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Cebola pra dar e vender

O centro de Berna fica repleto de barracas na Feira da Cebola. swissinfo.ch

Berna vive a maior festa anual, típica da cidade, a Feira da Cebola ou “Zibelimärit” nesta segunda-feira.

Toneladas e toneladas de tranças ou coroas de cebola, de objetos feitos de cebola e muita alegria para rememorar, segundo uma lenda, um acontecimento trágico, há 6 séculos.

Como ocorre em todas as quartas segundas-feiras de novembro, o centro da capital suíça fica irreconhecível: bancas de feira alinhadas oferecendo quase exclusivamente cebolas, as ruas apinhadas de gente, os jovens em rebuliço, armados de martelos de plástico que canta na cabeça de todos que passem por perto e guerras contínuas de confetes.

E não adiante fazer cara feia, porque tudo é de brincadeira. Nem os policiais escapam…

Uma velha história

Essa feira, conhecida em dialeto alemão como Zibelimärit (ou Zwiebelmarkt, em “alemão escrito” – Zwiebel, para cebola e, Markt, para mercado) é uma atração especial e única na Suíça. Porque é reservada a praticamente a um só produto, porque revela a imaginação dos horticultores participantes e porque relembraria um incêndio de Berna em 1405 que destruiu dois terços da cidade.

Uma festa popular

Berna fica realmente diferente durante a festa. Os berneses, geralmente pacatos, saem um pouco da rotina para esse dia especial. A feira se monta já por volta das duas da madrugada. Às 3 já tem gente comprando cebolas. Não tanto para o consumo, mas principalmente como lembrança ou para ornamentação.

São tranças de cebolas, coroas de cebolas, bonecas de cebolas, tortas de cebolas, balas de cebola… A imaginação dos horticultores é transbordante.

Com o passar das horas, o centro de Berna, fica apinhado de gente, tornando-se difícil até andar. Mas felizmente o trânsito é banido do miolo da cidade. Os pedestres não se fazem de rogados e tomam conta das ruas.

A festa vai até por volta das 20 horas. A essas alturas Berna fica também irreconhecível por outro motivo: pela inusitada sujeira. Mas os garis da Prefeitura se encarregam de “entregar” a cidade limpinha no dia seguinte.

A calamidade de há 6 séculos

Segundo uma lenda, a origem dessa festa que transtorna a capital suíça remonta ao início do século XV. Exatamente em 1405, um incêndio destruiu 500 casas da rua central de Berna – que na época, como já assinalamos, representavam dois terços da cidade. Foi a maior calamidade pública desde que Berna fora fundada, ou seja, pouco mais de dois séculos antes, em 1191.

Num elã de solidariedade, a cidade vizinha de Friburgo (cerca de 35 km) ofereceu ajuda voluntária aos berneses, ainda dando palavra de honra que restituiria aos donos os objetos de valor encontrados nos escombros do incêndio.

Como agradecimento, as autoridades de Berna abriram gratuitamente o mercado da cidade aos agricultores friburguenses uma vez por ano, na quarta segunda-feira de novembro.

Como os agricultores vendiam mais cebola que outros produtos da terra, passou-se a chamar essa feira de “Feira da Cebola” ou Zibelimärit.

Verdadeira origem da feira

A realidade é bem mais prosaica, derrubando um mito que remonta aos anos 40 do século passado. Existia em Berna a denominada Feira Martini, desde 1439, realizada na última semana de novembro. Nela vendia-se de tudo, inclusive cebolas.

Mas a história de horticultores friburguenses vendendo legumes – e cebolas – no centro de Berna, data dos anos 50 do século XIX. Na época, na quarta segunda-feira de novembro, um pequeno grupo de horticultores friburguenses da região de Vully punha à venda seus produtos no centro de Berna.

Como as cebolas se vendiam melhor, a quantidade do produto levado à feira aumentava todos os anos. O número de horticultores também. Nos anos 60, esses horticultores foram realmente associados à Feira Martini. Sempre vendendo cada vez mais cebolas.

O jornal de Berna, Berner Zeitung – que desmistifica a Zibelimärit, em artigo datado de 22.11.2004, com base em livro de Rudolf J.Ramseyer, de 1990 – assinala que em 1892 um trem da cidadezinha friburguense de Morat (a cerca 20 km de Berna) transportou para capital suíça treze vagões de cebola, justamente para essa tradicional feira.

O jornal lembra também que depois da Primeira Guerra, com o surgimento de grandes lojas de departamentos, já não compensava vender artigos na Feira porque os compradores tinham sumido. Mas as cebolas continuavam a fazer sucesso. O resultado é que a Feira Martini desapareceu em 1922. A Zibelimärit continuou firme.

O sucesso perdura

O horticultor friburguense de Praz-Vully, Michel Biolley, participa há cerca de 35 anos dessa feira. Ele diz que há algumas décadas, vendiam-se diferentes produtos da lavoura. Mas com o tempo a feira passou a ser um mercado da cebola. Constata, porém, que nos últimos 30 anos a tonelagem de cebola escoada reduziu-se à metade.

Com a concorrência, nota-se cada vez mais sofisticação na apresentação do produto, realça ainda. Ninguém vende mais cebola por quilo. A “roupagem” visa a atrair o cliente, até porque a ocasião é propícia e única.

O horticultor observa, entretanto, que o produto colocado à venda nas ruas de Berna recebe tratamento muito especial. Toda a colheita é feita à mão, o produto deve ser secado na sombra para manter a cor e a consistência das hastes porque senão elas quebram quando são trançadas.

Mas ninguém reclama porque a cebola é vendida quase 3 vezes acima do preço normal.

Por outro lado, o sucesso da feira parece garantido por muito tempo. Vem gente até do exterior para participar da festa. Em 2003, a Ferrovia Federal Suíça colocou à disposição 30 trens especiais em função da Zibelimärit.

swissinfo, J.Gabriel Barbosa

– Berna, capital da Suíça desde 1848, é a quarta cidade do país.

– Fundada em 1191, foi quase toda destruída em 1405. Os vizinhos friburguenses ajudaram os berneses.

– É na retribuição dessa ajuda que se busca a origem da “Feira da Cebola”, ou Zibelimärit em dialeto local.

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