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Do centro de refugiados para uma universidade suíça

студент в библиотеке
Durante seus estudos, Dagun Deniev praticamente "viveu" na biblioteca universitária, pois não era fácil se concentrar no centro de refugiados. swissinfo.ch

O ensino superior oferece oportunidades para refugiados na Suíça. Porém a pandemia de Covid-19 tornou o acesso às instituições ainda mais difícil. Apesar das dificuldades, o checheno Dagun Deniev teve sucesso.

O estudo da literatura e da escrita têm sido seu refúgio espiritual desde que o estudante da Universidade de Genebra chegou à Suíça em dezembro de 2010. Na época, era apenas um garoto de 17 anos em busca de asilo político. “Minha mãe estava envolvida em atividades de direitos humanos. Ela foi presa duas vezes. Vivíamos com medo, 24 horas por dia”, explicou Deniev.

Depois de solicitar sua admissão no centro de refugiados de Vallorbe, a família foi enviada para Genebra. Lá, Deniev viveu em centros de refugiados e teve uma curta estadia em um centro de detenção de imigração antes de uma tentativa de deportação. O jovem, que aparenta ser mais jovem que seus 28 anos, começou aprendendo francês e pôde assim iniciar seu bacharelado em 2014. Atualmente, ele faz um mestrado em literatura russa.

Nosso primeiro encontro acontece na biblioteca da universidade, apenas um dia antes do início da quarentena nacional em março. Quando perguntei: “Dagun, como vão os estudos?”, ele apenas riu, dizendo que não tinha outra escolha. Ao longo dos anos, a educação tem sido seu meio de sobrevivência.

Refugiados nas universidades suíças

Não existem estatísticas sobre quantos refugiados e requerentes de asilo estudam hoje nas universidades suíças. Uma das condições é ter pelo menos um visto de residência N (requerente de asilo) ou F (autorização de residência temporária para refugiados). Mas não há descontos nas mensalidades e nenhum tratamento especial para as admissões, pois as universidades estabelecem os mesmos requisitos para todos os candidatos estrangeiros.

“Dois terços dos refugiados em busca de informações sobre estudos no país precisam de alguma ajuda”, disse Martina von Arx da plataforma de informações sobre refugiados Perspectives StudiesLink externo. De acordo com von Arx, o local de residência pode ser um fator determinante. Isto porque o sistema de asilo suíço distribui os requerentes entre os 26 cantões e cada um tem procedimentos ligeiramente diferentes para o ensino de idiomas, acesso à assistência social e informações.

Muitos refugiados também lutam pelo reconhecimento dos diplomas, além de enfrentar dificuldades com o financiamento do estudos e baixa oferta de cursos de idiomas. São alguns dos problemas registrados pelo NCCRLink externo (Centro Nacional de Competência em Pesquisa para Estudos de Migração e Mobilidade) e outras fontesLink externo.

Mas isto não parece afetar o desejo do estudante de seguir em frente. Quando o Escola Politécnica Federal de Zurique (ETH Zurique) abriu as portas para os refugiados em 2016, 120 pessoas se candidataram às 40 vagas disponíveis, noticiou na época o jornal francófono Le TempsLink externo. No mesmo artigo, o reitor da Universidade de Genebra, Yves Flückiger, declarou que aceitar refugiados era “mais do que apenas educação acadêmica e apoio à integração: o principal é que este projeto permite aos estudantes terem uma perspectiva de futuro”.

Entretanto, o caminho acadêmico também requer disciplina, como Deniev bem sabe. “As condições do alojamento são difíceis”. Éramos quatro em um pequeno quarto de 16 metros quadrados com beliches. Tínhamos um lavatório, geladeira e quatro armários de metal. Era barulhento e eu nem conseguia me sentar para ler algo, pois a mesa estava sempre bagunçada. Era impossível estudar sob tais condições. Assim passava a maior parte do tempo na biblioteca”.

Da biblioteca à prisão

O estudo era uma forma de esquecer o que parecia ser um futuro incerto, tendo em vista a rejeição do pedido de asilo da família em 2011. Dois anos depois, o pedido de revisão da decisão foi novamente recusado.

Os requerentes de asilo rejeitados foram enviados ao abrigo Foyer de Tattes em Genebra. Nele, em 2014, um homem morreu e vários ficaram feridos após uma briga e um incêndio. Ele e sua mãe foram transferidos para diferentes edifícios. Deniev foi alojado em uma unidade habitacional masculina supervisionada 24 horas por dia por seguranças. No local viveram por três anos.

