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Morre na Suíça primeira carnavalesca do Rio

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Foto de Marie Louise Nery dos arquivos familiares. cortesia

Imprensa noticia o falecimento da figurinista e cenógrafa Marie Louise Nery, 95 anos, em Morges, vilarejo às margens do lago de Genebra. A suíça viveu dos anos 1950 até 2014 no Brasil e fez cenários para filmes como "Orfeu Negro", figurinos para escolas de samba, bonecos para a série "Sítio do Pica-Pau Amarelo" ou ilustrou livros infantis como "O cavalinho azulLink externo".

Desconhecida pela imprensa suíça, a notícia do falecimento da Marie Louise Nery só saiu em portais brasileiros. Segundo o G1Link externo, parentes na Suíça informaram a amigos no Brasil que a suíça de 95 anos faleceu por complicações de saúde no vilarejo de Morges, onde vivia com o filho Frederico Nery.

Segundo a biografiaLink externo publicada no portal da Funarte, Marie Louise nasceu em Berna, na Suíça, em 31 de maio de 1924. Ela estudou na Escola de Ofícios e Artes e conheceu, anos mais tarde, o cenógrafo brasileiro Dirceu da Câmara Nery, com quem se mudou em junho de 1957 para o Brasil.

No país, a suíça iniciou uma carreira nas artes que a levou a participar, em 1959, da criação do enredo sobre o pintor francês Jean Baptiste Debret para a Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro. Seu filho, Frederico Nery, lembra-se também de outros momentos dela no Carnaval. 

– Ela foi simplesmente com o meu pai (que ajudou criando as alegorias de  mão  que não existiam ainda) os verdadeiros primeiros carnavalescos pois antes isso não existia. Antes as fantasias eram rústicas e primitivas e o desfile não era organizado.

Frederico Nery, que vive em Morges, na Suíça, cita carnavalescos famosos no Brasil que aprenderam com Marie Louise. 

– Depois vieram Pamplona, Arlindo Rodrigues (que eram amigos dela e que foram se inspirar a forma do trabalho e figurinos  la em casa durante muito tempo) bem mais tarde o Joãozinho Trinta que aprendeu tudo a partir do trabalho deles. Ela fez mais três outros carnavais (dois no Salgueiro e um na Portela) e ajudou o Pamplona a ganhar. Ela foi jurada em 1958. Ensinou a Rosa Magalhães, Maria Augusta nas escolas de belas artes  e outras mulheres que fizeram o nome do carnaval chegar ao que é hoje.

A suíça criou também cenários, figurinos e adereços para peças infantis de Maria Clara Machado como “Pluft, o FantasminhaLink externo” para o grupo O TabladoLink externo e outros grupos e outras companhias da cidade.

A partir de 1964, Marie Louise Nery, teve também uma carreira acadêmica ao ter cadeiras de ensino no Conservatório Nacional de Teatro, na Universidade Federal da Paraíba e na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

No cinema ela também fez figurinos para vários filmes: Os Selvagens (1964), de Franz Eichhorn e Eugenio Martín; As Duas Faces da Moeda, de Domingos de Oliveira (1969); e Le Grabuge, direção de Édouard Luntz (1968). Fez os cenários de A Dança das Bruxas, de Francisco Dreux (1970). No filme “Edu, Coração de OuroLink externo” (1968), de Domingos de Oliveira, aparece em uma das cenas.

E no “Orfeu NegroLink externo“, filme ítalo-franco-brasileiro de 1959 dirigido por Marcel Camus e que ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro um ano depois, Marie Louise também trabalhou na confecção de cenários. “Na época os autores não colocaram nem o nome do meu pai, nem o da minha mãe, porém se você ver o filme, verá que tem uma peça de um gramofone que ainda esta la em casa”, lembra-se Frederico Nery.

