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Portugueses da mesma vila vêm há anos trabalhar na lavoura

A colheita de morangos é uma das principais tarefas dos portugueses de Pia na Suíça. Keystone

Em Pias, ninguém sabe precisar o primeiro ano em que partiram as primeiras pessoas da terra para trabalhar na Suíça, especificamente em Sion, cantão do Valais.


Têm consciência de que os primeiros “abalaram” há muito tempo, transmitindo sempre uma grande admiração quando se apercebem de que não têm conhecimento sobre esses tempos longínquos, espelhados na maneira como nos diz Teresa Pazes, acerca desta rede de migração, que existe há “20 e tal anos ou mais!”

Por seu lado, conversámos com Stéphane Dessimoz, da BioFruits, que recebe pessoas de Pias sazonalmente mas, também, começa a empregar algumas pessoas a tempo integral. Stéphane recorda que, sensivelmente, entre os anos de 1978 e 1980 começaram a receber as primeiras pessoas de Pias, numa companhia que não se chamava BioFruits. Essa relação surgiu por um mero acaso, tendo começado a empregar essas pessoas, incentivados por portugueses igualmente oriundos de Pias, trabalhando já, à época, na Suíça.

O presente: como se organizam

Os nossos três entrevistados explicam de igual forma as várias etapas para conseguirem partir para Sion com um lugar de trabalho assegurado. Segundo Ana Bexiga, o processo consiste em, “telefona(-se) para lá (Suíça), para o patrão dizer se faz conta com a gente. Depois, o pessoal vai telefonando a partir do mês de Março. Depois, ele manda uma folha com o nome do pessoal e fica uma pessoa responsável para avisar em que dia vamos embora e se estamos na lista ou não”. No ano de 2014 foram cerca de 80 pessoas durante um mês, aquelas que permaneceram por uma temporada maior, cerca de 6 meses, foram aquelas que “vão há mais tempo”. Teresa Pazes e Bento Ventura, referiram-se ao autocarro que vem directamente da Suíça para transportar as pessoas que vão trabalhar, sendo uma viagem paga pela empresa e a outra pelos trabalhadores. Cada pessoa é avisada acerca do dia e hora de partida com, pelo menos, dois dias de antecedência porque “são necessários para organizar as malas”, diz-nos Teresa Pazes.

A empresa BioFruits

A Biofruits é uma sociedade anónima que alberga nove produtores da região de Valais Romand. Ocupa-se, essencialmente, da produção e comercialização de frutas e legumes biológicos, tais como: maçã, pera, ameixas secas, uvas de mesa, morangos, espargos, entre outros. A escolha pela produção e comercialização de produtos biológicos prendeu-se, sobretudo, pela necessidade de colmatar essa ausência na grande distribuição.

Nas instalações, os processos são bastante automatizados e, isso, trouxe-lhes uma maior flexibilidade nas fases de acondicionamento e triagem dos produtos. A empresa emprega cerca de 20 pessoas ao longo do ano, nos departamentos de acondicionamento e administrativo. No entanto, os trabalhadores sazonais para trabalharem nas colheitas são cerca de 100. Os seus produtos são todos vendidos na Suíça, embora importem damascos biológicos de um produtor suíço que vive na região de Pias. A possibilidade de venderem os seus produtos em Portugal não se lhes apresenta interessante, mesmo tendo em conta de que os suíços a viverem no país poderiam servir como forma de divulgarem os seus produtos, porque os preços de venda ao público tenderiam a ser elevados.

A ida: os sentimentos

Curiosamente, os sentimentos que assolam os nossos três entrevistados são diferentes, embora, tal como todos reconheçam, a saída é sempre fortemente motivada pela falta de oportunidades na região, onde o desemprego é elevado e o envelhecimento da população é galopante.

