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Cidadãos britânicos fazem turismo do suicídio na Suíça

Quarto da Dignitas em Zurique onde pessoas cometem o suicídio assistido. Keystone

O status de Zurique como capital dos turistas suicidas continua provocando polêmica entre a Suíça e a Grã-Bretanha.

Internamente o governo helvético está sendo pressionado para regulamentar o suicídio assistido. Já na Grã-Bretanha, diversos grupos pró-eutanásia levantam dúvidas contra o modelo suíço.

Desde que foi criada em 1998, a Fundação Dignitas, baseada em Zurique, já ajudou 76 cidadãos britânicos a cometerem o suicídio. Ela é a única organização do gênero na Suíça aberta a estrangeiros.

O serviço oferecido pela organização, depois de uma fase de avaliação envolvendo médicos e psicólogos, como explica o seu site na Internet, provê os “clientes” com pentobarbital de sódio. Depois eles podem beber esse coquetel letal em um dos dois apartamentos alugados pela Dignitas em Zurique, com a presença de um dos seus voluntários.

De acordo com as leis suíças, eutanásia ativa é ilegal, mas o suicídio assistido não. A diferença semântica do segundo caso significa que o paciente executa o ato final ele mesmo. Eutanásia é quando um médico ou pessoal especializado ministra a droga letal a uma pessoa.

Um cidadão britânico que espera em breve poder se beneficiar dos serviços oferecidos pela Dignitas é Noel Martin.

Especialmente conhecido na Alemanha, ele ficou paralítico da garganta para baixo depois de ser atacado por neonazistas em Berlim, há onze anos atrás.

Tendo passado os últimos anos confinado a uma cadeira de rodas e completamente dependente de cuidados de terceiros, Martin anunciou em 2006 que gostaria de por fim à própria vida no dia do seu aniversário, em 23 de julho de 2007, com a assistência da Dignitas, a fundação caritativa baseada em Zurique.

Entretanto, de acordo com as últimas reportagens sobre o seu caso, Martin decidiu postergar o seu suicídio.

Ludwig Minelli, diretor da Dignitas, declarou ao jornal “Berner Zeitung” que Martin “ainda não marcou um dia” e que a organização disse a ele combateria melhor o racismo estando vivo do que morto.

Leis inglesas

Nas condições físicas de Martin, seria indiscutivelmente impossível para ele de cometer suicídio sem assistência de outra pessoa.

De qualquer maneira, a situação legal na Grã-Bretanha dificulta qualquer pessoa que esteja ajudando uma outra a cometer suicídio de evitar repercussões. O Ato do Suicídio de 1961 considera crime a ajuda, a indução, a cumplicidade e o aconselhamento ao suicídio.

De acordo com a organização Dignidade Britânica na Morte (DID, na sigla em inglês), as leis tornam a assistência ao suicídio um crime que pode ser punido com até 14 anos de prisão. Os últimos esforços para modificar as leis foram bloqueados pelo Parlamento em 2006.

DID explica que até os familiares que estão acompanhando as pessoas que querem se suicidar na Suíça podem ser criminalizados pelo Ato do Suicídio ao retornar à Grã-Bretanha.

No seu site, a DID escreve que a mudança nas leis britânicas poderia ser a “opção segura” do que viajar para a Suíça, especialmente pelo fato da Dignitas ter sido muito criticada internamente por ajudar pessoas a cometer o suicídio, que não são nem doentes terminais ou mentalmente competentes.

Davina Hehir, porta-voz da DID, declarou à swissinfo que não existem ligações entre a Dignitas e a organização por qual trabalha.

“Dignidade na Morte não ajuda ou encoraja as pessoas a ir para a Suíça. Mas nós compreendemos porque doentes terminais decidem acabar com a vida. Atualmente estamos fazendo uma campanha para modificar as leis (na Grã-Bretanha), o que permitiria a essas pessoas de não serem obrigadas a ir ao exterior para terminar os seus dias no momento escolhido e de uma forma pacífica”, explica

Oregon

DID considera que o modelo suíço não é o desejável para a Grã-Bretanha. Sua campanha luta por uma legislação similar aquele aplicada no estado americano de Oregon.

