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Por que nossas cidades não são tão inteligentes quanto poderiam ser

Image of a TOSA e-bus at a flash-charging station in Geneva
O TOSA e-bus pode recarregar a bateria enquanto pega os passageiros ABB

Nós lemos o tempo todo sobre os avanços tecnológicos em energia. Porém, seriam as tecnologias “verdes” de baixo consumo e alta eficiência suficientes para criar as cidades sustentáveis nas quais gostaríamos de viver?

Os passageiros da linha de ônibus 23 da operadora de transportes públicos de Genebra (TPG), que circula entre o aeroporto e o município de Carouge, podem não notar de imediato algo fora do comum. De fato, os ônibus são incrivelmente limpos e tão silenciosos que você consegue ouvir o som dos pneus no asfalto. Além disso, uma entrada USB embutida em uma das barras de segurança (com um convite educado para “carregar o seu dispositivo móvel”) é uma coisa pouco comum em um ônibus urbano.

Mas o que torna o ônibus 23 verdadeiramente único ocorre tão rápido que você perde de ver se piscar: em algumas paradas, um braço mecânico se estende do teto do veículo – que não possui cabos – e se conecta a uma despretensiosa bateria, que poderia ser facilmente confundida com uma lâmpada de rua. Durante o tempo em que os passageiros entram e saem do ônibus, a “carga relâmpago” está completa e o veículo pode seguir o seu caminho.

O ônibus TOSA (em francês: Trolleybus Optimisation Système Alimentation) de Genebra é parte “do primeiro sistema de grande capacidade em ônibus 100% elétrico”. A frota de 20 veículos não-poluentes, capazes de transportar em torno de 130 passageiros cada um, foi posta nas ruas em março deste ano e é o resultado de uma parceria entre a TPG, o Escritório de Promoção de Indústrias e Tecnologias (OPI), a empresa de utilidade pública SIG e a ABB Sécheron, subsidiária do Grupo ABB.

Graças à tecnologia de carga relâmpago, os ônibus podem carregar parcialmente suas baterias em 13 pontos ao longo da rota, completando o recarregamento completo – que leva cerca de cinco minutos – na estação final. A ABB espera que os ônibus criem uma economia de 1.000 toneladas de resíduos de emissões de dióxido de carbono por ano.

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De cidades inteligentes a cantões inteligentes

De acordo com website oficial do Cantão de Genebra, a tecnologia de carga relâmpago do ônibus TOSA não é a única – ou mesmo a mais impressionante – inovação: estes veículos podem ainda recuperar parte da carga perdida durante uma frenagem, desaceleração ou em uma descida, estocando esta energia que poderá ser usada novamente quando necessária. Esse tipo de abordagem eficiente e responsiva ao armazenamento, gerenciamento e transferência de energia é fundamental para os chamados sistemas energéticos “inteligentes”, que estão sendo integrados de forma significativa na Suíça para criar “cidades inteligentes”.

Embora a definição do que faz uma cidade “inteligente” varie, o programa “Smart City Switzerland” da Secretaria Federal de Energia afirma que uma cidade inteligente maximiza a qualidade de vida dos habitantes minimizando o consumo de recursos, com base em uma infraestrutura interconectada que é “inteligente” não apenas no sentido digital, mas também na ênfase em “mecanismos passivos ou autorregulados”.

Em sua estratégia econômica cantonal de 2030, Genebra expandiu o conceito para além do nível da cidade, comprometendo-se com um projeto “cantão inteligente” que visa integrar “novas tecnologias na optimização da gestão diária e estratégica do território de forma sustentável”.

No entanto, tecnologias como a do ônibus TOSA são suficientes para tornar uma cidade – ou um cantão – inteligente?

Aproveitando a ‘inteligência coletiva’

Para Gianfranco Moi, Diretor Geral para Desenvolvimento Econômico, Pesquisa e Inovação do Cantão de Genebra, a multiplicidade de opções tecnológicas disponíveis para as áreas urbanas que desejam implementar sistemas inteligentes de energia pode ser uma faca de dois gumes. Ele afirma que muitos projetos e programas diferentes estão surgindo nos níveis do governo federal, cantonal e municipal suíço, assim como nas esferas pública e privada, tornando mais difícil capitalizar as melhores práticas e criar sinergias entre as soluções.

