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De Aracuí a Monthey, passando por Turim e Veneza

Roberto Camatta e os garotos deste ano. swissinfo.ch

A paixão pelo futebol trouxe o capixaba Roberto Camatta à Europa, onde viveu 33 anos. Depois de ser jogador profissional e técnico, ele regressou à sua terra natal em 1995.

Hoje curte seu sítio, relembra com nostalgia o passado e critica a “modernidade”.

Quase 10 anos depois de regressar ao País, o sexagenário – natural da pequena Aracuí, município de Castelo, no Espírito Santo – fala com emoção de sua terra, “região bonita, perto das montanhas” e, em particular, do pico do Forno Grande, com seus 2089 m.de altitude.

Ele relembra, com nostalgia de sua juventude, dos banhos de rio, “onde havia jacarés e muitos peixes”, da pesca de cascudo e de seu avô, Firmiano, uma personagem aparentemente incontornável.

Seu Firmiano era dentista, “que aprendeu muita tecnologia da Europa”, cuidava do gado, fabricava uma aguardente de cana “muito boa” – a “Lousada”, que foi até premiada – e, principalmente, projetava filmes quando ainda não existiam cinemas na região.

O avô índio

“Na época, diz Camatta, de Cachoeiro (terra de Roberto Carlos) a Muniz Freire – cidade para além de Castelo – não havia cinema. Era meu avô quem passava filmes, inclusive no depósito de café de que era proprietário:as poltronas eram um saco de café para cada pessoa”.

E recorda suas primeiras emoções cinematográficas com películas de Tarzan, Charles Chaplin… “lembranças formidáveis”.

Mas o maior orgulho de Camatta, parece ser a origem indígena de seu vovô Firmiano. Gosta de dizer que tem sangue índio, embora pudesse passar por um italiano. (Ele tem também origem italiana, como seu sobrenome indica). E admira, em particular, o conhecimento da natureza que lhe foi transmitido pelo seu antecessor. Natureza que é hoje seu refúgio.

O impacto do regresso

“Tinha muita saudades do Brasil para onde regressei com a idéia de reencontrar as coisas de que gostava. Mas encontrei muito pouco do que pensava. A única coisa (que não decepciona) é a natureza”, diz o capixaba.

Roberto constata que a volta foi mesmo dura, ou melhor, verificou que entre o sonho e a realidade vai uma longa distância. Ele buscou em vão a alegria de viver, o carnaval de sua juventude, com blocos de rua, e “nossa música” – marcha, frevo, samba – dançada em salão.

“Aquele espírito que se tinha, praticamente não existe mais”, observa, rejeitando com horror os trios elétricos “que só tocam música americana, geralmente na praia”.

Festas “com nossas músicas” praticamente não existem mais, lamenta. E o som está sempre “numa altura insuportável”, se questionando se valeu sair da (tranqüila) Suíça para escutar tanto barulho.

Com alívio reconhece também que começa a haver uma conscientização quanto à necessidade de preservar a música brasileira. Até porque, realça, um povo tem que ter identidade. E o denominador comum de todo brasileiro, que criou emoções enormes, “foi a nossa música e nosso futebol”.

Estudos no Rio de Janeiro

Falar de futebol e de outros esportes “em decadência” é abrir uma outra ferida em Camatta. Ele se lembra – nos velhos bons tempos – dos dois clubes de futebol de primeira divisão que eram o orgulho de uma região (Castelo e Comercial) e que desapareceram.

Não existe um único clube na cidade, exclama o ex-jogador. Isso, no Brasil, “país do futebol e do esporte”. Achando espantoso também não haver nenhuma equipe de basquete ou de vôlei…

“Na minha época”, jogavam-se basquete, voleibol masculino e feminino, além do futebol. Hoje, em compensação, têm as peladas e muita cerveja, diz com ironia: “A nossa tv diz que futebol sem cerveja não pode existir”.

Em todo o caso, foi levado pela paixão do esporte que, uma vez terminado os estudos secundários, Roberto se mudou para o Rio de Janeiro para fazer carreira. A medicina lhe interessava, mas optou pela educação física.

Mais tarde, “graças aos treinamentos feitos em Castelo” – banhos de rio, vôlei, basquete e futebol… – conseguiu ser campeão de futebol universitário e chegou a ser convocado para a seleção olímpica de 1960. Mas a ida a Roma não deu certo.

Do Rio a Veneza e à Suíça

Começa então a jogar no Botafogo, sendo transferido em 1962 para o AC Torino e depois para o AC Veneza. Teve, porém, o infortúnio de quebrar o pé.

Em 1966, tem 3 opções de clubes – na Áustria, França e Suíça. Opta pela Suíça, onde joga em Martigny, Monthey e Montreux.

Passa então da condição de profissional a semi-profissional, trabalha em educação física e chega mesmo a criar uma filial de seguros que deu um bom dinheiro.

Sua paixão não deixou, porém, de ser o esporte e o futebol em particular, continuando a aplicar seus métodos de treinos que suscitavam curiosidade, estranheza e … adesão.

O refúgio

Hoje aplica seus métodos apenas aos garotos que participam do estágio que organiza há 25 anos nos Alpes suíços. O resto do tempo passa em sua fazendinha de seis alqueires, no fundo de um vale, onde plantou 1500 árvores nativas – mogno, cedro, três tipos de ipê, pau-brasil, pau-ferro, pau-farinha, cabiúna… – e umas duzentas árvores frutíferas.
Tem gado, tem cavalos, tem galinhas e tem cinco lagoas para as quais “os jacarés vieram sem que eu chamasse”.

Roberto Camatta diz ter o maior prazer em ocupar-se dos animais e particularmente de estar em contato com a natureza porque ela não o desilude. “Gasto mais que ganho, mas compensa as coisas que procurei no Brasil e não encontrei”, diz o desabusado capixaba.

swissinfo, J.Gabriel Barbosa

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