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Democracia direta Suíça ou direitos civis como “agradáveis”

Stimmbürger in einem Stimmlokal, die Kabinen sind mit blauen Vorhängen vor Blicken gesichert
Zwei voll, eine leer: Die Kabinen in einem Abstimmungslokal in Lugano im Kanton Tessin stehen für eine hohe Beteiligung der Schweizer Stimmenden bei einer verständlichen Vorlage. Wie jener 2016 zur Sanierung des Gotthard-Strassentunnels. © Keystone / Ti-press / Benedetto Galli

Eles não só estão fortemente sub-representados nos órgãos políticos, como também participam em votações com menos frequência do que os seus "grupos contrários": mulheres, trabalhadores com baixos salários, pessoas com pouca educação e, sobretudo, pessoas mais jovens. Como resultado dessa autocensura, os interesses políticos dos "ausentes" no processo democrático permanecem inauditos. O cientista político Sandro Lüscher explica.

O artigo faz parte da plataforma #DearDemocracy, a plataforma da swissinfo.ch para a democracia direta. 

Foi uma luta árdua de décadas, que também teve lugar no solo ensanguentado de uma guerra civil – a “Sonderbundkrieg” de 1847 (uma guerra civil na Suíça que durou de 3 a 29 de novembro de 1847, e foi o último conflito militar em solo suíço. Como resultado, a Constituição Federal de 12 de setembro de 1848 unificou a Suíça de uma confederação de estados para um Estado Federal). A partir daí houve a introdução dos direitos civis e, com isso, da democracia direta na Suíça.

Hoje, nenhuma outra democracia no mundo oferece aos seus cidadãos direitos de participação política tão abrangentes como a Suíça. O destaque: em 2016, a renovação do túnel rodoviário do Gotardo atraiu 63,5% dos eleitores suíços às urnas. O ponto mais baixo: em 2018, 34,6% dos eleitores suíços participaram da votação sobre iniciativa do “dinheiro total”, o que nem mesmo os iniciadores conseguiram explicar.

“A democracia direta é a expressão romântica desta fé inabalável na racionalidade política dos cidadãos.”

Em média, menos da metade dos quase cinco milhões e meio de eleitores se esforçam para dar seu voto nas urnas. Uma das razões: a complexidade de um projeto de lei e a participação estão inter-relacionadas. Por isso, está mais do que na hora de olhar mais de perto este contexto, anteriormente negligenciado.

Democracia participativa

A Suíça é uma democracia leiga. Assim como o padeiro da aldeia tem uma palavra a dizer sobre o regime fiscal das empresas, o cientista da computação também pode decidir se os agricultores com vacas com chifres devem receber francos adicionais do Tesouro Federal, ou não.

Sobre o artigo

É uma versão resumida da tese de mestrado, que o autor apresentou ao professor Daniel KüblerLink externo e a docente Thomas MilicLink externo do Instituto de Ciências Políticas da Universidade de ZuriqueLink externo, no início deste verão. O trabalho completo pode ser visto na biblioteca do Instituto.

Da metodologia 

Foram utilizados dois indicadores para calcular a complexidade de um projeto de lei: por um lado, a percepção da complexidade individual dos eleitores e, por outro lado, a relação entre votos em branco e todos os votos válidos nas urnas. Esta última é considerada uma medida indireta de sobrecarga. Por razões metodológicas, foi avaliado apenas o projeto de lei com o maior número de votos por escrutínio.

O que por vezes provoca maneados de cabeça no exterior é uma convenção na Suíça. A democracia direta é a expressão institucional e, melhor dizendo, romântica desta crença na racionalidade política dos cidadãos.

A estreita ligação de confiança entre os cidadãos e o Estado é um pré-requisito para o funcionamento de um sistema político democrático de base.

Entre reinvindicação e sobrecarga

Mas, em tempos de crescente complexidade, o eleitorado ainda está em posição de formar uma opinião equilibrada e diferenciada sobre as questões de votação, com base na informação disponível?

Seriam as baixas taxas de participação talvez sintomas de uma sobrecarga, provocadas por um mundo cada vez mais complicado? E esta sobrecarga afeta mais certos grupos populacionais do que outros?

Estas questões abordam um dos problemas centrais das democracias contemporâneas: é o fosso entre a realidade do regime democrático e as exigências que lhe estão subjacentes.

Expresso em números: no século 20, a afluência às urnas foi maioritariamente decrescente. No início da década de 1980, no seu ponto mais baixo, ainda era de 42%, em média. Desde então, recuperou ligeiramente e situa-se atualmente nos 45% – números desejáveis parecem bem diferentes.

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Quanto mais complexo, mais baixa a participação?

A participação dos cidadãos no processo político é o ideal democrático básico. Mas a participação pressupõe que se compreenda o conteúdo e que se possa formar a própria opinião, com base nos vários argumentos e posições.

Se, no entanto, as propostas de votação são tão complexas e tão entrelaçadas no seu conteúdo, e escritas numa linguagem que nem mesmo os mais expertos conseguem compreender, então é compreensível que a democracia seja ameaçada com a saída dos cidadãos.

