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Born to Samba: da favela para os palcos do primeiro mundo

Born to Samba no palco em Zurique.

Depois de fazer sucesso na Alemanha no ano passado, o grupo Born to Samba apresenta em Zurique a história do ritmo brasileiro mais conhecido no exterior.

Unindo música, dança, teatro, coreografia e muito movimento, o espetáculo rompe com alguns estereótipos alimentados por outros “shows de samba” realizados na Europa.

“Este não é um espetáculo convencional e sim uma volta às raízes – back to the roots”, anuncia o diretor e autor de Born to Samba, o inglês Toby Gough, antes de a cortina do palco se abrir no Maag Event Hall, em Zurique.

Gough, que já trouxe os shows cubanos “Havana Rumba” (2007) e “Lady Salsa” (2004) a Zurique, de fato, não promete demais. Com dançarinos e capoeiristas da favela Candeal, em Salvador, e da Companhia Nacional do Folclore da Bahia, ele reuniu um ensemble único, em que – como ele diz – “cada um nasceu para o samba”.

No palco, três gerações de músicos baianos contam a origem africana desse ritmo, como ele foi condimentado com a cultura afro-baiana e a literatura de cordel do nordeste e acabou influenciando outras áreas da vida no Brasil, inclusive o futebol.

Para sublinhar a autenticidade do show, Gough recrutou ícones da música brasileira, artistas em início de carreira e talentos que estão sendo forjados na escola Pracatum, um projeto social desenvolvido por Carlinhos Brow na favela Candeal.

Aula de cultura popular brasileira



“Uma experiência que está sendo maravilhosa. Prefiro até trabalhar com os jovens, porque isso me enche de energia”, conta Raimundo Sodré. Aos 60 anos, o mestre do samba chula, virtuoso tocador de violão e autor do clássico “A Massa” no período da ditadura militar, ainda esbanja energia do palco.

Born to Samba mostra como o samba – admirado na Europa principalmente por evocar a imagem das belas mulatas – se transformou ao longo do tempo e impregnou os diferentes estilos musicais, desde o samba de roda passando pela Bossa Nova até o samba-reggae de Carlinhos Brown.

O diretor musical Alex Mesquita, que já trabalhou com Daniela Mercury e Caetano Veloso e em 2004 se apresentou ao lado de Carlos Santana em Montreux, faz um verdadeiro passeio pela história da música e da cultura baiana, intercalando explicações que contextualizam o público.

Assim, os suíços aprendem, por exemplo, o que é um orixá ou de onde vem a ginga dos jogadores brasileiros. Também a imprensa suíça ajuda a ampliar o horizonte do público, incluindo nas reportagens sobre o espetáculo explicações sobre a cultura e o folclore da Bahia.

Os “corpos voadores, as pernas e os ritmos rápidos, oriundos da alma negra do Brasil” – como descreve o jornal Tagesanzeiger – mexem com os suíços que lotam o Maag Hall, com cerca de mil lugares, há quase três semanas.

Trabalho social e entre gerações

Born to Samba – Ritmo do Brasil é recebido com uma simpatia especial também por seu fundo social. Não só porque a maioria dos 23 artistas vem da favela. O grupo é visto como exemplo de que a música é um instrumento adequado para superar problemas sociais.

Carlinhos Brown já havia demonstrado isso com o Timbalada. A escola Pracatum, fundada por ele nos anos de 1980 e hoje nas mãos do Estado, permite a jovens carentes obter uma sólida formação musical.

“Na verdade, toda criança ou jovem de um bairro carente sonha com muitas coisas”, diz Paloma Pinheiro Gomes, a vocalista do grupo, à swissinfo (ouça o áudio na coluna à direita). Para ela, a escola viabilizou a realização de um sonho, o de se tornar cantora.

Candeal é também o berço da banda Bitgaboott, que em Zurique estende o tapete musical para Paloma cantar hits de Tom Jobim, Carlinhos Brown, Caetano Veloso ou Jorge Bem Jor.

