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Um teatro violento, contra a violência

Cena de teatro
Cena de "A Repetição. História(s) do Teatro (I)", uma das três peças de Milo Rau encenadas na Mostra Internacional de Teatro de São Paulo. Guto Muniz

Destaque da 6ª Mostra Internacional de Teatro de São Paulo (MIT SP), o suíço Milo Rau visita o Brasil pela primeira vez e encontra no Movimento Sem Terra mais um cenário para suas investigações políticas e sociais, base do seu teatro. Suas três peças selecionadas para o evento, embora inspiradas em acontecimentos reais em outros países, levam para o palco um dos principais assuntos da pauta brasileira: a violência.

Com “A Repetição. História (s) do Teatro (I)”, “Cinco Peças Fáceis” e “Compaixão. A História da Metralhadora”, Rau se debruça sobre casos de violência sem se ater à simples descrição dos fatos, preferindo explorar as maneiras como a violência é representada. 

Em outras palavras, ele se propõe a construir uma história da representação da violência para se tentar entender o como e o porquê ela se dá e se repete. “Isto é teatro para mim”, comentou o suíço que hoje é responsável pela direção artística de um dos teatros públicos mais importantes da Europa, o NT GentLink externo, na Bélgica.

E com essa visão ele passou a olhar com mais atenção para o Movimento Sem Terra no Brasil. Embora ainda de forma embrionária, o teatrólogo o tem estudando para entender as ações do movimento como forma de resistência. “Mas como uma prática real e não apenas como discurso”, reforça Rau, que enxerga a questão da disputa de terras ainda como um dos principais temas do século 21, além da questão climática e da imigração forçada, resultado, entre outras coisas, de guerras.

Embora afirme estar muito no início dos estudos sobre a tão complexa realidade da terra no Brasil, Rau diz ter a sensação de que no país há um avanço em relação ao problema em outros lugares do mundo, como na África, onde esse conflito territorial histórico está mais no discurso do que na ação em si, segundo ele. Rau vê nas milhares de ocupações de terra e nas décadas de luta do movimento brasileiro um cenário de resistência real que merece ser estudado e compreendido. 

Milo Rau em conversa com Wagner Schwartz
Milo Rau debateu seus conceitos de arte e política com o autor e coreógrafo Wagner Schwartz (ao fundo). Guto Muniz

“Esse é um grande movimento que temos de entender o que é e como estão fazendo, como sobrevivem há tanto tempo, como se dão essas práticas que se diferem da África ou da Europa pelo poder de ocupação”, comenta ele, acrescentando que nesses outros lugares ocupações de terra não seriam possíveis nem por “cinco minutos” – daí a percepção de Rau sobre a diferença entre o discurso e a prática. 

Diante da importância desse debate, ele gostaria de incluir o problema da ocupação de terra no Brasil como tema do seu trabalho em algum momento. “Estamos atentos em como a arte pode interferir e transformar a sociedade”, acrescenta Rau, que se diz interessado em descobrir práticas alternativas de solidariedade.

A disputa de terra e suas consequências já foram tema do trabalho de Rau, fundador do coletivo multimídia International Institute of Political Murder (Instituto Internacional de Assassinato Político), que chegou a criar em suas peças e documentários um júri para discussão do assunto, como em “O Tribunal do Congo”Link externo (2017). 

Nesse trabalho se discute a guerra que se estende na região dos Grandes Lagos, no Congo, que já matou milhões de pessoas por mais de 20 anos, e é resultado de suas pesquisas sobre a África Central, que começou com a peça “Hate Radio”, de 2011, quando levou aos palcos o genocídio de Ruanda, de 1994, novamente investigando essa relação entre política e violência, a partir de histórias reais.

Na MIT SP, Rau fez o público vivenciar em “A Repetição. História(s) do Teatro (I)” os detalhes do caso do jovem belga Ihsane Jarfi, recriando o seu assassinado sob tortura por outros jovens, só pelo fato dele ser homossexual. Em “Cinco Peças Fáceis”, Rau reproduz outro drama coletivo da Bélgica com a história de Max Dutroux, acusado de pedofilia e condenado por violência sexual e assassinato, em 2004. Já em “Compaixão. A História da Metralhadora”, o diretor faz o público se deparar com a crise dos refugiados e a complexa relação histórica, colonial e pós-colonial, entre Europa e África.

E com esses temas e sua linguagem própria de representação, Rau transforma o teatro em um local para se revivenciar esses conflitos, muito além do que se possa chamar de mimetização da violência. Ele se apropria do palco como uma arena multidisciplinar, onde os detalhes da vida real são transpostos para o universo cênico, extrapolando o fato em si e criando uma corrente de sensações capazes de direcionar os olhares dos mais diversos públicos para a reflexão e questionamento em torno de grandes tragédias humanas. Um local, como ele mesmo diz, que é muito mais que uma representação do mundo, mas um espaço para sua transformação.

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