Mas há um truque simples: os cidadãos podem recorrer ao político ou ao perito, ao comité ou ao partido em que confiam, e adotar a sua palavra de ordem. Isto, partindo-se do princípio de que eles já sabem o que é bom.

Muito mais provável, no entanto, é que o eleitor não vá mesmo participar na votação, se ele é dissuadido por um projeto de lei. De fato, como mostra o segundo gráfico, existe uma ligação entre o grau de complexidade de um projeto de lei e o número de votos expressos.

Conteúdo externo

Quanto mais complexa for uma votação, maior será a probabilidade de uma baixa participação. A correlação significativa continua a existir, mesmo que se leve em conta outros fatores como a intensidade das campanhas ou a importância da apresentação.

Participação baixa consolida a desigualdade

Mas será que a baixa participação eleitoral é um problema na democracia? A abstinência política não é também uma expressão de satisfação?

A pesquisa dá aqui uma resposta clara: Não. A baixa participação é um problema! E isto tem dois aspectos. Em primeiro lugar, a participação é o fundamento da legitimidade política das decisões. Quanto mais baixa for a participação, mais instável será a legitimidade política de um referendo.

Em segundo lugar, a abstinência é tudo menos a distribuição uniforme entre as camadas sociais. Pelo contrário, ela segue uma lógica social, e assim abala o princípio democrático da igualdade.

Mais diversidade através da mobilização

“Uma democracia que deve estar à altura da pretensão de representar os interesses de todos (…) deve encontrar uma solução para este dilema da democracia direta.”

Quanto mais baixa for a participação, mais clara se torna a divisão social. Em outras palavras: os votos com uma elevada taxa de participação refletem melhor a diversidade da população do que os votos com praticamente nenhum conteúdo tangível, e nos quais apenas um pequeno círculo de democratas diretos e obstinados participam.

Uma democracia que deve estar à altura da pretensão de representar os interesses de todos, e não apenas os de uma minoria abastada, tem de encontrar uma solução para este dilema da democracia direta. Este é um desafio para a Suíça, pois ela oferece aos seus cidadãos os direitos civis mais abrangentes do mundo.

Nascimento do “Cidadão Aleatório” na Suíça

Mas há soluções. Uma delas é o júri cidadão, baseado no modelo do estado americano do Oregon. Lá, um grupo de cidadãos aleatórios, ou seja, escolhidos por sorteio, discute uma proposta de votação e realiza audições com todos os círculos envolvidos, bem como com especialistas.

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Júri de cidadãos proporciona uma recomendação neutra nas votações

Este conteúdo foi publicado em A seleção aleatória de cidadãos é fundamental para garantir a independência do júri. Essa é a condição fundamental para que o júri realize sua tarefa: “filtrar” ou classificar informações de campanhas e partidos políticos para fornecer aos cidadãos informações imparciais e corretas. Em sua essência, o júri dos cidadãos deve ajudar as pessoas a tomar…

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O júri dos cidadãos apresenta então os resultados das suas deliberações de forma independente e compreensível aos eleitores. A experiência tem demonstrado que estas pessoas apreciam muito os relatórios independentes, para que assim possam formar uma opinião e tomar uma decisão.

Na Suíça estão previstas para este ano as primeiras tentativas com um júri de cidadãos em novembro, na votação cantonal em Sion, capital do cantão de Valais. Para isso, a Fundação Nacional de Ciência da Suíça concedeu a Nenad StojanovicLink externo um programa de pesquisa na Universidade de Genebra.

Votações e informações

Democracia direta com referendos exige uma gama de informações amplas, equilibradas, independentes e de elevada qualidade.

Na Suíça, além da mídia pública e privada, o governo também fornece informações sobre os plebiscitosLink externo. As sondagens nacionais são realizadas quatro vezes por ano.

No chamado ‘livrinho de voto’ – que é enviado a todas as famílias de cidadãos suíços – e em pequenos vídeos, o Conselho Federal apresenta os argumentos a favor e contra a um projeto de lei. Além disso, as posições dos atores políticos mais importantes são nomeadas, bem como uma recomendação de voto.

O duplo papel do governo está atraindo cada vez mais críticas. Especialmente quando a informação se revela equivocada, como na votação de 2016 sobre a abolição das preferências fiscais para casais não casados.

A informação independente e equilibrada é também fornecida pela easyvote.chLink externo. A plataforma da organização de Federação dos Parlamentos Jovens da SuíçaLink externo (DSJ, na sigla em alemão) destina-se principalmente aos jovens. As pesquisas mostram que a informação curta e os vídeos, em linguagem adequada aos jovens, são agora muito apreciados pelos eleitores de todos os grupos etários.

Série “Câmara Escura da Democracia”

A Suíça é líder internacional em termos de número de plebiscitos e referendos nacionais. Mas mesmo tendo em conta o “recorde mundial” de quase 630 votações (em maio de 2019), a democracia modelo da Suíça não é perfeita.

Na série, Sandro Lüscher faz uma análise crítica das suas zonas problemáticas. O autor estuda ciências políticas na Universidade de Zurique, e dirige um blog sobre o cenário político na SuíçaLink externo

Adaptação: Flávia C. Nepomuceno dos Santos

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