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Cinema asiático triunfa no Festival de Friburgo

Cena de "Flower in the Pocket" divulgação

Um filme malaio ('Flower in the Pocket") recebeu a recompensa maior no Festival Internacional de Filmes de Friburgo. O Júri Internacional recompensou também realizações da Coréia do Sul e da China.

Mas se o cinema ‘made in Asia’ leva a melhor, Júri Internacional concedeu um prêmio especial a ‘El Camino’, da costa-riquenha Ishtar Yasin, também contemplado com o prêmio ecumênico. E ‘La Zona’, do mexicano Rodrigo Plá, recebeu o invejável Prêmio do Público.

Se a projeção internacional do cinema chinês no mundo já se manifesta há algum tempo, a emergência do cinema malaio é mais recente, enquanto a ‘nouvelle vague’ sul-corean surgiu nos anos 80. Essas cinematografias asiáticas vêm impondo pela qualidade nos festivais – caso da Malásia, como ocorreu agora em Friburgo – e repercutem graças aos prêmios que têm conseguido. Se não aparecem mais é porque ficam fora dos circuitos de distribuição.

A esse respeito, um parênteses. A Coréia do Sul, por exemplo, produz atualmente mais de cem filmes por ano. Mas é porque se beneficiava do sistema de cotas, imposto em 1985; sistema segundo o qual os cinemas sul-coreanos deviam programar filmes nacionais durante pelo menos 146 dias do ano.

O sistema funcionou até 2006, quando os Estados Unidos, aproveitando-se de um acordo comercial com o país, conseguiram reduzir as cotas à metade, o que, naturalmente, terá impacto negativo sobre a indústria cinematográfica local.

A política dos Estados Unidos, na Coréia do Sul ou em outros países, é clara: promover a própria indústria. E o conseguem, seja na Coréia, na Suíça ou no Brasil.

Voltando ao Festival Internacinal de Friburgo, encerrado, neste fim de semana, com o anúncio da premiação, não surpreendeu o bom desempenho dos filmes asiáticos. Quanto a ‘Flower in the Pocket’ que conquistou o primeiro prêmio (o “olhar de ouro” no valor de 30 mil francos), ele conta a história de duas crianças que crescem sem mãe e vivem abandonadas pelo pai, consertador de manequins de loja.

O júri estimou que o realizador malaio, Liew Seng Tat, associou humor à seriedade da situação e “soube lançar um olhar carinhoso e poético sobre uma realidade complexa e rica da sociedade”. (Confira, ao lado, os outros prêmios).

Uma oportunidade de encontros incríveis

Esse pequeno festival – afinal Friburgo tem apenas 35 mil habitantes – é uma oportunidade única de descobertas. Descoberta de filme como “Flower in the Pocket”, a que normalmente não teríamos ocasião de assistir, até porque a grande maioria dos filmes projetados fica normalmente excluída dos circuitos de distribuição.

O Festival proporciona também oportunidade de encontros com realizadores de peso e projeção de filmes que marcaram o cinema..

Um exemplo, entre tantos, apresentado no ‘Panorama Cinema e Revolução’ foi ‘Avoir vingt ans dans les Aurès’, de 1971, ( ter vinte anos nos Aurès, região do leste argelino), do cineasta René Vautier, o primeiro que, através do cinema, denunciou o colonialismo francês na África. O primeiro também que mostrou a guerra de libertação, vista do lado dos que se insurgiram contra a dominação colonial.

Vautier, hoje uma referência de engajamento político no cinema – e por isso mesmo, vítima de censura e de perseguição – participou de debate sobre sua obra, expondo em Friburgo sua visão engajada da sétima arte, revelando que com 80 anos, ele não perdeu a garra de militante.

‘Falsa Loura’ estréia na Suíça

No mesmo Panorama, os espectadores tiveram a ocasião de assistir ao excelente documentário de Sílvio Da-rin, ‘Hércules 56’, em que o cineasta brasileiro, após uma pesquisa aprofundada nos arquivos da época, conta o seqüestro do embaixador norte-americano em 1969, no Rio de Janeiro, no auge da ditadura militar no Brasil. Infelizmente, o filme atraiu número restrito de telespectadores.

No tocante ao Brasil, mas num registro bem diferente, os friburguenses puderam conhecer um pouco do trabalho de Carlos Reichenbach através de ‘Alma Corsária’ (1993) e de ‘Falsa Loura’ (2007), apresentado hors-concours, em première européia. (‘Falsa Loura será lançado no Brasil apenas no dia18 de abril).

‘Falsa Loura’que retrata a vida de uma jovem e bela operária que sonha com ascensão social mas sofre amargas decepções, parece não ter sido apreciado no seu justo valor em Friburgo. Houve quem o visse como uma ‘Pretty woman’ à brasileira, o que foi considerado um total equívoco pela produtora do filme, Sara Silveira, presente no Festival.

