Biotecnologia é apenas uma parte da solução
O especialista suíço Hans Rudolf Herren ressalta a urgência de mudar o curso da política agrícola mundial. Essa é a única forma de combater a fome e a pobreza, fatores que promovem a convulsão social frente ao aumento incessante do preço dos alimentos.
Um estudo internacional publicado na terça-feira mostra que os esforços para aumentar a produção de alimentos ocorrem à custa dos pobres no mundo e prejudicam o meio-ambiente.
“Não podemos continuar como estamos”, declara Hans Rudolf Herren, chefe da BioVision, uma fundação suíça sem fins lucrativos baseada em Zurique e dedicada ao desenvolvimento sustentável.
Ele e seu colega queniano, Judi Wakhungu, presidiram um painel de 400 pesquisadores e especialistas internacionais, que realizaram um estudo de quatro anos sobre o impacto da agricultura, seus riscos e oportunidades.
O estudo foi realizado em nome da Avaliação Internacional de Ciência Agricultura e Tecnologia para o Desenvolvimento (IAASTD, na sigla em inglês), que é patrocinada por órgãos relevantes das Nações Unidas e o Banco Mundial.
“O relatório conclui que basicamente temos uma grande quantidade de conhecimentos para encontrar uma solução sustentável para os problemas da fome e da pobreza”, declara Herren.
“Porém a má notícia é que, atualmente, a produção agrícola é realizada em detrimento das populações e do meio-ambiente, criando também um grande número de problemas ecológicos e sociais”.
Abordagem “ascendente”
O relatório combina perspectivas de países desenvolvidos e em desenvolvimento, fazendo uma abordagem “ascendente” para compreender as necessidades dos setores mais vulneráveis da comunidade mundial.
Herren salienta que o problema não está na produção, mas sim na distribuição. O que os pequenos agricultores necessitam é melhor acesso aos meios de produção e informações sobre as últimas pesquisas agrícolas.
“Expandir a produtividade não é a solução. Maior produtividade exige muito mais energia e dinheiro”, explica.
Entrevistado pela rádio estatal suíça, ele afirmou que muitos métodos industriais de agricultura, como o uso de fertilizantes químicos com forte demanda de energia, não são sustentáveis em longo prazo. Ao contrário, o importante é ensinar aos agricultores práticas de enriquecimento do solo.
Sustentabilidade é a chave para assegurar o abastecimento alimentar em longo prazo, de acordo com Herren.
Ecológico
Sua organização, a BioVision, está executando um projeto no Quênia que demonstram o uso desses métodos ecológicos: eles combinam o controle de pragas com a melhoria do solo.
Para proteger as culturas de milho das pragas de insetos que perfuram os caules e as ervas daninhas, feijão é plantado entre as fileiras de milho. Ele é um fator decisivo: seu odor repele os insetos e destrói as ervas daninhas, que por fim enriquecem o solo com nitratos.
O truque também é uma espécie de grama pegajosa plantada ao redor da plantação. Ela atrai e atua como uma armadilha para os insetos perfurantes de caules.
Herren não descarta a utilização de culturas geneticamente modificadas, mas acredita que elas sejam “apenas uma parte ínfima da solução”.
“A indústria agroquímica quer sementes melhores. Porém, se não melhorarmos os solos e os métodos de cultivo, até as melhores sementes são inúteis”, declara.
Como a agricultura tem aspectos ecológicos e sociais, uma abordagem multifuncional é necessária. Ela reconhece e premia a contribuição dada pelos agricultores ao ecossistema.
“Exatamente como e onde é uma questão que precisa ser resolvida pelos políticos”, ressalta.
Mudança na política de terras
A ONG suíça Swissaid responsabiliza parcialmente as políticas do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional pela atual crise de alimentos
Em sua opinião, os países em desenvolvimento foram obrigados a cortar subsídios para a produção de culturas de alimentos básicos para privilegiar as culturas voltadas para a exportação.
Swissaid manifestou estar preocupada com a abolição das barreiras aduaneiras, que terminaram por abrir o caminho para importações baratas e também prejudicando a produção local.
“As políticas agrícolas e econômicas em todos os níveis devem focalizar o princípio da soberania alimentar, cujo principal objetivo é garantir a segurança alimentar da população e não acumular divisas estrangeiras”, declararam seus representantes.
A política de negligenciar os pequenos agricultores em favor das grandes plantações deve ser modificada quando a atual crise alimentar for superada, adverte a ONG.
swissinfo, Julia Slater e Viera Malach, agência InfoSüd
Desde o início do ano, o preço do trigo aumentou em 130%, o da soja em 87% e o de grãos em 31%, segundo a agência de notícias Bloomberg.
A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) declarou que o preço do arroz aumentou 70% no ano passado.
Alguns países – incluindo Índia, China, Vietnã e Egito – já proibiram as exportações de arroz.
Entre mil e dois mil litros de água são necessários para produzir 1 quilo de trigo.
Entre 10 mil e 13 mil litros de água são necessários para produzir 1 quilo de carne de vaca.
A população mundial cresceu de 2,5 bilhões em 1950 para 6,1 bilhões de pessoas em 2000. Prevê-se que ela chegará a 9,2 bilhões de pessoas em 2050.
Protestos contra os preços elevados de alimentos já ocorreram em Burkina Faso, Camarões, Egito, Etiópia, Haiti, Indonésia, Costa do Marfim, Níger e Filipinas.
O relatório da Avaliação Internacional de Ciência, Agricultura e Tecnologia para o Desenvolvimento (IAASTD) é patrocinado pelo Banco Mundial, Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) e a Organização Mundial da Saúde.
As informações vieram de fontes diversas, como a ONU, governos, associações de agricultores, consumidores, ONGs e também especialistas da indústria alimentar e dos agronegócios.
O relatório foi comparado ao estudo realizado pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês).
Até agora, 60 governos aprovaram o relatório do IAASTD, enquanto EUA, Austrália e Canadá manifestaram suas reservas. A Suíça ainda não tomou uma posição oficial.
Fundada em 1998 por Hans Rudolf Herren, BioVision é uma fundação suíça sem fins lucrativos baseada em Zurique e dedicada ao desenvolvimento sustentável.
BioVision apóia métodos científicos de melhora sustentável das condições de vida no leste da África, assim como na luta contra a pobreza.
Hans Rudolf Herren foi premiado em 1995 com o Prêmio Mundial da Alimentação pelo seu trabalho de controle biológico de pestes. O prêmio forneceu as bases para a criação da BioVision.
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