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Cadáveres “plastinados” fazem sucesso em Zurique

Um casal durante o coito é um das "peças" mais polêmicas da exposição. Keystone

Ela provoca polêmica e protestos em quase todos os países onde é organizada. Seus críticos vêem nela um desrespeito aos mortos. Uma proibição levou o autor a serrar ao meio uma das suas obras.

Para a grande maioria dos visitantes, a exposição “Mundos do Corpo” do médico alemão Gunther von Hagens é apenas uma inesquecível lição de anatomia. Agora ela está em Zurique.

Como é comum das crianças, elas observam o mundo sem preconceitos e escolhem palavras simples e acuradas para dizer o que sentem. “Foi bem interessante ver como a gente se parece por dentro”, escreveu Selena, nove anos, no livro de visitantes.

Outros que já passaram pela exposição “Mundos do Corpo”, aberta em 11 de setembro em um centro comercial de Zurique, também escreveram mensagens de agradecimento após admirar os 200 preparados anatômicos, dos quais alguns são cadáveres mumificados batizados com nomes esdrúxulos como “O jogador de rubgy”, “O saltador” ou “O saxofonista”.

De fato, a mostra organizada pelo polêmico médico alemão Gunther von Hagens, também apelidado pela imprensa popular no seu país de “Dr. Morte”, é um sucesso inquestionável de público. Organizada pela primeira vez em 1995 no Japão, ela já passou por 50 cidades da Europa, Ásia e América do Norte. Mais de 28 milhões de pessoas foram assisti-la, apesar do protesto de igrejas e outras entidades, que vêem no trabalho de Hagens uma violação às tradições e moral cristã.

No final de agosto de 2009, o prefeito de Augsburg, Alemanha, proibiu o acesso a uma sala especial da exposição e mandou cobrir um dos “plastinados”, denominação dada por Hagens aos seus cadáveres ou partes humanas plastificadas através de um processo especial (ler coluna da direita). Razão: o plastinado era um casal copulando na posição mulher por cima. O médico recusou-se a atender uma ordem do tribunal local segundo as leis de enterro do Estado da Baviera. Como resultado, Hagens “serrou” o casal para tirar seu efeito “necrófilo”, como havia sido acusado pelas autoridades municipais.

Sem protestos

Na Suíça, “Mundos do Corpo” é realizada pela segunda vez. A primeira foi na Basiléia em 1999, com um público estimado de 600 mil pessoas. Por enquanto não houve protestos como ocorridos em outros países. Talvez seja o caráter secular da sociedade helvética ou a sobriedade da própria exposição.

Para Hagens, ela exibe apenas o que já existia há séculos em museus de anatomia. “Eu trago ao público o que antes ficou reservado por muito tempo a especialistas”, declarou. Além de Zurique, a mostra dedicada ao ciclo de vida dos seres humanos circula paralelamente, por vezes em diferentes versões, em cidades como Buffallo (EUA), San Diego (EUA), Haifa (Israel) e Colônia (Alemanha).

Sua primeira sala exibe fetos humanos desde os primeiros dias da gestação até poucas semanas antes do parto. A música ambiente estilo “new age” reforça o caráter meditativo. Os cartazes pendurados trazem algumas frases banais, mas outras de efeito. “…Nosso corpo nos acompanha por uma vida inteira. Através deles aprendemos sobre nós mesmos e o mundo…”

Nada para amantes do macabro

Os visitantes caminham em silêncio pela exposição, parando para ler com atenção as descrições. Muitos também pagaram sete francos pelos audiofones com informações mais detalhadas. Os amantes do mórbido têm sua primeira decepção, pois os cadáveres expostos não exalam cheiro ou revelam detalhes como antigas tatuagens. Também não há referências às identidades dos corpos. “O objetivo é mostrar o corpo humano e não as pessoas que os doaram”, detalha o explicativo na entrada.

Porém algumas peças colocam em evidência que a exposição é feita de restos mortais. A cabeça mumificada de um homem de meia idade é uma delas. As manchas da pele, as rugas, os poros dilatados e até a expressão do rosto dão uma impressão do plastinado estar vivo. Porém um passo adiante mostra que a cabeça está cortada pela metade para exibir diversos órgãos como o cérebro e a faringe.

Chocantes são mais alguns órgãos humanos exibidos. Um pulmão saudável e outro de um fumante, cuja superfície está quase completamente negra pela acumulação de alcatrão e fuligem, explica os malefícios do fumo. “Vinte cigarros por dia correspondem a um depósito de 150 mililitros de alcatrão por ano”, alerta o cartaz. Outros cortes plastificados mostram a perna de uma pessoa obesa e a de uma pessoa saudável. Ela mostra claramente a quantidade de gordura acumulada em torno do fêmur.