“Temos muitas iniciativas inteligentes já implementadas, contudo há algumas complexidades [em virtude] de estarem muito fragmentadas”, disse Moi durante uma palestra em Genebra no evento Swiss-US Energy Innovation Days (SUEID), ocorrido em 20 de agosto (ver box), acrescentando que o cantão de Genebra tem 45 comunas, cada uma com seu próprio governo.

“Para se construir um cantão inteligente ou uma cidade inteligente, precisamos de uma infraestrutura sólida, redes confiáveis, sensores implantados no ambiente e análises para coleta e processamento de todos esses dados. Isso já está praticamente sob controle aqui. O desafio é juntar tudo”.

A falta de compatibilidade entre as iniciativas e sistemas energéticos locais, regionais, nacionais e até internacionais pode levar a maiores custos de investimento em infraestruturas devido a projetos “pontuais” e a falha na capitalização do conhecimento, reaplicando soluções que já são conhecidas por funcionarem bem, explicou Moi.

Ele acrescentou que a colaboração em todos os níveis é uma oportunidade importante para projetos de cidades inteligentes, assim como o apoio político, as iniciativas de dados abertos e as redes e infraestruturas confiáveis.

“Nosso principal desafio é realmente inteligência coletiva; é isso que precisamos fazer”.

Não apenas inteligente, mas também resiliente

Com seu foco em alta eficiência, baixo uso de recursos, sustentabilidade e qualidade de vida, o conceito de cidade inteligente tem claras vantagens. Entretanto, segundo Igor Linkov, chefe de equipe no Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Engenharia do Exército dos Estados Unidos e professor adjunto na Universidade Carnegie Mellon, concentrar-se apenas na inteligência quando se trata de infraestrutura de energia urbana pode não ser muito, digamos, inteligente.

Em sua palestra no SUEID 2018, Linkov advertiu que, embora os sistemas de energia inteligentes sejam projetados para serem altamente eficientes, há um perde-e-ganha quando se trata de resiliência, ou a capacidade desses sistemas de se recuperarem de uma interrupção – seja um desastre natural ou um ataque cibernético.

“Em geral, os sistemas inteligentes possuem um eixo de controle centralizado, enquanto os sistemas resilientes são mais redundantes. Portanto, eles são menos eficientes do que os sistemas inteligentes, mas é mais fácil de se recuperarem [de falhas ou ataques]”.

Para Linkov, a questão é como criar e manter sistemas de energia que sejam ao mesmo tempo inteligentes (eficientes) e resilientes (capazes de se recuperar de interrupções inesperadas). Ele afirma que o desenvolvimento de métricas para medir a resiliência em todos os níveis de um sistema de energia – da infraestrutura física à tecnologia da informação e interação social – é fundamental para equilibrar esse perde-e-ganha.

De volta ao ônibus TOSA, alegres mensagens multicoloridas cobrem os lados interno e externo: “TOSA: o ônibus elétrico feito em Genebra”; “Uma inovação de Genebra”.

Confortável, eficiente e não-poluente, o ônibus TOSA é de fato um triunfo da inovação suíça moderna. Contudo, está claro que novas formas de planejar, conectar e proteger os sistemas de energia também terão um papel essencial na construção de uma Suíça mais inteligente.

Swiss-US Energy Innovation Days

Em 20 de agosto, especialistas da Suíça e dos Estados Unidos se reuniram na região do Lago de Genebra para a quinta edição do Swiss-US Energy Innovation DaysLink externo (SUEID), organizado pelo Escritório Federal de Energia e pela swissnex BostonLink externon. Representantes do governo, de pesquisa e indústria de ambos os países discutiram os últimos avanços em eficiência e resiliência de energia, mobilidade e muito mais.

