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“Rei do petróleo” revela suas vidas secretas

Rich com uma das suas marcas registradas na boca. Keystone

O negociante e financista Marc Rich admite ser visto por muitos como o "diabo", mas agora o novo livro de um jornalista suíço descreve o bilionário nem como santo nem como pecador.

Daniel Amman, que entrevistou Rich horas a fiô para o seu livro – “O Rei do Petróleo” – conta à swissinfo como Rich ganhou fortunas com um oleoduto entre Israel e o Irã.

Rich, 74 anos, vive às margens do lago de Lucerna e tem sido nos últimos anos uma personalidade controversa e muitas vezes não estava no lugar correto na hora certa.

Ele já foi acusado pelos Estados Unidos por comércio ilegal com o Irã e evasão fiscal. Por essa razão nunca mais retornou ao EUA, temendo ser preso.

Rich, que reuniu parceiros de negócios que oficialmente não gostariam de ter sido associados uns com os outros, foi perdoado no último dia do mandato do presidente americano Bill Clinton, para a surpresa e frustração de muitos.

swissinfo: Daniel Ammann, qual é a sua opinião de Marc Rich?

D.A.: Penso que ele é uma pessoa muito ambivalente e, como trader de matérias-primas, você está de certa forma trabalhando nas zonas nebulosas do capitalismo. Ele é uma pessoa charmosa, o que me surpreendeu, pois publicamente costumava ser retratado como o maior diabo, uma pessoa extremamente arrogante e inescrupulosa.

Tinha essa imagem dele e quando nos encontramos me surpreendi. Ele fala de forma bastante calma e é bastante amigável. Surpreendi-me pelo seu charme, mas ao mesmo tempo, é óbvio, ele foi um dos melhores traders no século 20, o que significa que devia ser bem astuto também.

swissinfo: Ele seria o maior fraudador fiscal de todos os tempos?

D.A.: Para o Rudy Giuliani (na época o procurador-geral dos EUA) sim, que processou Marc Rich. Mas atualmente penso que foi mais uma campanha de relações públicas do Giuliani. Não acho que o Rich era como se falava.

swissinfo: Mas seu livro afirma que ele era uma sanguessuga do Terceiro Mundo…

D.A.: Eu não digo isso. É um político suíço que o rotulou dessa forma. Obviamente as matérias-primas (commodities) hoje em dia são encontradas em países que não são realmente grandes exemplos de democracia e de respeito dos direitos humanos. Então, se você escolhe comercializar nesse setor, trata-se de um negócio muito sensível. E você também está ativo em países corruptos, onde as próprias populações são exploradas.

Por outro lado, foi exatamente Marc Rich que permitiu vários países a africanos de explorar seus próprios recursos e serem independentes das empresas multinacionais.

swissinfo: O que fez ele tão bem sucedido?

D.A.: Penso hoje em dia que ele era um ótimo trader. Ele tinha faro. Ele tinha o dom de perceber as tendências do mercado e nessa época se tornou ativo de forma independente. Ele percebeu que o mundo dos negócios com commodities estava mudando das multinacionais para os governos dos países que queriam explorar eles mesmos seus recursos. Era necessário surgir traders independentes e o Marc Rich foi um dos primeiros, especialmente quando se tratava do petróleo. Por isso o título “O Rei do Petróleo”.

Ele sempre foi capaz de juntar parceiros de negócios impossíveis como, por exemplo, Irã e Israel após a queda do Xá. Penso que esse foi um dos seus maiores sucessos.

O aspecto interessante em meados dos anos 1970, pouco antes dele se tornar independente, era que Israel e Irã, este sob o poder do Xá, tinham um oleoduto secreto. Era uma joint venture que supria secretamente Israel com petróleo. E foi o Marc Rich que transportou esse petróleo e usou para isso o oleoduto.

swissinfo: Como ele começou a ter problemas?

D.A.: O problema estava nos Estados Unidos. Ele teve o azar de estar tentando fazer dinheiro contra as regulações do preço do petróleo. E ainda havia esse rapaz bastante jovem e ambicioso, o Rudy Giuliani, que posteriormente se tornou prefeito de Nova Iorque e até mesmo candidato à presidência do país. Penso que o Giuliani percebeu que Marc Rich era um caso de peso para ele, o que poderia ser muito positivo para a sua carreira.

swissinfo: Você diz que a Suíça era a “gaiola dourada” para ele, a salvo de quaisquer problemas com a lei?

