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Bancos suíços cortam financiamento da exploração da Amazônia

Coca River
Uma área em erosão perto da cidade equatoriana de Francisco de Orellana, em agosto de 2020. Keystone / Petroecuador Handout

À medida que a consciência do papel da floresta amazônica no equilíbrio do clima mundial aumenta, os bancos que financiam o importante setor das commodities na Suíça estão começando a reavaliar o impacto ambiental de seus negócios.

Em fevereiro, o BNP Paribas, outrora líder mundial em financiamento do comércio internacional, anunciou que não financiaria mais empresas que produzem ou comercializam carne bovina e soja originária de terras desmatadas na Amazônia após 2008.

A mudança do BNP Paribas saiu poucas semanas depois do banco se juntar ao Credit Suisse e ao credor holandês ING – cuja unidade de financiamento comercial também está em Genebra – para parar de emprestar a traders que compram e vendem petróleo da floresta tropical do Equador.

O financiamento do comércio internacional permite aos traders de commodities comprar e vender grandes volumes de matéria-prima. Os bancos se tornam consignatários de documentos alfandegários e cargas. Com grande parte do comércio global de commodities sendo realizado em Genebra, a maioria das instituições financeiras que oferecem crédito aos negociantes de matérias-primas também fizeram da cidade suíça um centro principal para seus negócios. Isto difere do financiamento de projetos em que os bancos emprestam dinheiro a empresas para prospecção de petróleo ou cultivo de safras.

As transações de commodities representam 4,8% do PIB suíço, empregando aproximadamente 35.000 pessoas no país, de acordo com os últimos dados de 2018 fornecidos pela Swiss Trading and Shipping Association (STSA), um grupo que também inclui bancos de financiamento do comércio internacional entre seus membros.

Os traders suíços compram e vendem 39% do petróleo mundial, 44% do açúcar, 60% dos metais e 53% do café. A STSA não conseguiu fornecer estimativas correspondentes para as transações de soja e carne bovina.

De acordo com o último estudo da Swiss Trading and Shipping Association (STSA), a Suíça é o maior centro mundial para o financiamento do comércio internacional, seguida pelo Reino Unido.

Dinheiro ‘poluído’

A atividade levou a múltiplos derramamentos de petróleo dentro da região das Nascentes Sagradas da Amazônia, lar de meio milhão de índios, onde rios contaminados deixaram as comunidades indígenas às vezes sem água potável.

Em abril do ano passado, um oleoduto explodiu e derramou petróleo bruto no rio Colca, em uma área que já havia sofrido anos de despejo de resíduos tóxicos pela Chevron-Texaco Oil Company.  Do outro lado da fronteira, no Peru, o rompimento dos oleodutos tem sido uma ocorrência frequente, causando mais poluição por petróleo na floresta tropical.

“O impacto do financiamento é muito sério. Nossas terras têm sido poluídas: estão cobertas de petróleo e cheias de injustiça. Não há água potável, não há educação e não há saúde”, disse Marlon Vargas, presidente da Confederação dos Povos Indígenas da Amazônia Equatoriana (CONFENIAE) à SWI swissinfo.ch por telefone. Ele disse que a extração de petróleo ao longo dos afluentes do rio Amazonas “explorava” os territórios das comunidades indígenas.

Um relatório de 2020 da ONG Stand EarthLink externo denunciou seis bancos de financiamento de transações de commodities, baseados principalmente em Genebra, por financiar, desde 2009, cerca de US$ 10 bilhões (CHF9,3 bilhões) de petróleo proveniente da Amazônia equatoriana destinado aos Estados Unidos. O combustível fóssil é proveniente de uma das florestas tropicais com maior biodiversidade do planeta. O relatório levou vários bancos a fazer declarações públicas. Além do ING, BNP Paribas e Credit Suisse, em janeiro o banco holandês Rabobank anunciou que havia parado de financiar essas transações de petróleo no início de 2020.

Contatado pela SWI swissinfo.ch, o Credit Suisse confirmou que iria eliminar gradualmente o apoio ao comércio de petróleo equatoriano e peruano. Em uma declaração, o banco escreveu que “revê e atualiza regularmente suas políticas específicas do setor” e “introduziu mais restrições ao financiamento de combustíveis fósseis no decorrer do ano passado”.

Reviravolta na responsabilidade corporativa

A questão da limpeza dos negócios em zonas ambientalmente sensíveis não é nova. Há muitos anos, produtores e distribuidores que dependem de commodities adquiridas na Amazônia e em outros ecossistemas vulneráveis, assim como os próprios traders, têm anunciado padrões de sustentabilidade. Muitos deles não eram obrigatórios e sua implementação careceu de supervisão independente.

