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“Com 12 anos me sentia um monstro”

Aceitar a própria homossexualidade é uma etapa difícil mas importante Thomas Kern / swissinfo.ch

O comportamento da sociedade diante da homossexualidade tornou-se muito mais aberto, na Suíça, nos últimos anos.

“Hoje, na Suíça, escuta-se com frequência que o homossexualismo não é um problema, que a homossexualidade é fácil de ser vivida. Mas a verdade é o contrário. Tentem simplesmente caminhar de mãos dadas com um amigo pela cidade. Não percebem os olhares?!”

Hakim* não completou ainda 16 anos. As suas frases são precisas. O seu modo de falar é rápido. Não veio aqui para fazer proselitismo. Ele traz o seu depoimento aos alunos de uma classe do centro de formação profissional de St Imier, no cantão de Berna, simplesmente, porque “teria apreciado muito se alguém tivesse feito a mesma coisa na sua classe quando era mais jovem.” 

Hakim é aquele que alguns definem como uma “bicha”, um “fresco”, um “viado”…O gênero humano é particularmente prolixo quando se trata de inventar vocábulos para achacar e excluir quem não está inserido plenamente nas normas sociais constituídas.

“Mas você não se envergonha?” 

Nascido num país do Oriente Médio, Hakim chegou à Suíça quando tinha sete anos. Lá pelos 10, 11 anos ele começa a questionar-se sobre sua orientação sexual. “Os meus amigos começavam a frequentar as amiguinhas. Eu quis fazer a mesma coisa, mas me dei conta logo que alguma coisa não funcionava. Não sabia bem o que era. Ninguém nunca tinha me falado sobre homossexualidade. Por volta dos meus12 anos eu estava mal, realmente. Sentia-me um monstro e pensava que era um pedófilo”. 

A virada decisiva chegou aos 13 anos. Durante um concerto, uma amiga elogiou a beleza da cantora e Hakim respondeu que o músico não era de se jogar fora. “O teu irmão sabe?”, me perguntou ela. “Sabe o quê?”, retruquei. “Ué, que você é homossexual”. Então ela começou a me dar explicações sobre o que isso significava, me disse que ela gostava de meninas, que tinham muitas pessoas assim e que não tinha nada do que se envergonhar. De um dia para outro me dei conta que não era um monstro e em poucos meses comecei a falar sobre isso com os amigos.”

Em pouco tempo toda a escola já sabia. Os comentários começaram a surgir. Mas você não tem vergonha? Já disse para a tua família?

Hakim resiste à pressão com a ajuda dos melhores amigos- e, sobretudo, das amigas- que o defendem. Depois de um ano, tudo retorna, mais ou menos, ao normal. 

Uma coisa Hakim não vai cansar nunca de destacar: se fazer “coming out” é difícil, o pior é a etapa do “coming in”, ou seja, o fato de aceitar a própria homossexualidade. 

“Eu tenho um caráter forte e nem sofri tanto assim. Mas nem todos são como eu. O problema não é nem tanto as agressões verbais ou físicas, mas o fato de interiorizar esta homofobia. À fúria de ouvir, repetidamente, “bicha feia” um começa a acreditar que é mesmo. Não é um caso que entre os jovens uma tentativa de suicídio em quatro esteja ligada à orientação sexual”.

Dar tempo ao tempo 

Dentro da família, de religião mulçumana, as coisas seguem o mesmo curso, mais ou menos. “Eu tremia como se tivesse tido uma crise de epilepsia quando disse para a minha mãe. Ela me respondeu que  continuava a me amar como antes e que eu não deveria me preocupar, pois era apenas uma fase da adolescência”. Com as suas irmãs tudo correu sem maiores problemas. Foi diferente com um dos dois irmãos. “Ameaçou-me e, de vez em quando, até hoje me ameaça de morte”, observa ele, sem transparecer nenhuma animosidade.

Perto dos 15 anos, a mãe o viu, pela primeira vez, beijar o seu amigo na rua. “Para ela dever ter sido um verdadeiro choque. Se deu conta que não se tratava de uma fase, apenas. Do meu lado, perdi um pouco a a cabeça, saí de casa e fiz algumas bobagens”. Neste meio tempo, a mãe encontrou-se com o namorado do filho. “Quando eu disse para a minha família, meu sonho era que eles teriam me dito que “não é um problema” e tudo seria como antes. Bom, acho que isso não acontece quase nunca. A família também precisa de um tempo para absorver.”

E o pai? Um véu de tristeza cobre os olhos de Hakim. Já faz dois anos que ele voltou a viver no Oriente Médio e não sabe nada da homossexualidade do filho. “Minha ideia é ir visitá-lo neste verão. Provavelmente será a última vez, pois mais cedo ou mais tarde ele vai saber e eu não poderei ir mais vê-lo. Sei muito bem que ele não vai aceitar nunca.”

Militância 

Existe um fato que não pode ser deixado de lado, de qualquer forma. No país onde o pai vive, que não revelamos por motivos de privacidade, as relações homossexuais são punidas com penas que vão até dez anos de prisão. “No fundo, eu tive sorte, vivo na Suíça. Em um país como o Irã teria arriscado até mesmo a pena de morte”, realça Hakim, recordando o  destino que aguarda os homossexuais em muitas regiões do mundo.

E são estas persistentes discriminações contra as pessoas LGBT (as iniciais de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros”) e o sentimento de que a escola ainda faz muito pouco na luta contra a homofobia que levaram Hakim a transformar-se em militante. Recentemente ele participou de um Conselho dos jovens da cidade de Lausanne para a realização de uma exposição sobre a homofobia que, graças ao sucesso, vai ser apresentada em outras cidades.

“Eu recebi uma educação baseada na justiça e na igualdade, diz. Sou alérgico  a qualquer tipo de discriminação. Sou jovem, sou um idealista e tenho sonhos. E vou lutar para que sejam realizados.”

No dia 17 de maio de 1990 a Organização Mundial da Saúde cancelou a homossexualidade da lista das doenças mentais, definindo-a “uma variante natural do comportamento humano”. Esta data é lembrada como o dia mundial contra a homofobia.

Mesmo assim, em mais de 70 países, territórios ou regiões existem ainda leis que criminalizam as relações entre adultos do mesmo sexo.

Os atos sexuais são até mesmo passíveis da pena de morte em seis países: Arábia Saudita, Irã, Nigéria, Mauritânia, Sudão e Iêmen. Recentemente, um projeto de lei que previa a introdução da pena de morte em Uganda foi retirado depois de fortes protestos internacionais.

Nos últimos meses, o fenômeno da homofobia entre os jovens retornou ao primeiro plano, sobretudo nos Estados Unidos, por causa de uma onda de suicídios ou tentativas de suicídio de adolescentes vítimas de agressões de companheiros ou de parentes da família devido à orientação sexual.

Uma pesquisa citada pela AnistiaInternacional revela que um aluno americano escuta, em média, 26 comentários homófobos por dia. Em 97% dos casos os professores não se manifestam.

Os 28% dos alunos homossexuais abandonam as escola antes do diploma, contra apenas 11% dos estudantes heterossexuais.

Em cada cinco homossexuais – gay ou lésbica- um é vítima de agressões física por causa da orientação sexual.

Adaptação: Guilherme Aquino

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