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No final de 2016, Deniev foi preso e colocado em uma unidade de detenção administrativa por 20 dias enquanto aguardava a deportação em um voo especial para a Rússia. “Eu perdi o sono e quase a cabeça”, lembrou.

Sua mãe e amigos estudantes soaram o alarmeLink externo e a mídia de Genebra se interessou pelo caso. “Enquanto estava preso, um grupo de pessoas criou um comitê de apoio e vários protestos foram organizados a meu favor. Meus professores me visitaram na prisão. Meu advogado me trouxe muitas notas de apoio. Sou muito grato por isso”, disse ele.

O cantão de Genebra cancelou sua deportação. Mas o status legal de Deniev ainda era problemático. Então a Universidade de Genebra felizmente o colocou em contato com um advogado de imigração.

Efeitos da pandemia de Covid-19

A Suíça continuou a processar os pedidos de asilo e a expulsar requerentes de asilo rejeitados durante o auge da pandemia do coronavírus. No final de março, Deniev foi à Berna para outra entrevista na Secretaria de Estado de Migração (SEM) para seu processo de asilo.

Ao retornar a Genebra, descobriu que a universidade havia cancelado aulas no campus como parte de suas medidas contra a pandemia. O ensino à distância requer bom acesso à internet e um lugar tranquilo e seguro para estudar, o que não é fácil em um centros de refugiados. Os computadores também têm que ser desinfetados após o uso.

Mas o semestre de outono trouxe outra grande mudança: Deniev recebeu uma permissão de residência temporária F e agora está autorizado a trabalhar para financiar os estudos.

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De refugiado a neurobiólogo

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A advogada Delphine Poussin, do escritório Etter & Buser em Genebra, representa Deniev desde dezembro de 2016 sob recomendação da universidade. Como explicou por e-mail: o caso era “extremamente complexo e levou quatro anos de luta antes que o jovem finalmente recebesse uma autorização de residência temporária”.

Ela disse que seu cliente “merecia esta grande vitória”, mas ela não pensa “que o fato de ele ser um estudante tenha desempenhado um papel para as autoridades migratórias”. A proteção é concedida a uma pessoa com base no fato de ele – ou ela – ser perseguido em seu país de origem, e não em “méritos pessoais”.

Deniev agora vive em um alojamento estudantil – modestamente, mas com mais conforto do que em um centro de refugiados. “A mãe vem me ver todos os dias apenas para descansar. Ela vai a cursos de idiomas para mulheres, mas é difícil, pois tem 65 anos e é difícil aprender coisas novas”, disse ele.

O estudante também já escreveu um romance: “Carnets d’un requérant d’asile déboutéLink externo” (Cadernos de um requerente de asilo rejeitado) sobre suas experiências. Sua coletânea de contos em russo já foi indicada para um prêmio literário russo em 2009.

Adaptação: DvSperling

Fase piloto bem-sucedida

148 refugiados receberam treinamento em tecnologia da informação e comunicação (TIC) em um total de nove cursos do programa de treinamento Powercoders. O impacto de longo prazo deste programa está se tornando claro agora. Dois terços dos participantes nos dois primeiros cursos de treinamento realizados em 2017 e 2018 encontraram trabalho permanente ou um estágio no setor de TIC.

Há muitos refugiados talentosos na Suíça com interesse e afinidade em TIC. Ao mesmo tempo, não há trabalhadores qualificados suficientes neste setor. O programa Powercoders TIC de integração ao trabalho ajuda a superar esta disparidade.

Os cursos de 13 semanas de programação para refugiados dão aos participantes acesso direto à indústria de TIC. Se o curso for concluído com sucesso, eles embarcam em um estágio de seis a doze meses. Um instrutor de trabalho fornece apoio durante todo o programa e ajuda os participantes em sua busca subseqüente de emprego ou oportunidades de treinamento adicional.

A fase piloto de três anos, que foi concluída no final de junho, foi realizada em mais de 80 empresas de TIC. Cerca de 90% dos 148 participantes puderam encontrar um estágio após seu treinamento de programação. Das 33 pessoas que participaram dos dois primeiros cursos de treinamento em 2017 e 2018, 22 estão agora em emprego permanente ou encontraram um estágio no setor de TIC.

A Secretaria de Estado para as Migrações (SEM) contribuiu com CHF 450.000 para os custos do projeto. O programa continua em Lausanne e Zurique e está aberto a participantes de toda a Suíça.

Fonte: SEMLink externo

Adaptação: DvSperling

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