Plastinados polêmicos

Um cartaz pendurado na entrada de uma sala separada explica que ela é reservada a maiores de 16 anos ou crianças autorizadas pelos pais. Dentro, o visitante encontra duas vitrines. Em cada uma delas, um casal de plastinados praticando o ato sexual. Um cartaz explica que a primeira tentativa de demonstrar anatomicamente o coito ocorreu no final do século 15 através dos desenhos de Leonardo da Vinci. Porém o desconhecimento da humanidade é de longa data. “Desde a antiguidade acreditava-se que o esperma era fabricado no cérebro e transmitido através da coluna até o pênis”, descrevem os expositores.

Os dois corpos de um dos casais estão sem a pele, mas detalhes foram deixados para criar o clímax da cena: olhos fechados dos dois; pinturas na unha, brincos e botas de couro negro na mulher; corte “moicano” no cabelo do homem. Através do corte e remoção de órgãos no corpo da mulher, é possível ver o pênis introduzido na vagina. Os visitantes observam com curiosidade cada um dos detalhes.

Textos oferecem informações adicionais. “Por muito tempo se acreditou que o orgasmo feminino não tinha um papel preciso, já que a mulher pode engravidar sem ele. Porém estudos mostraram que as mulheres capazes de ter um orgasmo retêm 70% do esperma, o que aumenta sua capacidade de fecundação.

Uma experiência inesquecível

Uma característica do “Mundos do Corpo” são os corpos em posições ativas. A caveira parcialmente descarnada segura uma pena na mão e um pergaminho na outra. Seu objetivo é mostrar como os bíceps movimentam os ossos. Já um casal de plastinados foi colocado na famosa pose do filme “Titanic”. A mulher foi cortada ao meio e seus órgãos praticamente “flutuam” no ar.

Gunther von Hagens explica aos jornalistas presentes na abertura da exposição que a encenação faz parte do seu trabalho. “As figuras continuam sendo preparados anatômicos de finalidade didática. Mas as escolha das posições dinâmicas permitem o acesso emocional aos visitantes.”

Muitos visitantes são convencidos pelos argumentos do médico e doam seus corpos para futuras plastinações. Segundo o instituto de Hagens em Heidelberg, de onde saem os preparados, 10.216 pessoas de várias partes do mundo já se registraram. Em todo caso, as doações podem ser revogadas a qualquer momento pelo interessado.

Mesmo sem deixar o legado dos seus corpos, muitas pessoas se deixam impressionar após a primeira visita. Em Zurique, uma delas chega até a fazer uma confissão no livro de visitantes. “Acho que vou parar de fumar.”

Alexander Thoele, swissinfo.ch

Gunther von Hagens nasceu em 10 de janeiro de 1945 em Alt-Skalden, vilarejo na província de Posen, hoje parte da Polônia.

Estudou entre 1965 e 1968 medicina na Universidade de Jena. Depois de participar dos protestos devido à invasão de Praga pelas tropas russas, foi preso por dois anos e deportado em 1970 para a Alemanha ocidental.

Continuou seus estudos em Lübeck e fez o doutorado em medicina em 1975, na Universidade de Heidelberg.

A partir de 1977, Hagens descobre o método da “plastinação”, uma técnica desenvolvida para conservar cadáveres e que permite conservar todos os tecidos e expor os corpos em qualquer postura.

Em 1978 funda a empresa Biodur, dedicada à comercialização de plásticos para plastinação e aparelhos voltados à técnica.

Sua primeira exposição de “plastinados” ocorreu no Japão em 1995. Desde então, ela já foi realizada em 50 cidades na Europa, Ásia e América do Norte e vista por 28 milhões de pessoas.

O médico alemão é casado pela segunda vez e tem três filhos do primeiro casamento.

A Plastinação é o procedimento técnico e moderno da preservação de matéria biológica, criado pelo médico Gunther von Hagens em 1977, e que consiste extrair os líquidos corporais, tais como como a água e os lípidos, através de métodos químicos (acetona fria e morna), para o substituir por resinas elásticas de silicone e rígidas epóxicas.

Esta técnica, tem numerosas vantagens, tanto quanto o conservação dos corpos, como na textura, coloração e na aproximação à coisa natural, proporciona uma boa manipulação do corpo, e durável sem necessidade de manutenção. (Wikipédia em português)

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