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Guiné-Bissau aguarda definições sobre próximas eleições

Cocaína confiscada pela polícia de Guiné-Bissau foi apresentada à imprensa em 21 de março de 2012. Reuters

A Guiné-Bissau tenta se manter em pé apesar da corrupção, do tráfico de drogas e da pobreza. A comunidade internacional e os cidadãos guineenses depositam na realização das próximas eleições a esperança de pegar o fio da meada para a luta contra o crime organizado.

Nos últimos anos o país passou a ocupar uma posição estratégica para a rota do tráfico de drogas produzidas na América Latina, que são transportadas pela África Ocidental e distribuídas para o consumo na Europa. Apesar dos esforços para a reestruturação, a situação política do país é instável. As eleições marcadas para 24 de novembro foram adiadas pelo presidente do governo de transição, Manuel Serifo Nhamadjo e pelos principais partidos políticos do país, devido a falta de fundos para realização do pleito com garantia. As novas datas propostas seriam 23 de fevereiro ou dois de março.

Em busca de futuras ações mais eficazes, a situação do crime organizado em Guiné-Bissau e as missões de paz enviadas pelas Nações Unidas ao país foram analisadas por recente estudo realizado pelo International Peace Institute, com sedes em Viena e Nova York, com recursos dos governos suíço e norueguês.

Os pesquisadores concluem que o caminho para alcançar a estabilidade depende de três intervenções. A primeira providência é deixar clara a intolerância à impunidade para crimes de tráfico de drogas. A segunda é promover um esforço para reduzir as forças militares na Guiné- Bissau, e durante o processo, desmantelar as conexões com as redes de tráfico e finalmente manter o compromisso de construir a paz e garantir a realização das eleições.

Turbulências

Em 12 de abril de 2012, entre o primeiro e o segundo turno das últimas eleições, a Guiné-Bissau passou por um golpe de Estado liderado por militares, que resultou na prisão do presidente interino, Raimundo Pereira, e do então primeiro ministro, Carlos Gomes Júnior. Em seguida, os golpistas instalaram um novo governo civil, dando o cargo a Serifo Nhamadjo. O passo seguinte foi criar um Conselho Nacional de Transição, que governaria o país por um ano, mas segue no poder.

Segundo o estudo do IPI, militares e uma pequena elite de empresários do país dominam o tráfico de drogas. De acordo com os dados levantados durante a pesquisa, após o golpe houve um aumento no volume de circulação da carga ilícita, chegando a 35 toneladas entre janeiro e setembro de 2012. Mas as estimativas variam. Dados recentes da UNODC indicam redução no volume de cargas traficadas via Guiné-Bissau.

Assim, a tomada de poder por parte dos militares apenas manteve a situação do tráfico tão favorável quanto possível. A resposta internacional ao problema foi debatida em reuniões de alto nível, mas os resultados obtidos foram pouco significativos. O estudo aponta uma ligação entre a crise de governança no país e o tráfico ilícito, porém a pesquisa também ressalta que as bases frágeis da Guiné-Bissau são constantemente ameaçadas por problemas econômicos, contribuindo com a instabilidade local.

O engajamento da comunidade internacional envolveu o trabalho de várias organizações não governamentais, entre as quais a UNODC – Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime Organizado.

UNODC em Guiné-Bissau

Christian Schneider é doutor em Ciência Política pela Universidade e Zurique e esteve em Guiné-Bissau durante a ação da UNODC no combate ao tráfico de drogas.

Segundo o pesquisador, a África era uma região pouco associada ao tráfico de drogas, já que a cocaína era produzida na América Latina e a heroína, na Ásia Central e Sudoeste da Ásia. O consumo ficava restrito à América do Norte, Europa e Austrália. Antes da mudança de rota do tráfico a droga era transportada em voos comerciais por meio de “mulas”, passageiros pagos para viajar com a droga presa ao corpo ou camuflada em bagagens.

Cerca de uma tonelada de cocaína passava pela África Ocidental a cada ano. Entre 2005 e 2009 o panorama mudou. O volume de cocaína que circulou pela região chegou a 12 toneladas anuais. Estava feita a conexão entre a América Latina e a África Ocidental. A comunidade internacional passou a temer maiores instabilidades na região africana por causa do deficiente sistema de segurança de países como a Guiné-Bissau.

Finalmente, o assunto entrou para a pauta internacional. O alarme foi soado e a UNODC – Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, com sede em Viena, orquestrou um projeto cujo objetivo era principalmente a capacitação de profissionais e aparelhamento da polícia, com início em 2010. Hoje, segundo a informação do funcionário do Escritório Regional da UNODC no Senegal, Abdulay Sisey resta apenas um profissional em Bissau envolvido nas atividades de combate ao tráfico de drogas.

Em entrevista à swissinfo.ch, Schneider avalia as expectativas da comunidade internacional, os sucessos da organização em Bissau e os obstáculos enfrentados pelos profissionais envolvidos na operação.

swissinfo.ch: Como Guiné-Bissau entrou para a pauta internacional e passou a chamar a atenção de pesquisadores e das organizações internacionais?

Christian Schneider: Meu trabalho de pesquisa envolveu a relação entre as organizações internacionais e os estados. E a questão é saber quem governa quem. O caso da UNODC é interessante porque é uma organização na qual as doações dos Estados muitas vezes são destinadas a projetos específicos. Depois de produzir uma sequência de relatórios sobre o que acontecia na Guiné Bissau conseguiu trazer o assunto para a pauta internacional. Assim, a Guiné Bissau se tornou um caso claro de interesse de alguns Estados membros da organização e uma ação concreta foi organizada principalmente com o apoio de países consumidores da droga que sai da América Latina, como Espanha, Itália e Reino Unido.

swissinfo.ch: Como a UNODC atua no combate ao tráfico de drogas na Guiné Bissau?