Esta permite que doentes terminais residentes possam obter e utilizar medicação letal de auto-aplicação. No total, 292 pessoas já se beneficiaram da lei desde que ela foi sancionada em 1997.

Ela prevê que os pacientes precisam ser maiores de idade (e capazes de comunicar e tomar decisões relativas à própria saúde) e terem sido diagnosticados como doentes terminais, cuja morte deve ocorrer num prazo de até seis meses.

Na Suíça, todavia, Dignitas parece ter o objetivo de estender seus serviços a um público variado de pessoas, incluindo aquelas que têm outras razões para cometer o suicídio do que doença terminal. Algumas podem estar sem suas capacidades mentais.

“Estamos persuadidos que o direito de se suicidar é um direito humano que deve ser garantido. É nosso dever de dar a essas pessoas a sua última liberdade, de cometer o ato sem medo, riscos ou dor”, afirmou Minelli no ano passado durante a convenção do Partido Liberal Democrático na Grã-Bretanha.

Assim pensa também Martin, o inglês paralítico, que pareceu estar aliviado ao declarar para a imprensa, no início do ano, que gostaria de terminar seus dias num apartamento da Dignitas.

“Eu vou fechar meus olhos e acordar em um outro mundo”, contou o cidadão britânico ao jornal The Guardian.

Por sua parte, Minelli afirmou no ano passado aos liberais-democratas, que a culpa pelo fato de pessoas como Martin estarem procurando organizações como a Dignitas é das autoridades britânicas.

“Por que forçar nossos cidadãos, pessoas que vivem nas mais terríveis circunstâncias e que estão determinadas a por um fim ao seu sofrimento de uma maneira que escolheram, de abandonar seu país e ir à Suíça para exercer a sua livre-vontade? Onde está a humanidade desta política?”

swissinfo, Faryal Mirza

O Senado suíço solicitou ao governo em junho que apresentasse um projeto de lei regulamentando o suicídio assistido no país.
O principal objetivo da moção é controlar a crescente vinda de pacientes estrangeiros, sobretudo ingleses, para a Suíça.
A Câmara dos Deputados ainda está debatendo o pedido apresentado pelo Senado.
No ano passado o governo federal declarou que não pretendia apresentar um projeto de lei regulamentando a eutanásia na Suíça, justificando sua posição com o argumento de que já existem legislação sobre o tema e que os 26 cantões têm liberdade de legislar sobre o assunto.
A Comissão nacional de ética biomédica, um órgão oficial de consultoria, recomenda supervisão oficial para as organizações como Exit ou Dignitas.
Segundo a comissão, 350 casos de suicídio assistido ocorrem na Suíça anualmente.

A Suíça, o estado americano do Oregon, Bélgica e a Holanda são os únicas jurisdições onde o suicídio assistido é permitido em alguns casos.

Em Oregon, dos pacientes que terminaram o seu sofrimento através do suicídio em 2006, a maior parte (87%) tinha câncer e maior nível de educação (41%) do que habitantes do estado que morreram por outras razões.

A idade média das pessoas de falecimento em 2006 foi de 74 anos; 35 pacientes tomaram a medicação prescrita para encerrar suas vidas.

As razões declaradas para decidir o suicídio assistido: perda da autonomia (96%), habilidade decrescente de participação em atividades que dão prazer à vida (96%), perda de dignidade (76%) e controle inadequado da dor (48%).

Pacientes que requereram a prescrição letal de medicamentos devem ser maiores de idade (a partir dos 18 anos), ser residentes no estado de Oregon, capazes (entre outros, de tomar decisões ou comunicar seus desejos relativos à saúde) e ter sido diagnosticado uma doença fatal que provoque a morte num período de até seis meses.

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