 19 anos de idade. A Europa passava por uma forte crise econômica. Nunca mais voltaram para a Suíça.

À bordo do navio Hamburg e sob o comando do conhecido capitão Almann, os três imigrantes partiram da Suíça em setembro de 1856. Eles foram alguns dos 178 passageiros que sobreviveram às condições precárias da viagem. A travessia durou cerca de dois meses e teve saldo de 17 mortos.

Ao atracar a embarcação em São Francisco do Sul e chegar à colônia Dona Francisca, os imigrantes encontraram no Brasil uma realidade diferente do ideal americano difundido pelo governo suíço. O sentimento de decepção tomou conta dos imigrantes, mas não havia dinheiro para voltar. Com os poucos pertences que tinha trazido da Suíça e com o trabalho na agricultura, Jacob conseguiu comprar algumas terras e acabou se casando pouco tempo depois com Elizabeth Schelling, também de origem suíça.

Nada se sabe a respeito do irmão Salomon II e da esposa.  Guiomar conta que, dois anos após a vinda dos dois primeiros irmãos ao Brasil, Johannes Baggenstoss, irmão mais novo de Jacob e Salomon II, atracou no Brasil, em 1858.

Um dos oito filhos de Jacob Baggenstoss e Elizabeth Schelling, o sapateiro Georg, quis conhecer a Europa e acabou se envolvendo na Primeira Guerra Mundial. Na Alemanha, casou e trabalhou na fabricação de botas para os militares. Em troca, recebia a menor quantia possível de alimentos, muito escassos durante a guerra. Ele nunca retornou ao Brasil e não deixou descendentes.

Uma prima de segundo grau de Guiomar que falava o alemão mantinha contato com Georg através de limitadas correspondências, muito controladas pelo governo em virtude da guerra. Ela acabou visitando a Europa e levando muitos presentes como café, chocolate e açúcares à festa de Bodas de Ouro do tio-avô.

O irmão mais novo de Georg, Rudolf Baggenstoss, é o avô de Guiomar. Alegre e simples, trabalhou exclusivamente na agricultura – ele faleceu aos 46 anos de idade, deixando a esposa e dez filhos pequenos. “Meu pai quase não conheceu o meu avô, que faleceu quando ele tinha apenas 6 anos ”, conta Guiomar. Entretanto, a vaga lembrança que Ervin Baggenstoss tinha do pai foi a essência para a realização de um trabalho árduo e a conquista de uma vida com melhores condições econômicas.

Guiomar é a única filha de Ervin Baggenstoss e sente saudades da alegria dele em qualquer situação. A infância foi difícil, as condições de estudo difíceis e as brincadeiras acabaram cedo. Depois de alguns anos trabalhando como metalúrgico da fundição Tupy, em Joinville, ele e mais dois companheiros decidiram fundar uma empresa própria, na década de 40 – a atual metalúrgica Schulz, uma das principais de Joinville. No início a produção estava fraca por causa da crise econômica no Brasil e isso obrigava Ervin a ter dois empregos – durante o dia, na Usina Metalúrgica de Joinville, à noite, na Schulz. Passada a crise, a produção da Schulz deslanchou. Com diversas transformações na diretoria, Ervin se aposentou e se tornou acionista.

Sangue suíço do lado materno

Guiomar sempre lembrou da mãe como uma mulher muito radical. Lisolda Ehrat, também descendente suíça, não era de falar muito do passado. Guiomar garante que esse lado reservado é característica adquirida do pai e mãe, que não gostavam de mencionar fatos antigos. “A vida era muito sofrida”, comenta.

Pouco se falava da trajetória das famílias imigrantes. Especialmente na presença das crianças, era evitado comentar os fatos que envolviam dificuldades e sofrimento. “Sei que fora de Joinville há mais descendentes do tronco Ehrat. Mas ainda temos poucas informações a respeito”, diz Guiomar.

Festa da família

Muito ativa e atarefada, Guiomar tem paixão pelas artes, leitura e por animais. Nascida em Joinville, trabalhou durante 23 anos na Associação Catarinense de Artes e Porcelana (ACAP), e participou da organização de diversos eventos e exposições de trabalhos artísticos por todo Brasil. Alguns, inclusive, foram premiados internacionalmente, em países como Portugal e Espanha.