Cada vez mais, a pressão sobre o setor das commodities está aumentando para mudar suas práticas. “As empresas produtoras de commodities e as empresas comercializadoras de commodities percebem que a responsabilidade pela degradação ambiental e pelas violações dos direitos humanos está se estendendo além das filiais e subsidiárias locais e vai mais para a matriz e para as empresas envolvidas na comercialização de commodities”, disse Gilles Carbonnier, professor de economia do desenvolvimento no Instituto de Pós-Graduação em Genebra. Ele disse que está vendo uma mudança no setor que pode estar levando-o a desinvestir ou se distanciar de negócios arriscados.

O especialista disse que as ações civis movidas pelas comunidades afetadas, processando – e vencendo – os poluidores em tribunais estrangeiros onde as empresas de commodities estão sediadas, vêm fazendo com que as empresas evitem abusos ambientais e sociais dentro de suas cadeias de fornecimento. Em 2010, um tribunal holandês considerou a trader Trafigura culpada de transportar resíduos tóxicos que foram despejados ilegalmente ao largo da costa da Costa do Marfim. E em 2020, seis anos após o BNP Paribas ter sido considerado culpado de violar as sanções dos EUA ao financiar o comércio de petróleo sudanês, as vítimas sudanesas reabriram o caso, na França, acusando o banco de cumplicidade em crimes contra a humanidade.

“As expectativas e normas sociais também estão mudando rapidamente em direção às mudanças climáticas, que se tornaram grandes preocupações não apenas dos governos, mas das organizações da sociedade civil”, acrescentou Carbonnier. “A bacia amazônica e a preservação da floresta tropical está se tornando um problema e tanto, especialmente a Amazônia equatoriana”.

A mudança observada nas empresas também está de acordo com a forma como a Suíça quer se retratar. Dois anos após o fim formal do sigilo bancário suíço, o país tem procurado se promover como um centro mundial para serviços financeiros sustentáveisLink externo. Muitos dos maiores bancos de financiamento do comércio internacional fazem parte da Sustainable Finance GenevaLink externo (SFG), que tem mobilizado a cooperação entre o setor bancário da cidade e o lado internacional de Genebra, incluindo organizações internacionais, ONGs e grupos de reflexão.

Jean Laville, CEO adjunto da Swiss Sustainable Finance, um grupo do qual a SFG faz parte, disse que os bancos de financiamento do comércio internacional estão enfrentando um “novo paradigma”. Ele disse que o setor está em uma “encruzilhada” onde o comércio de petróleo está sob pressão devido a objetivos nacionais de redução de emissões, metas corporativas e o desenvolvimento de novas tecnologias. Segundo ele, há agora uma percepção de que o setor está “no lado ruim da história”.

Uma série de fraudes, bem como falências relacionadas à queda acentuada dos preços do petróleo no ano passado, levou ao fechamento ou à redução dos departamentos de finanças comerciais em Genebra por volta da mesma época em que os bancos reagiram ao relatório da Stand Earth, em 2020. O BNP Paribas declarou uma redução das operações em Genebra após a falência de um cliente do setor de energia e uma primeira multa nos EUA.

Laville disse que o setor está agora empenhado em se tornar verde. “Mesmo a curto prazo, o compromisso com a meta de zero emissões até 2050 é o novo lema em todas as empresas, e estamos fazendo o mesmo para os investidores com a descarbonização das carteiras para o nível de 50% entre 2020 e 2030”.

Pode melhorar

Andreas Missbach, diretor de commodities, trade e finanças da ONG Public Eye, tem uma visão mais clara dos bancos. Public Eye escreveu recentemente um relatório intitulado “Trade Finance DemystifiedLink externo“, que sublinha a falta de transparência na atribuição de crédito pelos bancos suíços aos traders, e que os próprios bancos têm pouca apreciação dos detalhes da multiplicidade de negócios que financiam.

“Os bancos não têm nenhuma pista do que está sendo feito (com o financiamento) e de onde os traders se originam”, disse Missbach. Ele também duvidou que os bancos de financiamento do comércio internacional possam ter sido motivados por preocupações ambientais para deixar de financiar o comércio de petróleo, como foi o caso no Equador.

