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Acordo-quadro Suíça-União Europeia: em que pé estamos?

Os Conselheiros Federais Ueli Maurer, Alain Berset e Ignazio Cassis com o representante da UE, Roberto Balzaretti (2° da esquerda) © Keystone / Peter Klaunzer

Após meses de espera, as negociações voltam a avançar na complexa questão do acordo-quadro entre Berna e Bruxelas. O Governo suíço pede mais esclarecimentos, enquanto a União Europeia diz que está pronta para mais discussões, mas não quer reabrir as negociações. Apresentamos aqui um resumo da situação e das questões envolvidas neste importante acordo.

A Suíça é um dos poucos países europeus que não quiseram aderir à União Europeia (UE). Em 1992, o povo suíço também rejeitou a proposta de adesão ao Espaço Económico Europeu (EEE), o que teria permitido à Suíça ter acesso ao mercado único europeu sem ter que se tornar membro da UE. Contando com mais de 500 milhões de pessoas, este grande mercado comum garante a livre circulação de pessoas, bens, serviços e capitais entre seus estados-membros. Visando evitar ser excluída deste mercado e, consequentemente, desfavorecida através da imposição de tarifas aduaneiras, a Suíça celebrou nos últimos 20 anos uma série de acordos bilaterais com a UE em diversos setores importantes como o comércio, contratos públicos, transportes, pesquisa científica e formação profissional.

Como o mercado interno da UE está em constante evolução, já há muitos anos Bruxelas tem pressionado Berna para que se chegue a um acordo-quadro ou institucional que leve a uma atualização “dinâmica” de certos acordos bilaterais. Na prática, nos domínios abrangidos pelo acordo-quadro, a adaptação da legislação suíça à evolução do direito comunitário não exigiria novas negociações e deveria ser feita mais rapidamente. A Suíça já ratifica regularmente muitos desenvolvimentos do direito europeu, mas, na opinião de Bruxelas, o faz com demasiada lentidão.

O acordo institucional abrange cinco acordos bilaterais existentes que regem o acesso ao mercado da UE

  • livre circulação de pessoas
  • transportes terrestres
  • transportes aéreos
  • barreiras técnicas ao comércio
  • agricultura

O acordo deveria igualmente se estender a qualquer novo acordo bilateral sobre a abertura mútua de um mercado; por exemplo, o acordo previsto para o sector da eletricidade. As relações entre a Suíça e a UE são regidas por cerca de 120 acordos.

No entendimento do governo suíço, o acordo não implica adoção automática da legislação europeia. Em primeiro lugar, a Suíça será consultada sobre a evolução do direito europeu nos domínios abrangidos pelo acordo-quadro. Poderá, por conseguinte, emitir reservas numa fase precoce das negociações. Além disso, a Confederação continua a ser livre para rejeitar legislação europeia e a submeter quaisquer alterações ao voto de seus cidadãos. O direito a um referendo garantido pela Constituição Federal fica assim respeitado.

No entanto, a margem de manobra da Suíça é limitada em várias áreas. Caso haja uma recusa de se efetivar um ajuste à legislação europeia, a UE poderá adotar “medidas proporcionais de compensação “, que deverão, no entanto, ser decididas por um tribunal arbitral.

Está prevista a criação de uma “comissão mista horizontal” composta por representantes de ambas as partes para assegurar o bom funcionamento do acordo, e de uma “Comissão Parlamentar Mista” com membros do Parlamento Europeu e da Assembleia Federal Suíça. Esta Comissão Parlamentar Mista poderá tomar decisões sobre uma questão controversa através de relatórios e resoluções.

Se não for possível encontrar uma solução para um problema, a Suíça e a UE podem solicitar a criação de um “tribunal arbitral conjunto”, composto por um representante designado pela Suíça, um representante designado pela UE e o terceiro escolhido conjuntamente; ou seja, cinco membros sendo dois suíços, dois europeus e um escolhido em comum acordo. Em última análise, qualquer litígio será submetido ao Tribunal de Justiça da UE, e o seu veredito será vinculativo para as partes contratantes.

A UE é o principal parceiro econômico da Suíça. Em 2018, ela absorveu 52% das exportações suíças, enquanto 70% dos produtos importados pela Suíça provinham de seus 28 países. Sem um acordo-quadro, a UE não pretende celebrar outros acordos sobre questões importantes como a eletricidade, a saúde pública, a segurança alimentar ou o acesso dos bancos suíços ao mercado europeu.