Resta que este Festival Internacional de Filmes de Friburgo foi uma excelente vitrine para a produção cinematográfica brasileira, pois se não figurou nenhum filme do Brasil entre os 13 em competição, o Festival projetou 9 películas ‘hors-concours’, incluindo 3 curtas-metragens (veja lista ao lado).

Um festival que abre horizontes

De primeiro a oito de março, Friburgo viveu um pouco em função desse 22° Festival Internacional de Cinema, o evento cultural mais importante da cidade. Um evento marcante pelo impacto que deixa nos milhares de espectadores, fiéis a esse encontro anual, realizado quando o inverno já prenuncia a primavera

É um festival que areja as mentes, permite rever conceitos ou extirpar preconceitos. Ou para empregar a imagem utilizada pelo cineasta Walter Salles – um dos convidados a Friburgo – “é um festival que abre janelas”, pois a função de um festival de cinema, destaca, “é de mostrar que mesmo morando em latitudes tão diferentes, as pessoas não são tão distantes”.

A afirmação preocede, pois afinal as problemáticas variam mas têm semelhanças, seja em se tratando de corrupção, de paixão, ciúme, violência, amor ou traição…

E José Carlos Avellar – crítico de cinema e escritor, que participou de todo o evento como membro do júri internacional – acrescenta: “É mais que isso, pois o Festival não apenas coloca as pessoas em contatos com outras culturas, mas desperta interesse pela singularidade de cada uma dessas culturas.”

“Uma semana, um espectador tem a experiência de passar por uma sala e ver a expressão cinematográfica que vem da Malásia, outra que vem da China, da Argentina ou de Costa Rica… que são culturas estruturadas a partir de tradições históricas, geográficas, políticas completamente diferentes. E entrar em contato com essas culturas significa abrir o horizonte, não apenas para conhecer o que se passa nesses países, mas para conhecer a expressão inventada nesses países.”

Swissinfo, J.Gabriel Barbosa, de Friburgo.

O mesmo juri internacional, que recompensou o filme da Malásia, ‘Flower in the Pocket’ com o primeiro prêmio, concedeu uma menção especial a ‘Fille de terre noire’ (lit. menina da terra preta ou ‘Geomen Tangyi Sonyeo Oi’, em sul-coreano), uma realização de Jeon Soo-il.

Este filme agradou muito ao público e aos profissionais, pois levou o prêmio FIPRESCI, atribuído pelos representantes da Federação Internacional da Imprensa Cinematográfica “pelas suas qualidades humanas e cinematográficas, por uma inteligente utilização do silêncio, das elipses e do hors champ.”

Também neste filme duas crianças vivem sem a mãe, com um pai que as adora, mas, enfermo, ele perde o trabalho de mineiro e o equilíbrio. É uma menina de 8 anos que enfrenta a barra… E o faz com maestria.

A qualidade da obra seduziu ainda o júri FICC, Federação Internacional dos Cineclubes, que lhe concedeu o ‘Prêmio Dom Quixote’.

A América Latina, menos representada no evento e menos presente na premiação, foi contemplada, porém, com o Prêmio Especial do Júri, de 5 mil francos, atribuído a El Camino, de Ishtar Yasin (Costa Rica, 2008).

É mais uma história de duas crianças em situação miserável que saem pelas estradas e cidades em busca da mãe. Segundo o Júri, “o filme tira a própria força de sua linha frágil entre ficção e documentário, poesia e realidade.”

‘El Camino’ foi igualmente a escolha do Juri Ecumênico (5 mil francos), impressionado com outro aspecto do filme: seu caráter de “denúncia da exploração sexual da criança e do silêncio que cerca a questão.”

Este júri deu ainda uma menção especial ‘He Fengming’ (‘Fengming, crônica de uma mulher chinesa’) de chinês Wang Bing, em que uma idosa de 70 anos conta sua história, de 1949 aos dias de hoje. Filme mencionado pela FICC (Federação Internacional de Cineclubes) e premiado por ‘Oikocredit Suisse’, orgaismo fornece pequenos créditos a populações em situação financeira precária.

Note-se ainda que esta edição 2008 foi uma excelente vitrina para a produção brasileira, com 9 filmes projetados

Curtas:
– ‘Joyce’, de Caroline Leone
– ‘Um Ramo’, de Juliana Rojas
– ‘Vereda Tropical’, de Joaquim Pedro de Andrade (1977)
Longas:
– ‘Falsa Loura’, de Carlos Reichenbach (2007)
– ‘Hércules 56’ (documentário), de Sílvio Da-rin (2006)
– ‘Diários de Bibicleta’, de Walter Salles (2204)
– ‘O Homem do Ano’ (documentário), de José Henrique Fonseca (2003)
– ‘Alma Corsária’, de C. Reichenbach (1993)
– ‘Guerra Conjugal’, de Joaquim Pedro de Andrade (1975)

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