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Cartas para o “corredor da morte”

O "corredor da morte" na prisão de San Quentin, Califórnia. Reuters

Para Heidi Uetz, a troca de cartas com um prisioneiro que aguarda sua pena de morte numa prisão americana é uma experiência difícil e emocionante, sobretudo após sua execução no final de setembro.

Uetz é membro da “Lifespark”, uma organização suíça que promove a correspondência entre presos no “corredor da morte” e voluntários.

“Michael Richard tinha 49 anos quando foi executado. Ele esperou vinte anos no corredor da morte pelo cumprimento da sua sentença. Foi bastante tempo, pois ele entrou várias vezes com recursos para anular a pena”, explica Uetz.

Os apelos feitos à justiça pelos advogados de Richard, originalmente condenado pelo estupro e assassinato de uma enfermeira, estavam focalizados principalmente na dúvida deste ser ou não mentalmente retardado.

Desde 2002, a Corte Suprema dos Estados Unidos, a mais elevada instância legal, baniu esse tipo de execução. Porém Richard, um caso complexo, havia sido eventualmente considerado mentalmente saudável.

De qualquer maneira, sua história não terminava na sentença. Pouco antes da sua morte, o americano se tornou tema do mais recente debate sobre a pena de morte nos Estados Unidos.

No mesmo dia da execução de Richard, a Corte Suprema decidiu reavaliar as práticas de execução por injeção letal em outro estado americano, Kentucky, argumentando que “a punição seria cruel, incomum e contrária à Constituição dos EUA”.

Porém a decisão chegou muito tarde. “O mais frustrante é que o homem que seria executado dois dias depois de Richard conseguiu ter postergada sua execução devido à decisão da Suprema Corte”, revela Uetz.

Experiência emocional

A americana, que viveu na Suíça por muitos anos, manteve uma correspondência intensiva com Richard durante quatro anos. Ela também o visitou na prisão em 2004.

“Ele gostava muito de escutar sobre a vida fora da penitenciária. Seu mundo foi aberto um pouco através das nossas cartas, que lhe davam uma visão da vida que ele nunca teve”, conta, lembrando também que Richard conseguiu aprender a ler e escrever durante os anos de detenção.

Dar apoio a detentos no corredor da morte é um dos principais objetivos da Lifespark. Desde que foi criada em 1993, a organização já promoveu 800 intercâmbios do gênero.

A maioria dos seus 300 membros são mulheres, porém também existe um pequeno envolvimento de homens. Para eles, a experiência de escrever e responder às mensagens enviadas da prisão lhes abriu um mundo desconhecido.

“Não é apenas pelo fato de estarmos dando para essas pessoas, mas também para nós a correspondência ensina muitas coisas”, diz Uetz, que é membro da direção da Lifespark.

Os participantes escrevem em inglês e, em alguns casos, também em espanhol. Os correspondentes devem ter consciência que estarão trocando mensagens com pessoas que estão esperando o fim dos seus dias numa cela do corredor da morte. Emoções são liberadas e até mesmo alguns poucos casamentos já ocorreram, como explica Uetz.

Inocência

A questão sobre a inocência ou não dos condenados é um assunto sensível. “Alguns deles dizem que não cometeram nenhum crime. No caso de Richard, ele dizia que era inocente, mas eu não sei”, admite Uetz, adicionando que o passado de privações de vários dos detentos também é levado em conta, assim como a cultura de armas nos Estados Unidos.

Membros do Lifespark têm correspondentes em todos os 38 estados americanos onde existe a pena de morte. A maior parte deles se concentra no Texas, Flórida e Califórnia, os estados com o maior número de execuções.

Por uma questão de idioma e facilidade de acesso, o EUA foi escolhido pelos membros do Lifespark dentre os seis países no mundo onde é mais praticada a pena de morte. Os outros são China, Irã, Iraque, Paquistão e Sudão.

A organização também promove campanhas contra a pena de morte em outras partes do mundo, muitas vezes também em colaboração internacional.

“Mais de 130 países já abandonaram, aboliram ou não estão mais praticando a pena de morte. Essa é uma boa notícia, mas temos ainda esses seis países que são responsáveis por mais de 90% das execuções”, declara Uetz.

Em sua opinião, o Dia Europeu contra a Pena de Morte, data comemorativa introduzida pelo Conselho da Europa e comemorado pela primeira vez no continente, vai na direção correta, mas é apenas simbólico.

“Eu acredito que qualquer declaração feita por um país, ou grupo de países, contra a pena de morte, já é algo positivo para o nosso movimento”.

swissinfo, Isobel Leybold-Johnson

O Conselho da Europa, organização internacional cujo objetivo é promover a democracia e os direitos humanos, declarou 10 de outubro como o Dia Europeu contra a Pena de Morte. Ele ocorre paralelamente com o Dia Mundial contra a Pena de Morte.

A última pena de morte ocorrida entre os países-membros do Conselho da Europa e União Européia foi em 1997. A abolição da pena de morte é uma condição para a adesão em uma das duas organizações internacionais.

A Suíça é membro do Conselho da Europa desde 1963, mas não é membro da UE.

Mais de 70 países no mundo continuam praticando a pena de morte. De acordo com a União Européia, 1.591 pessoas foram executadas em 25 países em 2006. No mesmo ano, 3.861 pessoas foram sentenciadas à morte em 55 países.

A pena de morte existe legalmente em 38 unidades federativas dos Estados Unidos, embora não seja praticada em todos.

Atualmente 3.350 pessoas estão aguardando no “corredor da morte” sua execução. Califórnia, Texas e Flórida são os estados com o maior número de condenados à morte.

Em 2007, pelo menos 41 pessoas foram executadas. Desde que a pena de morte foi aprovada pela Corte Suprema em 1976, 1.099 pessoas tiveram suas penas cumpridas segundo o Centro de Informação sobre a Pena da Morte.

Estes acreditam que, desde 1973, mais de 120 pessoas foram executadas apesar da evidência clara de sua inocência.

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