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Delaware, um paraíso fiscal na lista branca

No Delaware, um prédio pode abrigar mais de 200 mil empresas. AFP

O Delaware, suas fazendas, suas vacas e suas leis fiscais vantajosas.

Frequentemente citado na Suíça depois que a OCDE publicou suas listas “cinza” e “negra” dos paraísos fiscais, esse minúsculo estado norte-americano também é alvo de críticas mesmo nos Estados Unidos. Reportagem.

Ilhas Caïman, Luxemburgo e até Suíça. Na campanha contras as jurisdições offshore, o presidente Barack Obama atirou para todo lado, acusando vários países de ajudar as empresas e cidadãos estadunidenses a escaparem do fisco.

Nesse contexto, as práticas fiscais do Delaware, minúsculo estado da costa leste dos Estados Unidos, suscitaram críticas. Professor de direito na Universidade Widener em Wilmington, Nicholas Mirkay se lembra de ter ficado “surpreso” quando lhe pediram uma entrevista na qual Delaware era associada a um “paraíso fiscal.”

“Nunca assimilei o Delaware aos paraísos fiscais, como as Ilhas Cayman ou outros lugares onde é possível dissimular do fisco grandes volumes de capital”, afirma.

Nicholas Mirkay tem razão. Não existe coqueiros em Delaware.

Wilmington, quase grande

Com seus 73 mil habitantes, Wilmington é a cidade mais importante, mesmo se seu tamanho modesto comparada a outras metrópoles da região como Baltimore, Philadélfia ou Washington DC.

Nas últimas décadas, entretanto, Wilmington passou a ter ares de cidade grande, mas também os problemas de uma metrópole

A leste da cidade, o sol se reflete em um grande edifício com fachada de vidro. Na hora do almoço de negócios, homens em ternos cortados impecavelmente conversam à voz baixa e se imagina em números. É em Wilmington que se encontra o hotel da Ponte, um edifício espetacular característico da Gilded Age, a idade de ouro norte-americana do início do século 20.

Do outro lado da cidade, caminhamos pela North Market Street e passamos diante do Kennedy’s Fried Chicken. Situado numa esquina, o estabelecimento imita seu rival mais famoso, Kentucy’s Fried Chicken. Mas sua clientela está um pouco abaixo na escala social e sua estética estagnou nos anos 1970.

Primeira das metrópoles norte-americanas a colocar seu centro sob a vigilância de câmeras vídeo, Wilmington tem uma das mais altas porcentagens de pessoas infectadas pelo vírus da Aids dos Estados Unidos.

Paraíso das holdings

Num ponto, Wilmington se distingue de outras cidades norte-americanas. Ela tem uma taxa de imposto muito baixa para as holdings, sociedades financeiras cujo capital é constituído de ações de diversas empresas. No total, quase 60% das 500 maiores empresas dos Estados Unidos têm sede em Wilmington.

“Com certeza esse sistema tem certas vantagens”, reconhece Nicholas Mirkay em seu escritório a 15 minutos de carro do centro da cidade. As empresas instaladas no Delaware são isentas de imposto, por exemplo, nos ganhos obtidos fora das fronteiras do estado. No entanto, elas devem pagar o imposto federal sobre o lucro, que, em certos casos, é mais elevado do que o imposto sobre o consumo de 8,7% em vigor no Delaware, precisa o advogado.

Essa situação provoca descontentamentos. Quase 20 estados norte-americanos promulgaram leis para impedir que as empresas tirem proveito da atratividade fiscal do Delaware para não pagar bilhões ao fisco.

Por sua vez, o primeiro ministro de Luxemburgo, Jean-Claude Juncker, declarou que o Delaware deveria ser considerado um paraíso fiscal. Wilmington, de fato, não atraiu somente 500 grandes empresas. Um multidão de sociedades se instalaram. Em um dos edifícios da cidade estão instaladas mais 200 mil empresas.

