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A história escondida da Universidade de Zurique

Scientifique avec un casque colonial entouré d indigènes malais
O reitor da Universidade de Zurique, Alfred Ernst (usando um chapéu colonial) em uma "viagem de estudo botânico" ao arquipélago malaio. Fotoalbum Studienreise Alfred Ernst, 1905-1906, Deutsche Marineexpedition 1907

Em Zurique, por muito tempo as pesquisas se voltaram para o “aperfeiçoamento da raça branca”. A universidade tem dificuldade em aceitar esse confronto com o passado. 

Na Universidade de Zurique, antropólogos, médicos e biólogos realizaram pesquisas voltadas para higiene racial e eugenia. Inúmeros cientistas se aproveitaram em suas pesquisas das estruturas coloniais de dominação. Pascal Germann, historiador da medicina na Universidade de Berna, direcionou suas pesquisas principalmente ao Instituto de Antropologia de Zurique. “O instituto se tornou um centro mundial de pesquisa racial no início do século XX”, declara o pesquisador. 

Mentalidade eugênica  

O instituto tornou-se conhecido sobretudo por seus métodos e instrumentos de medição, que tiveram sucesso mundial de exportação. Esses instrumentos podiam ser usados para determinar o tamanho do corpo, a circunferência do crânio ou ângulos faciais. “Essas medições frequentemente eram humilhantes”, observa Pascal Germann. “Os manuais de estudo, por exemplo, exigiam que os sujeitos de teste estivessem completamente nus”. O desenvolvimento e teste desses métodos e instrumentos de medição se deram nas colônias europeias. Por exemplo, na Nova Guiné Alemã, onde o antropólogo de Zurique Otto Schlaginhaufen foi acompanhado por soldados alemães em suas expedições de medição. 

Otto Schlaginhaufen encontrou aliados influentes na Universidade de Zurique para promover a pesquisa sobre eugenia. “O botânico Alfred Ernst, que se tornou reitor da universidade em 1928, desempenhou um papel importante”, afirma Pascal Germann. Alfred Ernst também realizou pesquisas nos territórios coloniais do sudeste asiático, onde se beneficiou das infraestruturas do imperialismo holandês. 

Cursos de estudos raciais

Alfred Ernst e Otto Schlaginhaufen estavam entre os cofundadores da Fundação Julius Klaus em 1922. Na época de sua criação, o patrimônio da fundação era maior do que o orçamento anual da universidade. Os estatutos estipulavam que as reformas de higiene racial deveriam ser iniciadas para o “aperfeiçoamento da raça branca”. Segundo Pascal Germann, isso ilustra como o eugenismo universitário estava frequentemente ligado a “ideias de racismo colonial”. Até a modificação do estatuto em 1970, quatro outros reitores da universidade foram membros da Fundação Julius Klaus, que ainda existe. 

Des scientifiques des anciens temps sur le pont d un bateau.
Otto Schlaginhaufen (canto superior direito) em uma expedição científica. Schlaginhaufen, 1959

A Universidade de Zurique ofereceu um curso de estudos raciais até 1979. “Surpreendeu-me que quase não houvesse vozes críticas na universidade até os anos 60”, diz Pascal Germann. Foi somente então que a aceitação dos estudos raciais começou a diminuir na Suíça. “Não houve um embate verdadeiro ao tema até os anos 90”. Atualmente, o instituto está muito aberto à perspectiva de confrontar sua própria história, mas as pesquisas sobre o envolvimento colonial dos pesquisadores de Zurique apenas começaram. 

Poder inquestionável

Não seria então o caso de um esquecimento proposital da própria história colonial, ou seja, uma amnésia colonial? Para determinar isso, é importante entender como funcionam as culturas da memória. “Especialmente porque a memória também tem muito a ver com o poder”, explica Ana Sobral, professora de literatura mundial no departamento de inglês da Universidade de Zurique. A professora também se interessa pelo pós-colonialismo, que reivindica a reconstrução de uma história dos “outros”, uma vez que a história ensinada no Ocidente é profundamente distorcida por ideias eurocêntricas. 

Além disso, as estruturas de poder colonialistas ainda vigentes devem ser desmascaradas. O encobrimento de sua própria história colonial se deve ao fato de que as condições econômicas daquela época não simplesmente desapareceram. “As injustiças que vemos hoje vêm do período colonial e estão intimamente ligadas ao capitalismo – há uma enorme continuidade”, explica Ana Sobral. Ainda hoje, o que não se encaixa na sua narrativa é marginalizado. “Aqueles que são poderosos não querem ser questionados”. 

Esquecer ao invés de corrigir 

“As universidades se preocupam, antes de tudo, com sua própria preservação”, avalia Ana Sobral. É por isso que as instituições tendem a não propor certos questionamentos. Elas simplesmente têm outras prioridades, afirma, motivadas por certas noções de sucesso, tais como rankings universitários. “Quando alguém quer mudar alguma coisa, sempre se depara com um certo conservadorismo. A Universidade e o Instituto Federal de Tecnologia de Zurique dão ênfase à sua inovação e abertura. Mas, ao mesmo tempo, frequentemente reagem com resistência às críticas que não lhes convêm no momento”, explica Ana Sobral, que avalia que os alicerces profundamente enraizados das instituições as tornam passivas e inflexíveis. 

No entanto, criticar apenas as instituições e considerá-las exclusivamente responsáveis seria muito simplista. “A memória coletiva das nações também tende a destacar momentos de triunfo e a esquecer momentos de vergonha”. É assim que na Suíça, por exemplo, a imagem de um país neutro, que não deseja ter sido uma potência colonial, criou raízes. “Mas a Suíça nunca foi neutra e certamente se beneficiou do colonialismo”. Para mudar, acredita Ana Sobral, é necessária uma pressão externa. Um exemplo é o busto do eugenista Auguste Forel, que foi removido em 2006 devido à pressão dos estudantes. 

Para Ana Sobral, contudo, o importante não se passa na universidade, mas na sociedade. Pois o conhecimento universitário nem sempre é difundido. O busto do Forel desapareceu da entrada da universidade sem qualquer contextualização percebida pelo público. Assim como a memória da história de Forel, a cadeira de Ana Sobral será abolida no final do semestre de outono de 2020. Isso também reduzirá significativamente a gama de estudos pós-coloniais oferecidos pelo departamento de inglês. 

Adaptação: Clarice Dominguez

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