“Eu ficaria surpreso se houvesse uma consideração como mudança climática devido ao simples fato de que essas cartas de crédito são de prazo extremamente curto. São  principalmente durante o transporte da carga, um pouco antes e um pouco depois. Não é o mesmo que um grande investimento em uma empresa de combustíveis fósseis que se assenta em reservas que nunca poderiam ser utilizadas. Lá eu pensaria que os bancos considerariam se houvesse uma bolha de carbono”, disse.

De acordo com uma declaraçãoLink externo da Stand Earth, alguns bancos continuam ativos na região, a ONG apontou seu dedo para o Natixis, um banco francês que trabalha com traders suíços, dizendo que era “o único banco entre os 6 primeiros a fazer qualquer comércio de petróleo amazônico após a divulgação do relatório [de agosto]”.

A pesquisadora da Stand Earth, Angeline Robertson, disse que o Natixis continua a financiar o comércio de petróleo da região amazônica. Suas últimas transações foram para “petróleo vendido pela Gunvor (via Panamá) à Tesoro, PBF Energy e Chevron em Los Angeles em 9 de janeiro, 28 de janeiro e 3 de fevereiro de 2021, respectivamente”.   

Gunvor, trader sediado em Genebra, disse para SWI swissinfo.ch que não era um cliente direto das empresas petrolíferas estatais equatorianas responsáveis por sua extração. “A Gunvor não tem contratos diretos com produtores no Equador. Nosso envolvimento entra na cadeia de fornecimento, onde compramos petróleo bruto FOB (free on board) de outras partes”.

Seu porta-voz destacou que, em 2018, a empresa foi a primeira negociante a obter financiamento através de uma operação liderada pelo ING Bank na qual a taxa de juros estava “dependendo de sua capacidade de atender aos critérios de sustentabilidade ambiental”.

A Trafigura, outra trader de energia em Genebra e cliente do Natixis, escreveu para SWI swissinfo.ch dizendo que está “ciente e preocupada com estes relatórios. Estamos analisando os relatórios e as reivindicações dentro deles em relação ao nosso negócio”.

Nenhum dos operadores respondeu diretamente a perguntas sobre futuros negócios de petróleo das regiões amazônicas no Equador ou no Peru.

Conquista para a humanidade

Outro banco pesquisado pela Stand Earth é o UBS. Angeline Robertson, pesquisadora da ONG, disse em um e-mail que sua organização e a Amazon Watch mostraram que “o UBS não aplicou corretamente seu padrão ao financiamento comercial do petróleo amazônico até que divulgamos informações sobre essa violação. Isto nos dá a preocupação de que, sem que os interessados ativos assumam a liderança, o UBS possa ignorar outras possíveis violações de sua política”.

“Acreditamos que, sem um compromisso proativo para acabar com o apoio financeiro ao petróleo da Amazônia, o UBS não pode atualmente assegurar à Stand Earth e à Amazon Watch, nem aos investidores dos bancos, que o banco possa evitar impactos negativos na Amazônia de suas atividades financeiras”, concluíram as equipes de pesquisa. 

Em resposta às perguntas, o UBS enviou uma declaração para SWI swissinfo na qual não especificou nenhuma mudança nos negócios do banco no sentido de financiar o petróleo amazônico. No entanto, ele disse que está sendo mantido um “diálogo constante com inúmeras partes interessadas e organizações não governamentais” e que aplica uma “estrutura política aprofundada de risco ambiental e social a todas as nossas transações, produtos, serviços e atividades, incluindo o financiamento do comércio de commodities”.

Enquanto o relatório sobre o petróleo do Equador pode ter levado os bancos a considerarem seu risco de reputação em relação ao apoio contínuo de negócios “sujos”, do lado da demanda por financiamento comercial, alguns traders de energia também estão passando por profundas mudanças nos negócios. Informalmente, os traders admitem que a regulamentação climática e o aumento da mobilidade elétrica está dando início a um repensar nos investimentos. Ainda não está claro como isso irá reformular o setor. De qualquer forma, os traders sempre precisarão dos bancos para ajudá-los a cobrir os riscos.

Para as pessoas afetadas, as instituições financeiras ainda poderiam fazer mais.

“Que três ou quatro bancos tenham suspendido o financiamento ao petróleo equatoriano é uma grande conquista para a humanidade. Esperamos que mais bancos, que todos eles, deixem de financiar”, disse Vargas, o líder indígena. “O que eles estão fazendo é totalmente contraditório com o que dizem nas conferências internacionais sobre o clima. Alguns bancos simplesmente não estão respeitando os direitos dos povos indígenas. Eles estão causando muitos danos à existência da humanidade”.

Adaptação: Fernando Hirschy

Adaptação: Fernando Hirschy

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