Derrubando clichês



Enquanto Paloma é anunciada como a “futura estrela da música” baiana, Jauperi dos Santos (artista convidado) já parece ter atingido esse status. No mais tardar depois que a música Ó Paí, Ó, que ele gravou com Caetano Veloso e David Moraes, virou sucesso no carnaval 2007.

Visto pela mídia nacional como um “herdeiro do trono Caíme, Gil e Caetano Veloso, desses baianos que não são sazonais”, ele explica que a intenção do show é “trazer a cultura popular da Bahia para a Europa”.

Para ele, não há o risco de que Born to Samba reforce certos estereótipos sobre o Brasil no exterior. “Acredito que o brasileiro pode fazer qualquer coisa. Ele pode ser cientista, jogador de futebol, sambista ou cineasta. Se a gente faz o trabalho com competência, os clichês são derrubados”, diz à swissinfo.

O fato de persistir na Europa o preconceito de que “o Brasil é só samba e carnaval” é em parte culpa de brasileiros que “vendem gato por lebre”, como diz Firmino de Itapuã, com 65 anos o “vovô” do Born to Samba.

Com a experiência de ter trabalhado quatro anos na Europa com o grupo Brasil Tropical, antes de voltar agora a Zurique, ele diz que “o público europeu não é burro. Ele é muito exigente. Quando vê que o trabalho não é bom, ele não aplaude”.

Partindo desde princípio, Born to Samba realmente deve ser bom. Os suíços ovacionam o espetáculo de pé e pedem bis. O samba conhece muitas histórias. A verdadeira – pelo menos essa é a impressão – está sendo contada em Zurique.

swissinfo, Geraldo Hoffmann

Nasceu há 23 anos na favela Candeal, em Salvador, onde mora até hoje. Começou a trabalhar aos 13 anos numa loja de roupas infantis. Desde os 18 anos estuda música na escola Pracatum, fundada por Carlinhos Brow. Além de cantar na banda Bitgaboott (da Pracatum) e no o Born do Samba, participou do álbum do milênio do Timbalada (2005) e do CD “Mãos que Tocam o Mundo”, produzido pela própria escola.

Nascido em 1947 em Ipirá (BA), é um mestre do samba chula. Em 1974, ingressou num grupo de dança e teatro que viajou por todo o Brasil. No início dos anos 80, começou sua carreira solo. Seu maior sucesso foi a música A Massa (1980). Devido à sua oposição à ditadura militar teve de se exilar na França. Voltou à Bahia em 2000. Três anos depois publicou seu quinto álbum – “Dengo”.

Nasceu em 1969, no Rio Vermelho, em Salvador. Com seu primeiro trabalho profissional, aos 17 anos, venceu em 1987 o Festival de Música e Arte do Olodum (Femadum). Integrou o Olodum de 1988 a 1992, quando passou a se dedicar à carreira solo, grando “Jauperi Balance”. Com a banda Ifá, fez mais de 70 shows no sul do Brasil entre 1999 e 2001. Fez sucesso ainda com a banda Afrodisíaco – que depois mudou de nome passando a se chamar Vixe Mainha – da qual foi vocalista até outubro de 2006. Após a saída do grupo, Jauperi recebeu o convite para participar da trilha sonora do filme Ó Paí, Ó e gravou ao lado de Caetano Veloso e David Moraes a música homônima, que virou o grande hit do carnaval 2007.

Hoje com 65 anos, começou a cantar em 1963 no programa A voz de ouro, da Rádio Excelsior, mas só iniciou sua carreira profissional em 1975. Depois de fazer shows no Rio durante 12 anos, passou quatros anos (1976-1979) viajando pela Europa com o grupo Brasil Tropical. De volta ao Rio, lançou um disco que fez o maior sucesso com a música “Beijoca”. Antes de entrar no Born to Samba ainda participou do grupo Bahia Brazil, que fez um giro pela América Central.

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