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Comboio Nocturno para Lisboa

O autor Peter Bieri, aliás, Pascal Mercier RDB

Depois de ter permanecido durante 140 semanas na lista dos livros mais vendidos na Alemanha, com 2,5 milhões de exemplares vendidos e traduzido para 15 línguas, "Nachtzug nach Lissabon" foi finalmente publicado em português.

“Um sucesso inesperado”, segundo o próprio autor, o suíço Peter Bieri, que assina a obra com o pseudónimo literário Pascal Mercier. Sucesso que deverá repetir-se nos países de língua portuguesa.

Escrever, para ele, foi uma “pequena revolução emocional” que se deu no momento em que percebeu que a vida acadêmica e a linguagem técnica, tinham deixado de o satisfazer plenamente.

Ex- professor de filosofia na Universidade de Berlim, publicou anteriormente dois romances Perlmanns Schweigen (1955) e Der Klavierstimmer (1988). “O Comboio Nocturno para Lisboa” é um “triller” filosófico, segundo a sua definição. A “história de um homem que tenta entender outro homem”, afirmou Mercier a swissinfo, na apresentação do seu livro em Lisboa.

A história começa numa manhã chuvosa, quando uma mulher, Adriana, prepara-se para saltar de uma ponte, em Berna. Raimund Gregorius, um banal professor de grego e latim de 57 anos, consegue convencê-la a desisitir do seu ato desesperado e fica surpreendido com o som de uma palavra… Português, responde ela, quando questionada sobre a língua que fala.

O carniceiro de Lisboa

A mulher depressa desaparece, mas antes escreve um número de telefone na testa deste professor míope, que mais tarde e por acaso, descobre um livro de um autor português, Amadeu Inácio de Almeida Prado, intitulado “Um Ourives das Palavras”.

Sem conseguir explicar porquê, entra num trem para Lisboa para descobrir a real história deste médico que morreu 30 anos antes, em 1975, pouco depois da Revolução dos Cravos, “numa descoberta do outro que acaba por ser uma descoberta de si próprio”.

Almeida Prado era filho de um austero juiz, com um sério problema físico, que se suicida durante a ditadura salazarista e que seguiu a carreira de médico por indicação do pai.

Amado pelos pobres que atendia de graça no seu consultório, passa a ser rejeitado pelo povo no dia em que aceita tratar o “Carniceiro de Lisboa”, assim conhecido por ser chefe da polícia política.

Amadeu integra a resistência contra o regime de Salazar e morre pouco depois da revolução, aos 50 anos. Lisboa, Coimbra, Almada, Esposende, Viana do Castelo, Galiza e Salamanca são alguns dos lugares percorridos por Gregorius nesta viagem de autodescoberta, neste livro sobre a identidade.

Porque Portugal? Porque a ditadura de Salazar?

Estas são as perguntas mais freqüentes ao autor que admira Fernando Pessoa – “esse gigante da literatura” – há mais de 20 anos e decidiu escrever uma espécie de “livro do desassossego de Almeida Prado” para que se assemelhasse aos textos do poeta português.

Pela sua cultura, pela sua atitude de outros tempos, Raimund precisava de um ambiente de século XIX e Lisboa é a grande cidade européia que mais se aproxima pelo seu aspecto, pela sua topografia…

Para Pascal Mercier, a principal razão para escolher Lisboa e Portugal relaciona-se com o pai de Almeida Prado, um juiz em função durante uma ditadura, mas que não trabalharia sob as ordens de Mussolini, Hitler ou Franco.

“Salazar era diferente. Era um intelectual brilhante, muito inteligente, culto, de uma brutalidade mais sutil, que poderia seduzir pessoas como o juiz Prado. E só nas ditaduras é que se dão as condições necessárias para tratar os problemas morais no contexto político,” afirma o escritor suíço.

Mercier diz que Raimund Gregorius é uma espécie de detetive e que este é um “thriller” com “pouca movimentação”, mas construído como se fosse uma melodia, uma fuga de Bach. O romancista cita Milan Kundera para afirmar que, tal como ele, pensa que um romance é uma meditação poética sobre um sujeito.

Aos 45 anos começou a escrever romances e depressa começou a “sentir-se em casa” nos livros. De tal forma que “agora passa sete horas escrevendo” e abandonou o ensino.

Fugir da rotina

“Quando era professor tinha receio de colocar a minha reputação acadêmica em causa escrevendo ficção. Precisava me esconder em um pseudônimo para ter coragem de me libertar na escrita. Só sabia que queria um nome com sonoridade francesa mas que não fosse extravagante. É uma experiência fantástica escolher um outro nome porque o kitsch que há em nós surge no máximo. Os primeiros nomes que nos surgem são extraordinários. E os nomes passam a ser mais importantes que as coisas”.

Peter Bieri nasceu em Berna em 1944 e atualmente vive na Alemanha. Filho da pequena burguesia, muito cedo decidiu que não queria para ele o tipo de vida que os homens da casa levavam.

O determinismo do almoço às 12h30 imposto pela fábrica onde todos trabalhavam fez com que ele começasse a refletir sobre a condição humana ao completar 12 anos, momento em que começou a leitura da história das religiões e a vida dos santos. “Desde então nunca mais almocei sempre na mesma hora”, afirma o escritor suíço residente em Berlim.

swissinfo, Adriana Niemeyer, Lisboa

Comboio Nocturno Para Lisboa: Editora Dom Quixote, Lisboa, 2008
424 páginas, 22 €

Peter Bieri (que escreve, em alemão, sob o pseudônimo de Pascal Mercier), nasceu em Berna, em 1944, em uma família da pequena burguesia.

Estudou grego, latin, hebreu, sânscrito e budismo tibetano, filosofia, inglês e indologia nas universidades de Londres e Heidelberg.

Formou-se em 1971 e trabalhou como assistente científico no departamento de filosofia. Pesquisou psicologia filosófica, teoria do conhecimento e filosofia moral.

Lecionou em Berkeley, Harvard e na Universidade Livre de Berlim.

Publicou vários livros de filosofia e três romances, entre eles Comboio Noturno para Lisboa, agora traduzido em português.

Ele considera que Fernando Pessoa é uma referência. Vive atualmente em Berlim.

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