Covid-19: A Suíça pode sorrir novamente, mas até quando?
Enquanto muitos países, inclusive a Suíça, estão voltando à normalidade, a China luta para conter uma nova onda do coronavírus e boa parte da população mundial ainda não recebeu sua primeira dose da vacina.
Desde 1º de abril, a Suíça está de volta à “normalidade”. No final de março, o governo suíço decidiu levantar as últimas restrições existentes: as máscaras não são mais obrigatórias em transportes públicos e nos estabelecimentos de saúde. Também não é mais necessário isolar-se caso teste positivo para Covid. As pessoas estão “sorrindo novamente”, relatam os jornais, e o otimismo está aumentando, de acordo com uma pesquisaLink externo realizada pela Sociedade Suíça de Radiodifusão (SRG), a matriz da SWI swissinfo.ch. Ainda assim, metade das pessoas entrevistadas espera o pior para este inverno, e as exigências de máscaras e passaportes vacinais continuam a dividir opiniões.
Eu mesma estou um pouco hesitante sobre a decisão de abolir completamente a obrigatoriedade da máscara: desde que deixei de usar uma máscara em lojas e supermercados, meu sistema imunológico se rebelou e se tornou menos responsivo. Como resultado, fiquei bastante gripada.
O epidemiologista Marcel Salathé certamente não está satisfeito com a decisão do governo. Em uma entrevista, ele disse estar “preocupado” com o rápido aumento dos casos e exortou o governo suíço a esperar antes de suspender todas as restrições – um apelo que não foi atendido. Mesmo as palavras do diretor-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, que chamouLink externo o atual aumento dos casos de “ponta do iceberg”, não parecem ter suscitado cautela.
Cedo demais para comemorar
Meu colega Simon Bradley conversou recentementeLink externo com Antoine Flahault, diretor do Instituto de Saúde Global da Universidade de Genebra, sobre o recente aumento mundial de casos. Flahault especula sobre alguns motivos para o novo aumento – entre eles, a poluição do ar – e diz que a Covid-19 deve continuar nos preocupando: não é uma gripe nem um resfriado, mas sim uma doença que pode ter graves consequências, incluindo a Covid Longa, diz ele. Simon Bradley nos conta mais sobre sua conversa com Flahault:
Flahault foi muito claro sobre o fato de que a pandemia está longe de ter terminado. Ele está preocupado com as altas taxas de mortalidade, especialmente na Europa. O afrouxamento das restrições por parte dos governos e a nova subvariante BA.2 da Ômicron – cerca de 30% mais contagiosa – poderiam ser os responsáveis pelo recente aumento dos casos. Mas Flahault também defende a teoria de que a poluição do ar no inverno e as partículas finas poderiam estar ligadas aos recentes picos de infecções por Covid-19 na Europa.
E a Suíça? Simon Bradley e Flahault também examinaram as medidas tomadas e os riscos que o país enfrenta:
Segundo Flahaut, a Suíça tem lidado bem com a pandemia desde o início. Mas sua cobertura vacinal é frágil (69%) e o especialista adverte que, se a imunidade começasse a diminuir, o país poderia se encontrar na mesma situação da Coreia do Sul, que recentemente passou por uma onda de internações em UTIs e ainda possui uma média de 300 mortes por dia. O país também lidera no número médio diário de novos casos relatados. Flahault afirma que não devemos nos precipitar em declarar a nova subvariante BA.2 da Ômicron como leve.
A imunidade ainda é um desafio
Outra razão pela qual os especialistas e estudiosos estão pedindo cautela é o fato de que, após dois anos de pandemia, medir a imunidade da população ainda é um desafio, escreve minha colega Jessica Davis Plüss. “Ainda não sabemos, estatisticamente falando, os níveis de anticorpos que fazem alguém ser resistente à infecção, poder transmitir a infecção a outras pessoas ou estar protegido contra a doença”, disse o virologista Didier Trono em entrevista.
De fato, a onda causada pela variante Ômicron mostrou que as atuais medidas diagnósticas não fornecem informações confiáveis sobre a proteção imunológica, como a Força Tarefa Nacional Covid-19 também indicou em um relatórioLink externo. No entanto, ser capaz de determinar a imunidade dos indivíduos ajudaria a prever a seriedade da doença.
Além disso, ajudaria o país a se preparar para uma possível vacinação no outono. “É importante monitorar os casos graves, as mutações e a imunidade da população contra as diferentes variantes do vírus” disseLink externo o imunologista da Universidade de Zurique, Christian Münz. Por este motivo, é crucial continuar investindo em pesquisas para monitorar a evolução da Covid-19. A situação geopolítica atual, no entanto, não é propícia a colaborações para estudar o SARS-CoV-2.
A fúria do dragão chinês
Há ainda outra questão que está preocupando a comunidade científica no momento: o aumento dos casos na China devido à variante Ômicron. Até algum tempo atrás, a estratégia de “tolerância zero” do país, embora bastante extrema, parecia estar funcionando. A economia também havia se beneficiado, crescendo 10,5%, em comparação com 2,4% nos Estados Unidos e 0,4% no resto do mundo desenvolvido.
Agora, a nova onda está testando o governo de Pequim e provando que este modelo não é sustentável a longo prazo. A imunidade natural da população chinesa, que é trancada a sete chaves no primeiro espirro, é na verdade muito baixa, e a imunidade vacinal não está entre as melhores, devido à baixa eficácia das vacinas nacionais, como o próprio governo já admitiuLink externo.
Além disso, na China, a taxa de pessoas com mais de 80 anos vacinadas com as duas doses é muito baixa (51%). Esta situação também não é uma boa notícia para o resto do mundo: a China tem uma população de mais de um bilhão de pessoas e uma circulação muito alta do vírus entre indivíduos não imunizados poderia causar novas mutações e muitas mortes.
A igualdade vacinal ainda está muito distante
Isso nos leva a outra questão, não menos importante: a distribuição justa das vacinas. Atualmente, 34% da população mundialLink externo ainda está esperando para receber sua primeira dose da vacina contra a Covid e apenas 59% está vacinada com duas doses. A Suíça está contribuindo para diminuir esta desigualdade ao doar 15 milhões de dosesLink externo de vacina contra o coronavírus para a iniciativa COVAX. Mas a “generosidade” de países individuais não é o suficiente.
Para realmente mudar a situação, seria preciso alterar o plano de produção de vacinas, criando uma rede de países de baixa população – como a Suíça (que já produz as vacinas da ModernaLink externo), Ruanda, Nova Zelândia e Cingapura – que poderiam fabricar doses rapidamente, tanto para suas próprias populações quanto para o resto do mundo.
“Acho que esta é a única maneira de contornar o nacionalismo inevitável de dar as vacinas primeiro para seus próprios cidadãos”, disse o britânico Jeremy Farrar, diretor do Wellcome Trust, uma das maiores fundações de pesquisa médica do mundo, em um podcast. Esperemos que estas palavras sejam ouvidas.
Adaptação: Clarice Dominguez
(Edição: Fernando Hirschy)

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