Além disso, os estados-membros da UE poderiam tomar medidas discriminatórias contra a Suíça. A fim de exercer pressão sobre Berna, Bruxelas já ameaçou deixar de reconhecer a equivalência das regras das bolsas de valores suíças. Por conseguinte, investidores da UE não seriam autorizados a operar na bolsa de valores suíça. No final do ano passado, a UE concedeu apenas uma prorrogação temporária deste reconhecimento, válido até 30 de junho. Teme-se que a insegurança jurídica penalize e desfavoreça a economia suíça.

Apesar de várias reservas, a conclusão de um acordo-quadro é apoiada pelos principais partidos do centro e da esquerda, bem como pelas principais organizações econômicas que consideram que, dada a posição da UE, não há alternativa além de se continuar no caminho dos acordos bilaterais tem beneficiado economicamente a Suíça.

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O que pensam os partidos das relações entre a Suíça e a UE?

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No entanto, os partidos de esquerda e os sindicatos rejeitam qualquer enfraquecimento das medidas de proteção salarial contra o risco de dumping. Sem garantias a este respeito, eles não têm intenção aceitar um acordo-quadro.

Os partidos de direita, que se opõem a qualquer aproximação à UE, rejeitam categoricamente este projeto. Segundo o partido UDC (União Democrática do Centro), o acordo-quadro corresponde a “uma pena de morte para a democracia direta e para a independência Suíça”. 

Ao final do processo de consulta com os partidos, organizações econômicas, sindicatos e governos cantonais, três aspectos particularmente problemáticos foram destacados. 

Proteção salarial. No tocante à livre circulação de pessoas, a Suíça e a UE concordam com o princípio de “trabalho igual, salário igual”. No entanto, o acordo afetaria algumas das “medidas de acompanhamento” introduzidas pelo Parlamento suíço para evitar o dumping salarial. Para as várias partes consultadas, a começar pelos sindicatos, é essencial manter a atual possibilidade de a Suíça adoptar as suas próprias medidas no domínio da proteção salarial e definir os setores econômicos ameaçados.

Subvenções estatais. A Suíça e a UE concordam que as mesmas condições devem aplicar-se a todos os participantes no mercado, e que os auxílios estatais não devem, por conseguinte, distorcer a concorrência. No entanto, para os governos cantonais em particular, não é aceitável que as regras em matéria de subvenções estatais tenham um impacto em áreas onde a Suíça não tem acesso ao mercado interno da UE. Os cantões receiam que Bruxelas não aceite garantias concedidas a bancos cantonais, ou contribuições para empresas de eletricidade ou outras empresas que sirvam à comunidade.

Diretiva sobre a “Cidadania”. Com a assinatura do acordo-quadro, espera-se também que a Suíça adote futuras alterações à diretiva europeia relativa aos direitos dos cidadãos da UE. Neste contexto, Bruxelas pondera expandir os direitos de assistência social aos desempregados, além de limitar as condições de expulsão dos criminosos e de revogação de vistos de residência para quem ameaçar a segurança pública. Vários partidos e organizações suíços pedem que esta diretiva seja explicitamente excluída do âmbito de aplicação do acordo institucional.

O Conselho Federal está entre o martelo e a bigorna. Por um lado, ele sofre a pressão da UE e, por outro, corre o risco de rejeição do acordo-quadro pelo Parlamento ou pelos eleitores caso o texto final não obtenha o apoio de uma maioria entre as forças do centro e da esquerda. O governo tem tentado ganhar tempo e reduzir a resistência ao acordo nos últimos anos ao se esforçar para explicar para o público a importância do acordo.

Em 7 de junho, o Conselho Federal enviou finalmente uma carta ao Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, na qual reconhecia claramente que não seria possível “alcançar uma maioria” na Suíça a favor do acordo sem clarificar ou rever os três pontos acima referidos.

Na terça-feira, o Conselho de Estados (Câmara Alta do Parlamento) apoiou a posição do governo ao aprovar por grande maioria uma moção demandando a manutenção do atual nível de proteção dos salários e subsídios estatais, bem como a exclusão do acordo-quadro da diretiva relativa à cidadania europeia. A proposta também exige que os cidadãos suíços também continuem a ter a última palavra no caso de uma revisão ou adoção dinâmica do direito europeu por parte da Suíça.

Em 11 de junho, Jean-Claude Juncker indicou que estava disposto a debater com a Suíça os “esclarecimentos” solicitados sobre o acordo-quadro. No entanto, o Presidente da Comissão Europeia declarou que o projeto de acordo concluído em novembro passado não será renegociado e que estas clarificações terão de ser efetuadas “nos próximos dias”.

Adaptação: DvSperling

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