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Caso CIA: jornalistas processados por revelar segredo militar

Sandro Brotz e Beat Jost posam com o livro que escreveram sobre o caso CIA (foto: Julia Bruetsch) copyright Julia Bruetsch

O tema foi manchete no mundo inteiro: em janeiro de 2006, dois jornalistas do jornal Sonntagsblick revelaram um documento do serviço secreto suíço, que confirmava a existência das prisões da CIA na Europa.

Processados pela justiça militar, os jornalistas Sandro Brotz e Beat Jost serão julgados em 17 de abril. Se condenados, eles e o redator-chefe podem pegar até cinco anos de prisão.

Alguém havia jogado o papel embaixo da cadeira do trem. Um passageiro encontrou-o e leu as primeiras linhas. Sobretudo a inscrição “ND-SECRET” ao lado do emblema do ministério da Defesa chamou-lhe a atenção. Ao compreender como era explosivo o conteúdo do documento, ele não pensou duas vezes: contatar a imprensa.

Sandro Brotz e Beat Jost foram os jornalistas do Sonntagsblick, jornal dominical popular na Suíça, a serem escolhidos pela fonte. Os dois não precisaram de muito tempo para perceber que iam dar um grande furo.

O documento secreto, intitulado “Report COMINT SAT”, havia sido produzido na central de escuta “Onyx” do ministério da Defesa em Zimmerwald, localidade ao sul de Berna. Nessa base militar repleta de potentes antenas parabólicas e outros modernos aparelhos, agentes suíços captam e filtram milhares de informações que circulam no trânsito da comunicação internacional por satélites. As informações são utilizadas pela inteligência helvética ou passada para serviços secretos de países amigos.

O fax receptado pelos arapongas era uma mensagem do ministro das Relações Exteriores do Egito, Ahmed Abu Gheit ao seu embaixador em Londres. Nela estava escrito: “A embaixada descobriu, através de fontes próprias, que realmente 23 cidadãos iraquianos e afegãos haviam sido interrogados na base militar de Mihail Kogalniceanu, nas proximidades de Constância, no Mar Negro (Romênia). Centros de interrogatórios semelhantes existem também na Ucrânia, Kosovo, Macedônia e Bulgária”. O Serviço Secreto Suíço (SND, na sigla em alemão) ainda escreveu alguns comentários no documento: “Os egípcios dispõem de fontes que confirmam a existência das prisões secretas dos americanos”, dentre eles.

Para Sandro Brotz e Beat Jost não havia dúvida: o documento era um indício concreto de que os Estados Unidos mantinham prisões secretas na Europa, algo veementemente negado pelas autoridades americanas, assim como as autoridades de diversos países envolvidos como a Polônia e a Romênia. Apenas em 6 de setembro de 2006, o presidente George W. Bush confirmou a existência desses centros clandestinos de interrogatórios mantidos pela CIA.

Nessas prisões estariam sendo mantidas ilegalmente e torturadas pessoas suspeitas de fazerem parte do grupo terrorista Al-Qaida. Já em 2004 a organização pró-direitos humanos Human Rights Watch (HRW) havia denunciado a existência dessas prisões, contabilizando-as em torno de 15 espalhadas nos quatro cantos do globo.

Pressão sobre o jornal

Como recomenda a praxe jornalística, Brotz e Beat enviaram um questionário para o ministério da Defesa antes de publicar a matéria. Pouco depois as autoridades enviaram à redação do Sonntagsblick em Zurique, através de um oficial uniformizado, uma carta escrita a punho pelo chefe das Forças Armadas, Christophe Keckeis. Nela, o comandante informava que o fax era um documento secreto e proibia terminantemente sua publicação.

A pressão feita pelo governo helvético não funcionou. “Ao perceber o nervosismo do governo, tivemos certeza da veracidade do documento e sua importância”, conta Sandro Brotz. A direção do jornal decidiu apoiar os redatores na publicação da reportagem. “Nós tivemos total apoio da direção do Sonntagsblick para levar em frente o trabalho, apesar das ameaças”.