Aqui estão alguns dos outros projetos apresentados no SUEID 2018 que visam tornar as cidades – na Suíça e nos Estados Unidos – mais inteligentes.

Táxi drone

Laurent Horvath, do Escritório de Promoção das Indústrias de Genebra, não apresentou exatamente um táxi drone para a multidão; em vez disso, mostrou um estudo de viabilidade conduzido pelo cantão de Genebra e pela Parceria Europeia de Inovação em Cidades e Comunidades Inteligentes (EIP-SCCLink externo), com o objetivo de determinar se o serviço é algo que os residentes de Genebra acolheriam como uma opção de mobilidade urbana. A ideia, disse Horvath, era “fazer engenharia reversa” de uma abordagem típica de cima para baixo para implementação tecnológica, consultando os cidadãos sobre suas preocupações e interesses relacionados a usos, regulamentação e privacidade. Os resultados do estudo de viabilidade devem estar disponíveis em 2019 e, se forem positivos, um teste táxi drone Link externo pode ser desenvolvido em 2021.

Blockchain: além do bitcoin

Dois palestrantes apresentaram ao público do SUEID como a tecnologia blockchain pode ser usada para gerenciar sistemas de energia. Dale Montrone, Vice-Presidente de Operações da DomaniSystemsLink externo, Inc., de Connecticut, Estados Unidos, descreveu como sua empresa ajuda os clientes a desenvolverem e testarem contratos inteligentes baseados em blockchain – programas de computador que executam transações seguras ou acordos entre duas partes – para redes inteligentes de energia. Como um método para gerenciar transações de energia ponto-a-ponto, esses contratos inteligentes serão benéficos na forma de aumento do fornecimento de energia fora da rede, disse Montrone.

Enquanto isso, Roman Rudel, chefe do Instituto de Sustentabilidade Aplicada ao Ambiente Construído da Universidade de Ciências Aplicadas e Artes do Sul da Suíça, falou sobre a empresa “spin-off” Hive PowerLink externo, da qual é conselheiro. Projetada para gerenciar o compartilhamento de energia entre comunidades locais descentralizadas, a tecnologia da Hive Power visa otimizar as trocas de energia – por exemplo, nas chamadas comunidades de energia autoconsumo que entraram em vigor como parte da lei de energia revisada da Suíça em 1º de janeiro deste ano – usando a tecnologia blockchain.

Dados para consumidores

Marco Miotti, candidato a PhD no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) em Boston, apresentou um website desenvolvido como projeto paralelo à sua pesquisa sobre emissões de gases de efeito estufa, chamado carboncounter.comLink externo. A ferramenta on-line permite que os usuários comparem as emissões e os custos decorrentes da condução de diferentes carros movidos a gasolina, híbridos e elétricos, com base nos dados fornecidos por eles sobre seus hábitos de viagem e localização. “Esses tipos de ferramentas interativas são uma nova maneira de publicar os resultados de pesquisa e interagir diretamente com os consumidores. Parece haver uma alta demanda da parte deles por esse tipo de informação, que pode potencialmente influenciar as decisões de compra sem a necessidade de subsídios caros”, disse Miotti à plateia.

Aquecimento e refrigeração com o Lago de Genebra

Michel Monnard, da SIG, apresentou o projeto GeniLacLink externo, que usa água retirada de 45 metros (148 pés) abaixo da superfície do Lago de Genebra para resfriar e aquecer naturalmente os edifícios locais. A água, que tem uma temperatura média anual de cerca de 7 graus Celsius (45 graus Fahrenheit), é bombeada aos edifícios para resfriá-los no verão, e para aquecê-los com a integração de uma bomba de calor no inverno. Uma versão em menor escala do projeto já tem ajudado a controlar a temperatura dos edifícios no distrito da Place des Nations (incluindo os Escritórios das Nações Unidas, a Organização Mundial da Propriedade Intelectual e o Comitê Internacional da Cruz Vermelha) na última década; a nova iniciativa visa estender a rede ao aeroporto e ao centro da cidade de Genebra até 2022.

Conteúdo externo

Adaptação: Renata Bitar

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