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De Genebra a Tunis para reclamar justiça

14 de janeiro de 2011. O primeiro ministro Mohammed Ghannouchi (ao centro) anuncia a fuga de Ben Ali. Então presidente do Senado, o "açougueiro" Abdallah Kallel (à esquerda) observa. Keystone

Abdelnacer Naït-Liman, refugiado na Suíça, viajou quarta-feira (26) para Tunis onde vai apresentar queixa na justiça contra seu algoz, o ex-ministro do Interior.

Essa será a primeira queixa penal contra um alto responsável do sistema de repressão desde a queda de Ben Ali em 14 de janeiro.















Ele apareceu na primeira imagem anunciando a queda de Ben Ali. Em todas as televisões do mundo, ele estava, como presidente do Senado, ao lado do primeiro ministro Mohammed Ghannouchi quando este anunciou a fuga do ditador, dia 14 de janeiro.

Um homem baixo de aspecto austero, de óculos, que todos os tunisianos apelidam “o açougueiro”. No final de semana passado, Abdallah Kallel, o ex-ministro do Interior foi colocado em prisão domiciliar, sob a pressão da rua.

 

Nos porões do Ministério do lnterior

Nos próximos dias, haverá uma queixa da justiça tunisiana contra ele, por tortura e lesões corporais graves cometidas quando era ministro do Interior entre 1991 e 1995.

Trata-se do primeiro processo penal lançado desde o fim do regime de Ben Ali, contra um dos altos responsáveis do aparelho de segurança tunisiano. A queixa será apresentada por Abdennacer Naït-Liman,

vítima direta e refugiado na Suíça desde 1995. Ele já está em Tunis para tratar do caso com seus advogados.

“Kallel é o idealizador e principal ator da repressão sanguinária contra o movimento Al Nahda (ndr: movimento islâmico moderado), desde o início dos anos 1990 na Tunísia. Ele institucionalizou a tortura no país, juntamente com Ali Seriati, responsável da segurança presidencial. Mais de 35 mil prisioneiros sofreram sevícias bárbaras durante esses anos nos porões do Ministério do Interior em Túnis, com quase uma centena de mortos.”

Torturado durante 40 dias

O próprio Naït-Liman ficou preso no Ministério do Interior em 1992. Acusado de estar ligado a “movimentos terroristas”, ele foi extraditado da Itália para a Tunísia onde foi “interrogado” durante 40 dias.

“Eles me levaram do aeroporto para o Ministério do Interior”, recorda. “Lá, fui conduzido à “sala de operação”. Havia manchas de sangue por todo lado, cabelos e pedaços de pele estavam colados nas paredes. Eles tiraram minha roupa. Como eu resistia, me deixaram de calção, depois me colocaram na posição do assado. As mãos ficam presas entre os braços amarrados, passam um bastão abaixo dos joelhos e colocam entre duas cadeiras. Tacos de beisebol e outros castigos não me forçam a falar.”

Dentro do avião que o levou para Tunis, Naït-Liman ouvia dois agentes de segurança falar do “patrão” que aguardava a confirmação de sua detenção. O nome de Kallel era pronunciado.

A fuga para Genebra

Em 2001, quando conseguiu asilo na Suíça, o antigo prisioneiro deu queixa em Genebra contra esse mesmo Kallel, que esteve hospitalizado em Genebra. “Foi um tunisiano que trabalha no Hospital Cantonal de Genebra que me avisou. Kallel estava no 9° andar, reservado aos doentes VIP, com outra identidade e um falso passaporte diplomático. Ela não era mais ministro. Trabalhamos rapidamente com Eric Sottas, da Organização Mundial Contra a Tortura (OMCT) e o advogado François Membrez (vice-presidente da TRIAL), para preparar o dossiê, entregue dia 14 de fevereiro no escritório do Procurador Geral Bernard Bertossa.”

No mesmo dia, um mandado de prisão foi expedido contra Kallel, mas ele havia fugido no meio da noite, com a ajuda da embaixada da Tunísia.

“Não sou o único que quer dar queixa, mas na confusão atual, muitos tunisianos exilados ainda não têm os documentos necessários para voltar ao país. Eu sou naturalizado suíço, por isso posso viajar rapidamente: temos um grande receio que ele escape novamente.”

A justiça tunisiana expediu um mandado internacional de prisão contra o ex-presidente Zine El Abidine Ben Ali e sua exposa Leïla Trabelsi, anunciou quarta-feira (26/01) o ministro da Justiça Justice Lazhar Karoui Chebbi.

Zine El Abidine Ben Ali está atualmente refugiado na Arábia Saudita.

Fevereiro de 2001 : queixa penal por lesões corporais graves de Naït Liman contra Abdallah Kallel, que estava em território suíço, em Genebra.  

Julho de 2004 : queixa na justiça de de Naït-Liman, com apoio de TRIAL, para obter de Kallel e da Tunísia indenização por perdas causas por tortura. O tribunal de primeira instância e, posteriormente, a corte de justiça julgam o pedido inviável.

Naït-Liman recorre ao Supremo Tribunal  Federal que rejeita o recurso em 22 de maio de 2007.

 Novembro de 2007 : TRIAL apresenta queixa à Corte Europeia de Direitos Humanos contra a Suíça, por violação do artigo 6 § 1 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, que garante o direito de acesso a um tribunal para garantir direitos de civis.

Dezembro de 2010 :  a Corte Europeia de Direitos Humanos pede à Suíça que responda às exigências formuladas.

Adaptação: Claudinê Gonçalves

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