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A língua alemã não é mais obstáculo para se ir ao teatro

Palco com legendas ao lado
Cena de "O Jardim das Cerejeiras" de Anton Tchekhov, em montagem da diretora Yana Ross (Letônia/EUA) - a peça faz parte da primeira temporada de espetáculos do Schauspielhaus com legendas em inglês. Zoé Aubry

O teatro municipal de Zurique recentemente introduziu legendas em inglês para todas as suas peças, com o intuito de atender à grande população de expatriados e ampliar seu alcance para além do público de língua alemã.


O Schauspielhaus Zurich é um dos principais teatros do mundo de língua alemã, e foi palco de produções de alguns dos maiores dramaturgos e diretores, de Bertolt Brecht a Christoph Marthaler.

“No entanto, essas grandes obras são limitadas pelo idioma, pois o alemão não é exatamente uma língua franca”, diz Barbara Higgs, diretora de captação e desenvolvimento do teatro, e responsável pela implementação das legendas em inglês.


Fatos & Números: Schauspielhaus

O Schauspielhaus Zürich, o maior teatro da Suíça, recebe anualmente cerca de 140.000 visitantes, organizando 500 eventos em cinco palcos diferentes em suas duas casas:

– Pfauen, o histórico teatro original, está localizado no centro da cidade, perto do Kunsthaus (Museu de Arte).

– Schiffbau, situado no moderno bairro de Züri West, em Zurique, foi inaugurado em 2000. O Schiffbau e o Pfauen juntos têm capacidade para mais de 1.500 espectadores.

O teatro já havia experimentado legendas em inglês há alguns anos, antes de decidir adotá-las como parte integrante de todo seu programa, estreando em setembro de 2019 com a moderna adaptação do diretor Nicolas Stemann do “Fausto – Parte I” de Goethe.

O potencial do público expatriado não pode ser subestimado: Zurique abriga 170 nacionalidades e 37% dos profissionais da cidade falam inglês no trabalho. Além disso, boa parte desses expatriados possuem alto valor aquisitivo, trabalhando nos setores financeiro e de tecnologia (o QG europeu da Google fica em Zurique, por exemplo).

O palco é diferente da tela 

No cinema, o processo de legendagem é relativamente simples: pega-se o roteiro, faz-se a tradução e depois é só anexa-la ao celulóide ou, ainda mais fácil hoje, ao arquivo digital do filme. No teatro, trata-se de uma operação trabalhosa que só termina quando acaba a temporada da peça.

“Primeiramente, há a tradução do script. Mas aí deve-se ter muito cuidado. Por exemplo, recentemente realizamos a montagem de “Vinhas da Ira” (Grapes of WrathLink externo), baseada no romance do americano John Steinbeck. O roteiro chegou até nós em alemão e tivemos que combiná-lo com o livro para usar o maior número possível de palavras originais da obra de Steinbeck”, explica Sinikka Weber, que dirige a operação de legendagem do Schauspielhaus.


PLACEHOLDER

Uma vez terminada a versão em inglês por um grupo de tradutores, há a questão técnica de como inseri-la na cena. Weber lidera uma equipe de sete profissionais que se revezam executando os slides das legendas ao vivo em todos as apresentações. Eles têm que acompanhar cada respiração dos atores no palco, e estar cientes de improvisações ou escapadas repentinas do roteiro.

+ Sinikka Weber discute os desafios artísticos das legendas com a diretora Yana Ross (em inglês) Link externo

Os operadores ao vivo do Schauspielhaus Zurich usam um sistema desenvolvido pela PantheaLink externo, uma empresa franco-alemã que é uma dos principais fornecedoras de legendagem para teatro e ópera na Europa. Atualmente, o software profissional de legenda da Panthea, chamado SPECTITULAR, está sendo usado em algumas das óperas e teatros de maior prestígio no continente, como a Opéra National de Paris, Volksbühne (Berlim), Berliner Ensemble, Burgtheater (Áustria) e o Festival d Avignon.

A demanda está aumentando, segundo David Mass, diretor da Panthea em Berlim. “Nenhum teatro ou festival que introduziu legendas em larga escala repensou sua decisão”, diz ele.  

Soluções individualizadas 

Questões técnicas à parte, os desafios linguísticos vão além. O que fazer quando partes do script estão em outro idioma estrangeiro, como o polonês ou o russo?

“Não podemos esquecer que o nosso público principal fala alemão, assim como os sócios do Schauspielhaus, por isso temos que levá-los em consideração”, diz Weber.

Dividir as legendas pode ser uma solução, mas, para David Mass, “o futuro será legendagem individualizada, oferecendo a  solução mais apropriada para cada espectador e suas preferências ou necessidades específicas. Estamos tentando integrar a tecnologia de ponta nesse processo”.

A ideia é ter telas individuais na frente dos assentos do teatro, como nos aviões, onde o espectador pode fazer sua própria escolha de tradução. Mas isso implica um investimento significativo.

Operadora de legendas em ação
Ação! Os operadores de legendas também precisam participar dos ensaios para se familiarizarem com cada ator Sinikka Weber

O Schauspielhaus investiu cerca de CHF 100.000 (US$ 102.000) em equipamentos (projetores, monitores de LED e software) para seus cinco palcos. Mas os custos para esta primeira temporada, do final de setembro até o final de 2019, superaram CHF 200.000, incluindo, além dos equipamentos, os custos de tradução e de pessoal.

Barbara Higgs explica que cada produção, com cerca de 25 apresentações, custa cerca de CHF 16.000 apenas em legendagem – um custo coberto por patrocinadores particulares, no caso a Fundação Hans Imholz e a International Music & Art Foundation.

David Mass observa que as reações negativas à legendagem vêm de um lado inesperado: cenógrafos e diretores de palco. “Às vezes, os cenógrafos são contra as legendas porque consideram isso como algo adicional ao seu design. Mas, especialmente quando as produções saem em turnê, seria lógico e muito útil integrá-las para que as legendas sejam facilmente legíveis. E você também pode brincar com elas e posicioná-las de maneiras geniais! ”

O mesmo se aplica aos diretores, que às vezes não veem que as legendas são a ponte que permite que um público estrangeiro acesse sua peça, acrescenta Mass. “Se essa ponte for fraca, toda a energia teatral criada entre o palco e o público poderá ser perturbada ou mesmo bloqueada”.

Nem todos os teatros que adotaram a legendagem consideram ainda os operadores de legendas uma parte nova e vital da equipe técnica, supostamente por causa de restrições orçamentárias. “Mas ninguém aceitaria sair em turnê sem seu próprio técnico de luz ou som”, diz Mass. “E se você observar o fato de termos cerca de 1.000 slides por show, é um grande risco – se não um erro estúpido – deixar essa tarefa importante para alguém que não é profissional ou que não conhece o programa.”

… e o público veio 

Nestes poucos meses de operação, Barbara Higgs considera um grande sucesso a operação de legendagem no Schauspielhaus.

“Muitos expatriados, estudantes internacionais e turistas apreciam nosso novo serviço”, diz ela. Mas também internamente no Schauspielhaus as legendas preencheram uma grande e antiga lacuna: o teatro recebe vários artistas ilustres em sua residência – dramaturgos, diretores, atores – de todo o mundo. Agora, diz Higgs, eles podem ver e entender o que seus colegas estão fazendo.

E um grupo Meetup de expatriados de Zurique foi recentemente formado, e conta já com cerca de 150 membros que vão juntos ao teatro (Schauspielhaus Theatre Lovers Zurich)Link externo

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