Das quatro viagens realizadas à Europa, foi da Suíça, Áustria e Alemanha que ela mais gostou. “O povo é inteligente, culto e educado, conversa com amor e carinho, apesar das fortes lembranças da guerra”, explica. Na primeira viagem, houve uma tentativa de conhecer uma família com o sobrenome Baggenstoss residente em Zurique. Mas um bilhete na porta de casa dizia que o fabricante de máquinas de mesmo sobrenome estava na Itália a trabalho. Nas últimas viagens, Guiomar apenas passou brevemente pelo cantão Basel.

A cada dois anos, Guiomar realiza o encontro da família Baggenstoss. O primeiro evento ocorreu há seis anos, em comemoração aos 150 anos de imigração da família no Brasil. As festividades reuniram 125 descendentes do sul do país, dos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Guiomar acredita que os imigrantes preferiram o sul do Brasil devido à semelhança climática com a Europa. “Aqui também já haviam outros povos europeus, o que facilitou o convívio”, comenta.

A paixão por animais, especialmente pelos gatos, motiva Guiomar a participar ativamente da organização não governamental de proteção aos animais Abrigo Animal. Há três anos, ela é voluntária e ajuda na organização de bingos, rifas e feiras de adoção. Também doa alimentos e parte do artesanato que produz, com a finalidade de arrecadar doações para os bichinhos.

Apesar de ser muito prestativa, Guiomar se diz conservadora. “Tenho louças antigas que eram da minha avó. Quero passar todo o cuidado da conservação para minha única filha, dando continuidade à tradição”, explica. Boa cozinheira e leitora assídua da revista alemã Ratgeber, já enviou uma receita para a redação, publicada em 2004.

Encantada pelo músico André Rieu, Guiomar trabalha para trazê-lo para um show em Joinville ainda este ano. “É um grande sonho”, enfatiza.

Artesanato para superar a morte do pai

A relação entre pai e filha sempre foi a melhor possível. De temperamento calmo e alegre, Ervin era um homem batalhador e muito responsável. A sua felicidade era contagiante – e foi disso que Guiomar mais sentiu falta quando o pai morreu, em 80.

“Nunca superei totalmente a morte dele”, afirma Guiomar, com os olhos castanhos cheios de lágrimas. “Meu pai sempre resolvia as coisas com um bom diálogo e é isso que me motiva a nunca decidir as coisas sozinha”, continua. Desde a morte do pai, a filha abandonou o violão e o acordeon. Hoje, Guiomar pensa em restaurar os instrumentos e dar de presente à neta.

Foi com o artesanato que ela conseguiu amenizar a dor da perda. A pintura em porcelana – que hoje não é mais feita – junto a diversos estilos de arte em tecido, caixas de madeira e confecção de bordados ajudaram no processo de adaptação. Guiomar também faz chocolates para dar de presente a amigos e familiares.

O brasão da família

O sobrenome Baggenstoss faz referência a características pessoais dos antepassados, tidos como corajosos, destemidos ou ainda rudes e briguentos – representado no brasão  pelo capacete com a viseira. A pá ladeada por duas estrelas amarelas de seis pontas simboliza a atividade agrícola como principal forma de sustento da família.

O número de suíços do estrangeiro aumentou nos últimos anos. No final de 2010, 695.101 cidadãos helvéticos estavam registrados nas representações diplomáticas da Suíça no exterior, 1,5% a mais do que no ano anterior.
 
A primeira colônia suíça no Brasil foi estabelecida em Nova Friburgo entre 1818 e 1819. A maior onde de imigração ocorreu entre os anos 1846 e 1920.
  
Em 2010, as exportações da Suíça ao Brasil totalizaram 2,31 bilhões de francos. As importações somaram 849 milhões. O Brasil é o principal parceiro econômico da Suíça na América Latina.
 
No final de 2009, o estoque de investimentos suíços no Brasil era de 12,8 bilhões de francos.
 
O número de pessoas ocupadas por empresas suíças no país era de 105.900 (2009).
 
Número de cidadãos suíços no Brasil: 14.794. Brasileiros na Suíça: 17.455 (2010)
 
Fontes: Secretaria de Estado para Economia (Seco)

Fundada em 1916, a Organização dos Suíços do Estrangeiro (OSE) representa na Suíça os interesses dos compatriotas expatriados. Ela é reconhecida pelas autoridades como a porta-voz da chamada 5a. Suíça.
 
O Conselho dos Suíços do Estrangeiro (CSE) é considerado como o parlamento da 5a. Suíça. Ele se reúne duas vezes por ano – na primavera e durante o congresso anual dos suíços do estrangeiro

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