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No caso de Bento Ventura, a sua experiência iniciou-se há dois e “foi fácil, não custou nada.”. Entrou em contacto com a pessoa suíça que se disponibilizou em recebê-lo. Para ele, “basta ter apetite e ir, e, (também), arranjar patrões que deem trabalho para a gente”. Ana Bexiga não partilha da mesma facilidade, assumindo que “não sabe se teria ido, caso tivesse trabalho em Pias.”. Quando partiu pela primeira vez há oitos anos, estava “mais animada mas a segunda vez já não”. Para ela tem sido um processo complicado pela relação afectiva que mantém com a sua casa, terra e o seu filho, que durante esse período vive com os avós, em Pias. Devido a essa dificuldade crescente, optou por trabalhar de forma contínua durante os meses que passa na Suíça, não voltando a Portugal em férias para que não sentisse, novamente, dificuldade em partir. Após oitos anos de trabalho em França, igualmente na agricultura, Teresa Pazes sentiu curiosidade em experimentar trabalhar na Suíça e empreendeu esse projecto há dois anos, tal como Bento. Nesta fase em que se encontra, com “a vida mais organizada e as filhas já crescidas”, admite que o dinheiro que recebe ajuda na economia familiar, mas a experiência de vida é muito importante também, por isso, “espero ir enquanto puder”.

A estadia na Suíça

Todos são convictos em responder que foram bem recebidos na Suíça, apesar de não terem a disponibilidade para conviver um pouco mais com a comunidade local, devido aos longos horários de trabalho e por estarem afastados de Sion, e porque apenas trabalham portugueses no campo. Contudo, Ana Bexiga confidencia que “eles até se dão com a gente. É mais pela língua”. Nesse aspecto, Teresa Pazes reconhece que não sente demasiadas dificuldades em se integrar, particularmente quando vai a Sion às compras, porque domina suficientemente o francês para comunicar. Bento Ventura, compara a ausência de convivência com o que acontece em Pias em relação à comunidade romena imigrante que trabalha nos olivais, dizendo que as pessoas em Pias só cumprimentam-nos cordialmente, “A coisa é praticamente igual”. Stéphane Dessimoz reconhece que esses períodos curtos e intensos de trabalho não permitem uma grande integração, tanto na Biofruits como na comunidade em geral. No entanto, assume que em relação aos trabalhadores portugueses a tempo inteiro, a interligação é bastante boa.

O domingo à tarde é o único momento da semana em que estão de folga, aproveitando para preencher essas horas em diversas tarefas. Curiosamente, a forma como os três ocupam esse tempo é bastante diversa, explicitando as realidades distintas entre todos, havendo apenas um ponto comum: a ida semanal às compras. Ana Bexiga, que reside com o seu marido, diz-nos que ao “domingo vou para a das minhas cunhadas”, que vão busca-los para passear e estarem em família. No caso de Teresa Pazes, que vai igualmente com o marido mas não tem família lá, passa o domingo nas lides domésticas, a descansar, a ler “e pronto, está o domingo passado para segunda irmos trabalhar”. Por seu lado, Bento Ventura é solteiro e partilha o alojamento com outros homens, o que proporciona disfrutarem do dia de folga duma forma diferente, “bebemos uns copos com a malta além na cozinha”, indo também às compras a Sion, “entretemo-nos lá um bocado e voltamos para trás.”.

Na opinião de Stéphane, as pessoas continuam a ir trabalhar para a companhia porque estão satisfeitas com as condições oferecidas, que, segundo ele, são as exigidas pela lei suíça para trabalhos agrícolas. Contudo, reconhece que é difícil encontrar mão de obra sazonal suíça. As opiniões dos nossos entrevistados corroboram a visão de Stéphane, reconhecendo que o trabalho “é um bocadinho mais exigente lá do que aqui (Portugal)”, isto devido às horas trabalhadas. Por esse motivo, Bento Ventura admite que “às vezes satura, tantas horas. Mas, a gente, já que estamos a dois mil km da nossa povoação, do nosso país, metemos na cabeça e vamos-lhe dando.”.

O amanhã

Na perspectiva de Stéphane Dessimoz, devido aos problemas que Portugal atravessa, muitos dos portugueses estão inclinados para tentar obter residência permanente na Suíça. Curiosamente, todos os nossos entrevistados responderam em sentidos semelhantes perante essa possibilidade: todos preferem continuar a fazer trabalho sazonal em vez de buscarem um emprego permanente na Suíça.

Ana Bexiga, Teresa Pazes e Bento Ventura, olham para o futuro da região com a crueza de quem tem de partir. Percebem que não há futuro ali, se continuar tudo da mesma forma. Teresa e Ana, gostariam que os seus filhos tivessem um futuro risonho na região, mas não parecem convictas disso. Por isso, esta rota de migração tenderá a manter-se no futuro, por ser a forma de colmatar as necessidades reais das pessoas.

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