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Um abrigo suíço para escritores perseguidos

Chenjerai Hove, poeta, romancista, ensaísta, ativista de direitos humanos e da oposição a Robert Mugabe, foi exilado de Zimbabwe em 2001 graças a uma primeira tentativa de cidades refúgio. Ele participou da fundação da ICORN e vai discursar em Solothurn. Deutschweizer Pen Zentrum

No mundo inteiro, há cidades que abrigam escritores perseguidos por suas opiniões. A Suíça não faz parte desta rede. Autores suíços de língua alemã e a cidade de Genebra, na Suíça francesa, pretendem corrigir esta lacuna e apresentar um projeto durante as Jornadas Literárias de Solothurn.

Naeimeh Doostdar Sanaye estava em Kuala Lumpur com seu bebê e seu marido, quando recebeu a notícia: o seu pedido de refúgio tinha sido aceito e a cidade de Malmö, na Suécia, convidou ela e sua família a se estabelecer no país. A jornalista, autora e ativista dos direitos humanos iraniana, presa em 2010, deve seu “resgate” à Rede Internacional de Cidades Refúgio(“International Cities of Refuge Network”, ICORN). Seu testemunho foi recolhido pelo site desta organização fundada em 2006 e baseada na Noruega.

O que Malmö propôs à autora iraniana, nenhuma cidade da Suíça pode oferecer, pelo menos por enquanto. A Suíça está totalmente ausente do mapa da ICORN, que atualmente conta com 44 cidades refúgio no mundo, de Tromsø (Noruega), a Miami, Cidade do México ou Paris.

Para Adi Blum, músico, autor e diretor da organização de escritores “PEN”, na Suíça alemã, essa ausência não é justificável. “A Suíça se orgulha de sua tradição humanitária, mas apesar de sua riqueza, ela não participa do ICORN. Para nós, é óbvio que algo deve ser feito”, disse.

Debate em Solothurn

“Nós” é um trio formado porde Adi Blum e dois romancistas, Melinda Nadj Abonji e Ulrike Ulrich. No ano passado, eles fizeram um apelo por um financiamento participativo na internet. “Reunimos mais de 6 mil francos em 40 dias, isso prova que nosso projeto desperta grande interesse”, se alegra Adi Blum. A Associação de Escritores da Suíça (AdS) também apoia a ideia.

O projeto será discutido durante as Jornadas Literárias de Solothurn, que abre esta sexta-feira, 30 de maio. O evento convidou o escritor Chenjerai Hove, que conseguiu fugir do Zimbabwe através da rede de cidades refúgio.

O projeto e seu orçamento foi enviado a várias cidades e fundações. Zurique recusou, argumentando que o programa de residência para escritores da cidade já cobre parcialmente os escritores perseguidos. Berna também mantém um programa desse tipo.

Lucerna, no entanto, respondeu positivamente, diz Adi Blum. Contatado, o departamento cultural municipal não quis se manifestar, pois a decisão final ainda não foi tomada. A bolsa pode ser fornecida por uma fundação cultural.

Porque não basta só aderir ao ICORN (1500 euros por ano) e encontrar um apartamento para os escritores. “É preciso acompanhar a pessoa todos os dias, ajudar a lidar com as autoridades, apresentar a cultura literária suíça, organizar leituras, palestras, discussões, reuniões e interagir com outras cidades refúgio”, explica Adi Blum . O orçamento para o primeiro ano de funcionamento pode, assim, chegar a 136 mil francos.

Lições do passado

A organização, como a ICORN, quer evitar os erros que levaram à falência um primeiro projeto de cidades refúgio, criado após a fatwa de 1994 contra o escritor indiano Salman Rushdie. Mal gerida, a experiência durou apenas dez anos. Berna chegou a acolher dois autores antes de deixar o programa e Lausanne um.

Nascida das cinzas desse primeiro teste, a ICORN profissionalizou totalmente a organização do programa. A escolha dos “fugitivos” é realizada em conjunto com o comitê dos escritores presos da PEN Internacional, que mantém uma lista de autores perseguidos (mais de 800).

A colaboração com as cidades membros é objeto de um contrato. A sede da rede apoia a cidade em seus esforços, mas é a cidade que deve fornecer autorizações de residência, seguro e uma bolsa de estudos.

A estadia é de dois anos. “Para as pessoas traumatizadas, é preciso tempo”, explica Helge Lunde, diretor da ICORN. “Um ano passa depressa”, diz.

Aumento na demanda

A ICORN vem recebendo cada vez mais demandas a cada ano. “O número aumentou de 40 para 70 em 2013”, diz Helge Lunde. “Precisamos de mais cidades! Mas é a qualidade que conta, não a quantidade. As cidades devem estar bem preparadas”, explica.

Já o destino das pessoas em fim de estadia é muito variado. “Algumas voltam para casa, outras conseguem um visto de permanência ou outra residência. Para as outras, buscamos soluções na rede. Mas os desafios são muitos, já que as dificuldades com vistos só aumentam”, diz Helge Lunde.

Próxima decisão em Genebra

Helge Lunde já esteve em Genebra, onde foi lançado um projeto há vários anos. “Seria muito importante para nós que a cidade de Rousseau fosse membro da nossa rede”, argumenta. É precisamente lá, na casa onde nasceu Jean-Jacques Rousseau, que os escritores perseguidos poderão, em breve, encontrar um lar.

A “Maison de Rousseau et de la Littérature” (Casa de Rousseau e da Literatura) planeja se expandir. “Pretendemos usar os dois últimos andares da casa como residência, especialmente para escritores no exílio”, diz Isabelle Ferrari, responsável pelo projeto da ICORN para a instituição.

“Mas é muito importante para nós que Genebra se comprometa formalmente neste processo, aderindo à rede ICORN”, acrescenta. “Não se trata, de fato, de só disponibilizar um apartamento para um escritor, mas afirmar publicamente como parte de um organismo internacional, o desejo de Genebra de se manter fiel a sua tradição de acolho e de lugar de refúgio”, explica.

Isabella Ferrari é clara: “Esperamos que, em 2015, Genebra se torne a primeira cidade suíça a integrar a ICORN, abrindo o caminho para colaborações com sessenta cidades do mundo que darão uma ressonância internacional para nossas iniciativas”.

Sami Kanaan, novo prefeito da cidade a partir de 1° de junho, confirma querer apresentar um projeto concreto para a adesão à ICORN até o final do ano, com uma possível busca de recursos externos para equilibrar o orçamento. “Seria quase um absurdo que a cidade dos direitos humanos não esteja envolvida neste processo”, declarou.

Adaptação: Fernando Hirschy

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