Atitude dos Estados Unidos

No plano governamental, Barack Obama anunciou medidas de luta contra os paraísos fiscais e a fraude de impostos. Mas as autoridades norte-americanas não querem colocar em questão o fato que os Estados Unidos não cobram impostos dos dividendos, os juros e os ganhos de capital obtidos pelos estrangeiros residentes.

Na opinião de John Christensen, da ONG Tax Justice Network, esse fato torna os Estados Unidos culpados de facilitar o mesmo tipo de atividades criminosas que pretendem erradicar fora de suas fronteiras.

Para ele, a comunidade internacional e os 30 membros da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) foram injustamente seletivos quando estabeleceram as listas de paraísos fiscais. “Essa lista têm incríveis omissões, é inegável”, lamenta.

Tudo é vantagem

No Delaware, os defensores do sistema em vigor têm argumentos que às vezes também existem na Suíça. Eles estimam notadamente que a atratividade desse estado não vem somente das vantagens do imposto. “Se você perguntar para maioria das pessoas ou a meus colegas, elas responderão que é todo o sistema jurídico que é atrativo aqui”, afirma Nicholas Mirkay.

Criada em 1792, a Corte da Chancelaria de Wilmington, onde são resolvidos os conflitos financeiros, examinou casos dos mais complicados e sensíveis do país. As competências reunidas no Ministério Público local e na Corte Suprema do Delaware, assim como suas leis, fazem com que seja “um lugar ideal para o comércio e para atuar no nível direcional”, afirma.

Richard Heffron, da Câmara de Comércio do Delaware, também realça as comparações com os territórios offshore. Ele confessa, entretanto, à swissinfo que a pequena área desse estado tem certas vantagens. Os contatos são facilitados entre dirigentes e políticos.

Ele cita também uma certa flexibilidade que permite negociações contratuais mais rápidas e dá o exemplo da compra da empresa de créditos MBNA pelo Bank of America, em 2006. Foi então possível negociar um novo contrato em seis meses e de manter a sede da MBNA em Wilmington.

Resta que atualmente, empresas que trabalham no mesmo nicho de mercado que a MBNA estão na mira do fisco norte-americano (IRS), que investiga para saber se elas ajudaram empresas ativas na internet na evasão fiscal para o estrangeiro. Na opinião de Richard Heffron, tudo isso não faz do Delaware um paraíso fiscal, somente um lugar “fiscalmente vantajoso.”

Justin Häne, swissinfo.ch

Segundo enquete recente da revista suíça Hebdo, le Delaware é apreciado pelas multinacionais suíças cotadas em bolsa.
Se todas as filiais têm filiaiss nessas jurisdições vantajosas fiscalmente, um quarto delas, ou seja, cerca de 200 , estão situadas nas imediações de Wilmington.

Credit Suisse, Nestlé ou UBS declaram, por exemplo, mais de 20 filiais no Delaware, segundo Hebdo.

Dupla imposição. A segunda rodada de negociações para a revisão do acordo de dupla imposição, segundo as normas da OCDE, começou dia 16 de junho em Washington. A primeira rodada ocorreu em maio, em Berna.

As negociações incluem a ampliação da ajuda administrativa recíroca segundo Beat Furrer, porta-voz da administração fiscal suíça.

Entendimento. Do lado suíço, espera-se chegar um acordo para retirar a queixa contra o UBS, antes que o Parlamento vote um acordo de dupla imposição revisado entre Berna e Washington.

Queixa. O UBS e a Suíça exigem que o procedimento de troca informações sobre 52 mil detentores de contas seja interrompido. A queixa na justiça foi apresentada pelas autoridades fiscais norte-americanas da Internal Revenue Service (IRS) e o Departamento norte-americano de Justiça.

G20. Pressionada a adotar as normas da OCDE, a Suíça deve mostrar sua boa fé na próxima reunião do G20 no final de setembro. Até lá a Suíça precisa assinar convenções de dupla imposição com 12 países, conforme às normas da OCDE, para ser riscada da “lista cinza” dos paraísos fiscais.

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