D.A.: Ele estava sendo caçado pelas autoridades americanas em todo o mundo. Eles até tentaram sequestrar Marc Rich na Suíça, o que seria um ato completamente contrário às leis helvéticas. Ele devia ter muito cuidado quando viajava e é por isso que digo que a Suíça era uma gaiola dourada. Ele estava seguro na Suíça, mas tinha de ser extremamente cuidadoso ao escolher os lugares para onde iria voar. Ele tinha de evitar, por exemplo, o espaço aéreo americano quando voava ao Caribe ou América do Sul.

swissinfo: Muito se publicou sobre o seu divórcio com a Denise. Você acredita que a sua contribuição financeira ao Partido Democrata nos Estados Unidos foi fundamental para fazer com que Bill Clinton o perdoasse no último dia da sua presidência?

D.A.: Penso que a Denise Rich foi importante na medida em que era amiga de Bill Clinton. É claro, se ela tivesse um desejo ou questão para discutir com Bill Clinton, ele iria escutá-la, pois era um dos mais importantes patrocinadores do Partido Democrata. Ela foi importante para abrir as portas, mas penso que as razões de Bill Clinton para perdoá-lo são de outra ordem. Muito importantes foram os dignitários israelenses, que se ofereceram para falar bem de Marc Rich, pois ele havia sido muito útil a Israel no seu suprimento de petróleo e na cooperação com o serviço israelense de inteligência, o “Mossad”. A segunda razão estava mais no nível psicológico. Penso que Bill Clinton podia compreender a história de Marc Rich, pois ele próprio sentia-se vitimado pelos promotores depois do seu caso com a Monica Lewinsky.

swissinfo: Você pode ver uma razão da Suíça ter prendido o diretor de cinema Roman Polanski, mas não o Marc Rich?

D.A.: Penso que o crime pelo qual Marc Rich foi acusado não permitia a extradição segundo as leis suíças. Porém a razão mais importante é que o procurador-geral da Califórnia, o que solicitou a extradição de Polanski, fez tudo corretamente. Ele solicitou à Suíça cooperação jurídica através das vias oficiais e teve seu pedido atendido. Ao passo que Giuliani, no caso de Marc Rich, não se preocupava com a soberania suíça. Ele chegou mesmo a violá-la e, por mais de um ano, não pediu cooperação jurídica à Suíça, que não estava inclinada a ajudá-lo de forma nenhuma. Penso que essa foi a razão final pelo fato da Suíça não ter ajudado colaborado com Giuliani.

Robert Brookes, swissinfo.ch
(Adaptação: Alexander Thoele)

O livro conta:

Durante anos, Marc forneceu dissimuladamente cargas estratégicas de petróleo iraniano através de um oleoduto secreto em Israel.

Rich financiou operações do serviço de inteligência israelense, o “Mossad”, e serviu como um mediador informal entre o Irã e Israel.

O governo dos EUA enviou uma vez dois agentes para “sequestrar” Rich da Suíça.

Rich entregou de forma rotineira informações altamente sensíveis sobre pessoas em postos-chave no Irã, Síria e Rússia ao governo americano.

A ex-mulher Denise Rich recebeu um total de 365 milhões de dólares (370 mio. francos) após uma acirrada e pública disputa judicial para pedir o divórcio.

O círculo pessoal de amigos e próximos a Rich planejou meticulosamente o perdão presidencial de Bill Clinton, ignorando deliberadamente os procedimentos normais. Mas Rich afirma que nunca mais irá retornar aos Estados Unidos.

“Ferindo sanções internacionais, Rich ganhou um total de dois bilhões de dólares ao vender petróleo à África do Sul nos tempos do “Apartheid”.

Ammann é editor de economia da revista mensal suíça “Die Weltwoche”

Ele estudou na Universidade de Zurique, Universidade da Califórnia e Berkeley e na Fundação Pós-Universitária Internacional de Paris.

Em 2007 ganhou o prêmio de jornalismo econômico Georg von Holtzbrinck”.

Ammann revelou à swissinfo que ficou um ano e meio no projeto de livro. Ele entrevistou Marc Rich por mais de 30 horas, muitas vezes recebendo apenas respostas monossilábicas.

Rich nasceu em uma família judia em dezembro de 1934 na cidade belga de Antuérpia. Sua família emigrou para os Estados Unidos em 1942 para fugir dos nazistas.

Rich trabalhou para seu pai, que era comerciante de matérias-primas em Burlap.

Ele casou-se a cantora e herdeira Denise Eisenberg em 1966. Os dois tiveram três filhos, mas se divorciaram em 1996.

Antes de se tornar independente, Rich aprendeu os truques do comércio internacional na empresa Philipp Brothers.

Segundo a revista Forbes, Rich, que tem cidadanias israelense e espanhola, tinha uma fortuna de aproximadamente 1,5 bilhão de dólares em 2006.

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