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A multidão nem sempre é um parceiro confiável

O coral de Helene Haegi teve pouco sucesso com crowdfunding: "Nossos sócios do clube são super conectados, mas não através da Internet." zVg

A cena cultural é uma das mais beneficiadas pelo crowdfunding na Suíça. No entanto, nem todos os projetos são bem sucedidos. Há sempre aqueles que fracassam. Quem não é bem conectado nas mídias sociais tem muito pouca chance. Formas artísticas menos populares também penam para decolar. A seguir, dois exemplos da Suíça. 

Em 2015 os suíços despejaram cerca de seis milhões de francos em mais de 500 projetos culturais (v. box), mesmo considerando que o crowdfunding no país ainda engatinha.  “Nos EUA, o mecenato privado possui uma tradição muito maior que aqui“, diz Melina Roshard, 34. Roshard acompanhou o primeiro projeto de crowdfunding da Suíça e hoje é CEO da plataforma Wemakeit. “Mas nos campos da música e do cinema, o crowdfunding conseguiu se consolidar muito bem nos últimos quatro anos e acreditamos que vá crescer com força também em outras áreas.“

O modelo segue de fato a todo vapor: no ano passado, segundo um estudo da Universidade de Lucerna, 90 mil pessoas injetaram 27,3 milhões de francos em projetos – mais que o dobro do que em 2013. A tendência é clara para cima.  

Na internet encontra-se inúmeras dicas de como lançar uma campanha bem sucedida – nos EUA e no Reino Unido desenvolveu-se até o que se pode chamar de uma indústria de consultoria específica. “Crowdfunding dá muito trabalho“, diz o jornalista, DJ e músico amador Markus Krucker, 40, de Zurique. Junto com um amigo, Krucker lançou em julho a bem-sucedida campanha Fred&Walt, na qual ambos liberaram suas próprias composições durante três anos para serem interpretadas por diversos músicos de Zurique. Eles agora querem prensar em vinil o álbum resultante da experiência – e para isso precisam de dinheiro. 

Fred&Walt: “Logo percebemos que PR através da mídia social por si só não é suficiente.” wemakeit

Sempre com um pedido pessoal

Em 2015 foram levantados 27,3 milhões de francos para 1342 campanhas

– 75% de todos os projetos originaram-se em regiões urbanas

– Cerca de 50% deles foram projetos de Crowdsupporting

–  Iniciadores e apoiadores residem em média a apenas 12 quilômetros de distância uns dos outros

– A taxa de sucesso entre os projetos de crowdsupporting é de 65%

– As categorias de crowdsupporting mais fortes: música/festivais; tecnologia/start-ups; sociais

– Plataformas mais populares: Wemakeit, 100days

Mesmo assim, a campanha não andou sozinha. “Nós logo percebemos que o trabalho de RP (relações públicas) nas redes sociais por si só não era suficiente. Você tem que se endereçar aos doadores pessoalmente“, diz Krucker. Eles então distribuíram flyers e escreveram vários e-mails. Conforme dizem diversos iniciadores de campanhas, o pedido pessoal ainda é claramente o que faz mais efeito. No fim, os dois arrecadaram ainda mais do que os 7.700 francos pedidos.

Quase ao mesmo tempo em que se desenrolava a campanha de Krucker, em Eglisau – 25 quilômetros ao norte de Zurique – a regente de canto coral Helene Haegi deu o “start“ ao seu projeto “Heimatliche Klänge“ (“Sons Pátrios“). Seu objetivo: produzir dois corais masculinos para cantar num festival de Jodler (canto típico suíço), destinando a receita do concerto para associações de caridade. Apesar do vídeo, da boa rede de contatos e brindes criativos, Haegi conseguiu apenas 1.700 dos 10 mil francos necessários.

“Eu coloquei um valor alto demais“, diz Haegi. Ela ainda enfrentou um problema extra, pois seu público é muito pouco presente online. “Os membros da nossa associação são super conectados, mas não pela internet“. É verdade que alguns dos seus cantores possuem contas no Facebook e postaram várias vezes anúncios da campanha, porém não atingiram ninguém. “Além disso, muitos idosos são bastante desconfiados quanto a pagamentos on line.“ O crowdfunding ainda não conseguiu superar as barreiras geracionais.

Os limites entre promoção e assédio

Particularmente difícil, segundo Haegi, foi saber definir o limite entre promoção e assédio.  “Você tem de estar cuidando de tudo o tempo todo, inquirindo as pessoas, insistindo. Mas não se pode exagerar. Muitas vezes nem eu confiava mais em mim mesma quando tinha de ir mendigar novamente.“ A conclusão é quase óbvia: quanto mais pessoas tocam ativamente uma campanha, mais fácil ela deslancha. Com esse conhecimento adquirido, Haegi quer repetir a tentativa no futuro. 

Crowdfunding Crowdfunding

Crowdsupporting: os usuários doam dinheiro para um projeto e recebem em troca bens ou um serviço (modelo mais comum em projetos sociais e culturais). Em alguns casos, os usuários abrem mão do “brinde“, o que se caracteriza então como  Crowddonating.

Crowdinvesting: os usuários dividem entre si o capital da empresa e ganham sua parte nos lucros caso o negócio dê certo.

Crowdlending: os usuários emprestam dinheiro para um projeto e recebem posteriormente os juros. 

Esses exemplos demonstram que o crowdfunding é sempre uma espécie de aventura para coletar dinheiro. Ele possibilita muitas coisas, mas formas artísticas menos populares encontram-se em uma posição difícil e sem bons contatos nas mídias sociais não se tem quase nenhuma chance. O crowdfunding tampouco pode substituir as verbas de fomento existentes, tanto estatais como de fundações privadas. Mesmo assim, o crowdfunding pode preencher vácuos, chamar a atenção e apontar tendências, por isso ele é também frequentemente utilizado como um barômetro mercadológico e como um canal de pré-venda no mundo cultural suíço.

Novos modelos – a cultura se volta para mais perto do consumidor

Um outro modelo, ainda pouco conhecido aqui no país, é o chamado “Matched Crowdfunding“ (“crowdfunding combinado“, em tradução livre), o qual costura o financiamento de instituições de fomento junto com o de usuários. Dessa maneira, uma fundação, por exemplo, pode se comprometer a duplicar seu aporte quando uma campanha de crowdfunding é bem sucedida. Na Inglaterra há o caso da Creative England, plataforma sem fins lucrativos que apoia a indústria criativa por meio deste modelo, enquanto que em Rotterdam (Holanda) criou-se a primeira obra de infraestrutura pública financiada por matchfunding, a ponte de pedestres Luchtsingel.

Na Suíça, os primeiros passos nessa direção já são visíveis. A Swisscom, com seu projeto Music Booster por exemplo, apoia bandas suíças por meio de matchfunding. Na primavera passada, apareceu em Zurique a plataforma Donxt: assim como a norte-americana Patreon, em cujo modelo se baseou, aqui o “crowd“ não financia nenhum produto, mas sim o próprio artista e por meio de aportes mensais. Segundo seus operadores, a Donxt começou com bastante sucesso e se prevê um crescimento forte. O interesse por essa “mesada artística“ confirma uma tendência: a produção cultural volta-se para cada vez mais perto do consumidor. Seja com cinco ou 10 mil francos, hoje em dia qualquer um pode se tornar um mecenas. 

Adaptação: Eduardo Simantob

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