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Suíço pesquisa passos do autor italiano Leonardo Sciascia

Leonardo Sciascia en 1987 AKG Images

A Suíça acolheu muitos intelectuais italianos perseguidos por razões políticas. O resgate da passagem de cada um deles pelo país envolve um longo trabalho de pesquisa.

“ Troppo Poco Pazzi, Leonardo Sciascia na livre e laica Suíça”, do professor Renato Martinoni, é um livro que percorre as visitas do escritor siciliano famoso pela sua obra literária e pelas posições pouco ortodoxas sobre as questões nacionais.

“Exploramos todas a vias percorridas por ele desde as relações humanas e intelectuais, além das viagens com as conferências e entrevistas”, explica à swissinfoch, o autor da obra. O grande escritor italiano Leonardo Sciascia encontrou no cantão do Ticino (sul da Suíça), ouvidos atentos para as suas polêmicas afirmações e denúncias sobre a máfia, a política, o terrorismo e o Estado. E 22 anos depois da sua morte, as palavras escritas e ditas em território suíço ainda são de atualidade.

Mesmo sem ter vivido no país, ele era um observador atento: “Eu acho que seja uma condição trágica dividir a cultura, além do idioma, de outros povos sem dividir a história. A Suíça divide a língua e a cultura dos povos alemão, francês e italiano mas não divide a história. E isto, nos melhores suíços que eu conheço, é um drama”, observou o escritor numa entrevista de 1974, vinte e três anos depois de ter ganho o prêmio literário suíço, “Libera Stampa”. Até então, Leonardo Sciascia  era um ilustre desconhecido.

A premiação o levou a estreitar laços de amizade e admiração com escritores e críticos da Suíça. E, através da troca de correspondência e entrevistas à mídia suíça, Leonardo Sciascia foi emitindo uma série de opiniões sobre  personagens da cultura na Suíça, além de criticar com maior liberdade e distância aspectos éticos, sociais e políticos do país natal. “Os prêmios literários quando são poucos podem ser bons e significantes, mas, como na Itália são 1.350, não significam mais nada”, diria ele em meados dos anos 70, numa entrevista radiofônica em Lugano.

Conexões intelectuais

Ele também afirmaria…”gosto muito de Graham Greene e Dürrematt, por mais paradoxal que possa parecer, acho esses dois escritores semelhantes. Eles dão um destaque à técnica narrativa do gênero policial. Em Greene tem a presença da graça, em Dürrematt me parece que exista a negação da graça. Para mim eles são dois escritores complementares. Dürrematt (1921-1990) me agrada muito. Sobretudo a obra narrativa, o teatro. Me interessa a técnica de Dürrematt, a sua maneira interessante de narrar. Conheço menos Max Frisch (1911-1991)” afirmaria ele ao jornal de Zurique, Tages-Anzeiger, em 1976.

O autor do livro, Renato Martinoni, identificou em “Justizie”, do escritor suíço,  a mesma preocupação de Leonardo Sciascia, na obra “Uma estória simples”, com o aparato burocrático e o conceito de ética. A justificativa de um crime que – sob o perfil humano é compreensível como única forma de restabelecer a própria justiça.

Suíça siciliana

Nas inúmeras visitas que fez à Suíça, quase uma por ano desde a premiação de 1957, Leonardo Sciascia acompanhou o processo de imigração da Sicília rumo aos Estados Unidos, ao norte da Itália e outros países da Europa. Numa carta ao círculo literário de Locarno, ele se lamentava do processo de mimetização do siciliano na sociedade suíça e em outras realidades. “ Isto torna tudo mais doloroso porque não implica apenas uma questão econômica,  mas de necessidade de liberdade e de dignidade”, escreveu ele.

O professor Renato Martinoni precisa à swissinfo.ch: “ Sciscia alude ao fato de que os sicilianos tentam se livrar da imagem negativa da máfia, e o fazem num esforço grande de integração no país anfitrião. Ainda que isto não seja, naturalmente, fácil e com o risco da perda da identidade”. A diversidade na Suíça acaba se transformando em riqueza cultural.  O autor do livro acrescenta ainda “que muitos sicilianos se sentem suíços e mesmo assim mantém uma relação com a terra de origem”.

E a provocação não terminava ali. Ele acrescentaria“ Posso dizer que antes a Sicília era uma metáfora do mundo. Mas, agora, é o mundo que  é uma metáfora da Sicília. Vai chegar o dia em que toda a Itália se transformará na periferia de Palermo”, dizia Leonardo Sciascia.

Do seu privilegiado ponto de vista, Leonardo Sciascia define os habitantes da Suíça de forma curiosa: “A Suíça é uma terra mais pobre do que a Sicília, mas alcançou um nível de bem estar que não sonhamos em ter. A Suíça é muito pouco maluca”, diria.

Trincheira literária

Leonardo Sciascia era uma espécie de advogado do diabo da sociedade italiana, enraizado na Sicília. Este papel de crítico o levaria tornar-se “persona non grata” nos salões do poder. Amado e odiado, o siciliano seguia na defesa das suas ideias através de livros como “ A Cada Um o Seu” e “ Il Giorno della Civetta”. Muitos deles foram transformados em filmes de sucesso e exibidos na Suíça. Seus livros foram traduzidos nos quatro idiomas nacionais

Certas palavras de Leonardo Sciascia foram proféticas. Há mais de vinte anos explicava a razão do abandono do seu cavalo de batalha, a luta contra a máfia, ao microfone da RSI, em 23 de maio de 1988, em Lugano.

 “Eu me interessei pela máfia porque era um fenômeno siciliano e o governo, oficialmente, negava a existência; poucas pessoas se davam conta do que fosse aquele fenômeno. Hoje, todos sabem o que é máfia, todos lutam contra a máfia, até mesmo aqueles que se interessam pela sua sobrevivência estão disponíveis para chamarem-se de antimafiosos”, disse Leonardo Sciascia.

O livro é fruto do trabalho de alguns colaborares junto com o professor Renato Martinoni. Ele foi escrito entre os anos de 2009 e 2010.

Entrevistas radiofônicas e para a televisão estão em um dvd, junto com o livro.

As primeiras obras de Leonardo Sciacia publicadas em alemão foram editadas na Suíça. Assim ele também ficou mais conhecido nos países vizinhos, Alemanha e Áustria.

O escritor acompanhava os sicilianos imigrantes com muita simpatia e torcia para que eles encontrassem uma estrada, sem volta rumo, a emancipação social e econômica. Era solidário com quem ganhava o dinheiro de forma honesta.

A língua alemã e o idioma francês eram uma barreira difícil para o siciliano na Suíça.

A Suíça entendeu mais as mensagens de Leonardo Sciascia sobre a máfia e a organização criminosa e menos sobre as questões politicas, na época, entre outros, o caso Aldo Moro.

A publicação de entrevistas de Leonardo Sciascia em jornais de peso como o Neue Zürcher Zeitung prova como a presença e as suas palavras eram importantes para os leitores.

A questão do sul sempre foi alvo de estudos apurados por parte dos pesquisadores helvéticos com releação a imigração italiana, em particular, aquela siciliana.

O livro foi publicado pela editora Leo S.Oschki.

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