A reportagem foi publicada em 8 de janeiro de 2006 com destaque de capa. Logo depois a imprensa internacional publicava matérias falando sobre o furo jornalístico do jornal suíço.

Depois da publicação, o governo suíço decidiu tomar providências. O objetivo era descobrir onde havia vazado as informações sigilosas ou quem eram os “traidores”, como declarou o presidente da Comissão Parlamentar de Controle dos Serviços Secretos, o senador Hans Hofmann, à imprensa.

A publicação do fax, como assumem as próprias autoridades no Ministério da Defesa, foi considerada uma grande pane. “No setor eletrônico, os países fecharam diversos canais. Os parceiros do Serviço Secreto Suíço também passaram a reter informações para nós. E o mais grave foram as conseqüências para as fontes humanas, que são pessoas em regiões de conflito e ativas nos campos de terrorismo. Agora elas estão sob risco”, escreveu o governo nos autos do processo.

Durante um ano as autoridades prepararam a queixa-crime contra Sandro Brotz, Beat Jost e o redator-chefe Christoph Grenacher. No texto do processo, as autoridades explicam os motivos: “A publicação do documento fornece segredos de Estado relativo a organizações, pessoas, capacidades, fontes, áreas de trabalho e métodos do Serviço Secreto Suíço”.

Publicação de números sensíveis

O julgamento dos jornalistas está marcado para 17 de abril. Ele será realizado em um tribunal militar no cantão de St. Gallen. Por questões de segredo militar, a sessão ocorre a portas fechadas. “O sigilo explica-se pelo fato dos juízes poderem chamar testemunhas que trabalham em áreas sensíveis como agentes dos serviços de inteligência”, justifica Martin Immenhauser.

O porta-voz da Justiça Militar ressalta que o governo suíço não está processando os jornalistas por traição como havia sido noticiado pela imprensa estrangeira. “Traição é quando segredos de Estado são passados para potências estrangeiras. O caso dos jornalistas do Sonntagsblick é que eles revelaram segredos militares para dar um furo jornalístico”.

Para Immenhauser, o erro do jornal de Zurique não foi a publicação do conteúdo do documento secreto, mas sim a de cifras e códigos do Serviço Secreto Suíço como a sigla do agente que interceptou o fax egípcio, formas de transmissão, horário ou números de telefones da embaixada egípcia em Londres ou do Ministério das Relações Exteriores do Egito. “Eu me pergunto se essas informações tinham algum interesse para os leitores do Sonntagsblick. Por que eles não publicaram só o conteúdo?”, questiona-se.

Por essa razão, Matthias Schwaibold, advogado dos jornalistas do Sonntgasblick, explica que a defesa não poderá ser baseada na liberdade de imprensa ou de opinião. “Vou defendê-los por argumentos técnicos baseados na lei. Estou seguro que eles não cometeram nenhum crime ao publicar a reportagem”.

Justiça militar para jornalistas

Para Sandro Brotz, o processo movido contra os jornalistas é uma tentativa do governo suíço de instituir um exemplo contra a imprensa, por falhas internas. “Aparentemente enfraquecemos o exército suíço ao tornar público que eles podem interceptar esse tipo de fax”, declara.

Em junho de 2006, Brotz e Jost foram interrogados por mais de cinco horas por um juiz militar. “Apenas dissemos a ele que o artigo foi escrito corretamente, inclusive do ponto de vista político”, conta Brotz. Ele e os dois outros jornalistas acusados declararam às autoridades que não reconhecem a competência da justiça militar para esse caso, mas aceitam participar dos interrogatórios e o julgamento.

Caso sejam condenados, eles pretendem entrar com todos os recursos possíveis. “Existem duas instâncias da justiça militar. Se perdermos em ambas, vamos também recorrer à Corte Européia de Direitos Humanos em Estrasburgo, na França”, declara.