Porém é para as crianças que seu trabalho teve também um forte impacto. Nos anos 1970 produziu 150 bonecos utilizados na série de televisão “Sítio do Pica-Pau AmareloLink externo” e ilustrou livros infantis como “O cavalinho azul”, de  Maria Clara Machado e também de Vinicius de Moraes, Lygia Bojunga Nunes, Manuel Bandeira e Cecília Meireles.

Dos prêmios que recebeu ao longo da carreira, se destacam os prêmios Saci (1962), Molière (1964) e homenagem especial no Prêmio Shell em 2014Link externo, quando subiu ao palco já aos 90 de idade e foi abraçada pela atriz Renata Sorrah.

swissinfo.ch encontrou Thomas KaufmannLink externo, que produziu em 2007 um vídeo sobre Nery quando vivia no Rio de Janeiro. Era um projeto-piloto para a realização de um documentário que acabou nunca se concretizando. O documentarista suíço fala sobre suas impressões de mais de vinte encontros que teve com a cenógrafa suíça na sua residência em Copacabana.

swissinfo.ch: Por que e quando você fez esse documentário sobre a Marie Louise Nery?

Thomas Kaufmann: Foi quando vivi no Rio de Janeiro entre 2006 e 2008. Eu a conheci em uma ocasião informal e ainda não tinha planos de fazer um documentário sobre ela. Fiquei bastante impressionado pela sua pessoa e seu trabalho, especialmente depois de assistir uma homenagem feita a ela: a reapresentação da peça “O Dragão Verde” no Teatro Tablado em 2007, onde ela tinha também seus figurinos. Na première da peça, apresentamos o meu documentário em vídeo, que foi bastante aplaudido pelos presentes devido à sua importância para a cultura brasileira

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swissinfo.ch: Ela foi uma das primeiras mulheres a trabalhar no Carnaval no Rio de Janeiro, um reduto tradicionalmente machista. Qual a impressão que você teve dela?

T.K.: A Marie Louise Nery era uma pessoa com uma personalidade muito forte e que não pensava muito na questão de ter sido uma mulher ativa em um meio onde havia tão poucas mulheres como as Escolas de Samba. Ela foi aceita no seu meio, pois tinha visões e um trabalho bastante estruturado. Acho que a maior contribuição dela e de seu marido, o Dirceu da Câmara Nery, nos anos 1950 e 60 para o Carnaval foi ter dado uma visão de conjunto à apresentação figurativa de uma escola de samba. Pois antes não havia ainda essa unidade.

swissinfo.ch: Ela era conhecida na Suíça e tinha contatos na Suíça?

T.K.: Não, ninguém a conhecia. Ela emigrou para o Brasil nos anos 1950, onde teve então toda a sua carreira nas artes. O seu filho vive na Suíça e, portanto, ele visitava regularmente.

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Marie Louise Nery cortesia

swissinfo.ch: Você tinha um projeto de fazer um verdadeiro documentário sobre a Marie Louise. Por que não foi realizado?

T.K.: O vídeo que fiz era exclusivamente para a première no Teatro Tablado. Depois escrevi um projeto com a ideia de fazer o documentário. Assim nos encontramos várias vezes. Porém o projeto acabou não dando certo por falta de apoio e parceiros. Eu acho que esse projeto teria uma chance de ser realizado, porém ainda não pensei concretamente nisso. O fato é que tenho bastante material gravado.

swissinfo.ch: E como ela reagiu ao interesse de ser tema de um documentário?

T.K.: Ela foi muito aberta. Primeiramente ficou muito satisfeita de ver o interesse que tinha nela. Por isso contou bastante sobre o seu trabalho, a sua vida e seus pensamentos. Quando eu e o Eloy Machado começamos a fazer o vídeo, ela nos recebeu mais de vinte vezes em sua casa e nos encontramos também na Suíça. Ela nos mostrou seu álbum de fotografias, suas lembranças e outras coisas.

N.R.: biografiaLink externo de Marie Louise Nery no portal do Abrace.

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