C.S.: O projeto da UNODC conduzido na Guiné Bissau teve como foco principal a luta contra o tráfico de cocaína. A estratégia foi o investimento em ações para a capacitação de recursos humanos, aparelhamento da polícia e a luta contra o crime organizado. A ação estava prevista para durar 40 meses. Os países interessados em resolver o problema se organizaram e conseguiram que o projeto fosse financiado pela Comissão Europeia. Apenas isso já configura uma grande mobilização.

swissinfo.ch: Quais foram os principais obstáculos enfrentados pela organização durante a realização do projeto na Guiné-Bissau?

C.S.: O país é desprovido de muitos recursos. Até o trabalho mais básico da polícia carece de condições mínimas e essa é uma das razões para não criar muitas expectativas. Mas quando uma organização internacional como a UNODC apresenta um projeto a eventuais doadores, não há margem de negociação, caso algo venha a dar errado. Durante as entrevistas que realizei em Bissau, ficaram claras as tensões entre os funcionários que se beneficiaram com a ação da UNODC e os demais. Para os que receberam computadores e motocicletas em nome das instituições locais, o projeto foi um sucesso. Porém os funcionários das organizações internacionais em Bissau são muito francos quando dizem que nem tudo correu tão bem quanto era esperado.

swissinfo.ch: Em que casos, por exemplo?

C.S.: O escritório da Interpol em Bissau foi equipado com um sistema de informação e veículos que possibilitariam o alcance das autoridades a áreas mais distantes da capital. De fato, esses serviços foram acessados pela população mais de 200 vezes. Foram denúncias e tentativas de colaboração com as investigações. Isso mostra que as forças policiais se tornaram mais integradas, inclusive para investigações internacionais. O consultor da ONU para assuntos policiais, em Bissau informou que nenhuma dessas chamadas recebeu resposta ou alguma denúncia foi investigada.

Sabe-se também que uma parte do dinheiro destinado à compra de veículos acabou sendo usado para pagar o salário de funcionários que utilizaram a verba para a manutenção de suas famílias. Porém o crime organizado não pode ser investigado em outras áreas do país por falta de meios de transporte da polícia. A operação acabou ficando concentrada apenas na capital Bissau.

swissinfo.ch: Quais foram os resultados positivos da ação da UNODC em Guiné Bissau?

C.S.: O envolvimento de países da África ocidental em tráfico de drogas não é recente. É importante ressaltar que a UNODC aproveitou essa oportunidade para se estabelecer no local e chamar a atenção da mídia e da comunidade internacional para um problema que já ocorre há algum tempo.

swissinfo.ch: Qual a relação entre o tráfico de drogas em Guiné Bissau e a estabilidade política do país?

C.S.: A Guiné Bissau tem estruturas muito frágeis, porém o tráfico de drogas é apenas mais um fator que contribui com a instabilidade, mas não é o único.

swissinfo.ch: Houve alguma flutuação no volume do tráfico de drogas no país desde a ação da UNODC?

C.S.: Os números não são tão significativos. O importante é saber o que a flutuação no volume de tráfico reflete. Não é possível saber se há realmente menos cocaína transitando pela África Ocidental ou se os traficantes se aproveitam da instabilidade da situação e passam a operar de forma mais eficiente. Portanto, nem sempre o número absoluto de carregamentos traficados tem um significado claro. 

Walter Kemp, Mark Shaw e Arthur Boutellis,

“The Elephant in the Room: How can Peace Operations deal with Organized Crime?” , New York: International Peace Institute, June 2013.

O presidente da transição em Guiné-Bissau, Manuel Serifo Nhamadjo, e os principais partidos políticos do país decidiram atrasar até 2014 as eleições presidenciais e legislativas marcadas para o próximo dia 24 de novembro devido à falta de fundos.

Segundo anunciou a presidência em comunidado publicado em 2 de novembro de 2013, os problemas de financiamento que o Estado atravessa lhe impedem de realizar o pleito com garantias.

O presidente, em sua negociação com os demais partidos, propôs como novas datas para as eleições os dias 23 de fevereiro ou 2 de março, algo que ainda não foi definido.

Após a reunião, Manuel Santos, líder do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), o de maior representação no Parlamento, assegurou que não encontrava ‘nenhuma objeção’ a estas novas datas, já que o objetivo é que as votações sejam ‘transparentes’ e não possam ser ‘questionadas por ninguém’.

Guiné-Bissau viveu um golpe de Estado em 12 de abril de 2012 que provocou a detenção do presidente interino, Raimundo Pereira, e do então primeiro-ministro, Carlos Gomes Júnior.

Três dias depois, os militares golpistas e os partidos políticos decidiram a criação de um Conselho Nacional de Transição, que governaria o país durante um ano, mas que ainda segue supervisionando o processo.

O golpe aconteceu antes do segundo turno das eleições presidenciais, convocadas para 29 de abril, na qual Gomes Júnior partia como favorito.

Exilado em Lisboa desde então, Gomes, em recente entrevista à Agência Efe, lançou um apelo à comunidade internacional para evitar que seu país acabe transformado em um Estado fracassado controlado pelo narcotráfico. EFE

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