A razão dos jornalistas suíços estarem respondendo processo na justiça militar e não na justiça civil, como ocorre na maioria dos países, está em uma especificidade suíça: “Temos vinte e sete códigos civis, um para cada cantão, além do federal. Para evitar que os tribunais julgassem de forma diferente questões de importância nacional, como o ferimento de segredo militar, foi decidido pelo legislador que essas questões seriam de competência da Justiça Militar”, explica Martin Immenhauser.

Caça aos culpados

Enquanto o Ministério da Defesa processa os três jornalistas do Sonntagsblick, este também procura febrilmente dentro das suas fileiras os responsáveis pelo vazamento do documento secreto.

Em maio de 2006, o porta-voz do Serviço Secreto Suíço, Roman Weissen, foi preso por uma semana. Outro suspeito foi Marco Osswald, ex-porta-voz do ministro da Defesa Samuel Schmid, que foi detido no local de trabalho e sua casa revistada por policiais. Segundo o Sonntagsblick, entre 20 e 30 agentes teriam sido interrogados pelas autoridades nos últimos meses.

Para dar sua versão do caso, Sandro Brotz e Beat Jost decidiram escrever um livro. Este foi publicado em abril de 2006, com o título “Prisões da CIA na Europa” (Editora Orell Füssli). A maior revelação foi explicar parte do mistério do fax. “É uma história que lembra filmes de James Bond, mas é absolutamente verdadeira: o fax foi realmente encontrado embaixo do banco de um trem”, conta Brotz.

Porém o nome da fonte continua sendo mantido em sigilo. “Já falamos à justiça que os agentes ou ex-agentes do serviço secreto que já foram detidos não têm nada a ver com o fax. Sabemos o nome da pessoa que o encontrou e não iremos revelá-lo. Só posso assegurar que ela não recebeu nenhum centavo por isso”, justifica.

Se condenados, os jornalistas Sandro Brotz, Beat Jost e o redator-chefe Christoph Grenacher podem pegar até cinco anos de prisão.

Para protestar contra o processo, organizações como a OSCE (Organização para Segurança e Cooperação na Europa) e a Repórter sem Fronteiras enviaram cartas ao governo suíço. Eles lembram que os jornalistas apenas cumpriram seu dever de informar a opinião pública e que esse direito está acima das necessidades de sigilo do Estado.

“Não são as pessoas que revelam essa história que deveriam ser processadas, mas sim aquelas que estão tentando abafar tudo”, defende-se Brotz.

swissinfo, Alexander Thoele

Em 8 de janeiro de 2006, o jornal dominical “Sonntagsblick” publicou um fax interceptado pelo serviço secreto suíço, que havia sido enviado pelo Ministério das Relações Exteriores do Egito ao embaixador egípcio em Londres.
O fax confirma que a CIA havia interrogado diversos suspeitos em prisões secretas na Europa.
Já em junho de 2004, a organização pró-direitos humanos Human Rights Watch (HRW) havia denunciado a detenção pelo EUA de vários suspeitos em 15 prisões secretas espalhadas pelo mundo.
O fax publicado pelo Sonntagsblick seria a primeira confirmação da existência das prisões da CIA.

Central Intelligence Agency (em português Agência Central de Inteligência, sigla: CIA) é um serviço de inteligência dos Estados Unidos da América.
A CIA foi criada em 1947 nos Estados Unidos, pelo Presidente Harry S. Truman (1884 – 1972), para tal, foi editado um Ato Governamental de Segurança Nacional.
Suas atribuições são:
– Coletar inteligência através de fontes humanas (HUMINT)
– Correlacionar e avaliar inteligência relacionada a segurança nacional americana, divulgando-as de forma apropriada
– Fazer outra funções de inteligência ligadas a segurança nacional o que o presidente mandar
A CIA está proibida por lei de coletar informações sobre as atividades domésticas de cidadãos americanos, o que é feito pelo FBI.
No momento a CIA perdeu muito da importância que teve no passado, pois a importância da inteligência obtida através de fontes humanas é muito menor que as obtidas por meio da captura de sinais de comunicação (SIGINT), que é tarefa da NSA. (font: Wikipédia em português)

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