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Encontrando em Zurique o lorde sombrio dos emojis

Emojis
Para uns uma brincadeira. Para outros comunicação: a diversidade de emojis na mais recente coleção do sistema operacional Android. Android O Beta Images

Como expressar sentimentos na web sem utilizar os populares rostinhos tristes ou chorando de alegria? Pouco mais de dois mil símbolos se transformaram na nova língua universal. Por trás deles, estão pessoas como o americano Mark Davis. Entrevista swissinfo.ch. 

Milhares são enviados diariamente. Sejam celulares, Facebook, Twitter ou Instagram: os emojis, uma coleção de símbolos como rostos sorridentes, corações partidos, lábios beijando ou bolos de aniversário, se transformaram na linguagem universal.

Os números impressionam. O projeto EmojitrackerLink externo calcula a cada segundo o número de vezes que um emoji é utilizado pelos usuários do Twitter para expressar um sentimento. O recordista é o famoso emoji “rosto com lágrimas de alegriaLink externo“, com mais de 1,7 bilhão de marcas. O mesmo emoji foi considerado a palavra do anoLink externo de 2015 pelo dicionário Oxford. No Instagram, 40% de todos as legendas postadas tem pelo menos um emoji.

Por trás desse novo idioma está um grupo de voluntários quase desconhecido da opinião pública, o Consórcio Unicode, criado em 1991 por algumas empresas interessadas em padronizar os códigos utilizados pelos diferentes computadores e permitir a comunicação entre eles. No total são mais de 136 mil caracteres, dos quais apenas 2.382 são emojis.

Um dos fundadores do Unicode é americano Mark Davis, 64 anos, funcionário da Google em Zurique com um longo currículo em outras empresas do Vale do Silício na Califórnia. Apelidado pela imprensa de “lorde sombrio dos emojis”, o americano faz parte do comitê que aprovam a introdução de novos emojis. Durante um encontro com jornalistas na sede da empresa, ele explica a importância dos símbolos para a comunicação entre diferentes culturas e os tabus dos emojis “proibidos”.

A entrevista foi editada para facilitar a leitura.

swissinfo.ch: Apesar do sucesso dos emojis, muitos preferem ainda utilizar os emoticons, uma sequência de caracteres tipográficos, para se expressar. Qual dos dois é o melhor?

Mark Davis: Para mim não há diferença: é uma questão de gosto. Os emoticons tem uma longa história. Sua vantagem, por exemplo, é que pessoas, como no Japão, podem combinar esses caracteres para se expressar. No Unicode é possível encontrar emoticons interessantes, pois eles utilizam por vezes caracteres do tibetano ou tailandês. E não pelo propósito original, mas sim pelas imagens como um olho ousado, por exemplo. Já os emojis tem um público mais amplo depois que emigraram com os teclados e celulares para a internet.

Biografia

Mark E. Davis nasceu em 13 de setembro de 1952 em Riverside, Califórnia, EUA. Tem graduação em matemática na Universidade da Califórnia e doutorado em filosofia na Universidade de Stanford.

Depois da sua primeira experiência profissional em Zurique, retornou à Califórnia para trabalhar na Apple, onde participou da elaboração do Macintosh KanjiTalk e Script Manager, além de redigir os sistemas Macintosh em árabe e hebreu.

Em 1991 fundou com outros informáticos o Consórcio Unicode. Criou o projeto Unicode ICU, a primeira biblioteca de internacionalização dos programas Unicode, e co-fundou e preside o projeto Unicode CLDR, que fornece dados baseados na língua para internacionalização.

Davis foi co-fundador e co-presidente do subcomitê Unicode Emoji, uma das equipes que lançou o projeto de emojis no Unicode. Um dos seus projetos foi aumentar a diversidade no grupo de emojis. Também fez parte da concepção do Mac OS. Depois trabalhou na empresa Taligent. O americano também foi arquiteto de uma grande parte das bibliotecas internacionais do Java. Depois concebeu programas de globalização na IBM.

Desde 2006 trabalha com internacionalização de programas na Google, auxiliando a empresa a aumentar o número de línguas trabalhadas e aprofundar o nível de suporte dentre elas.

swissinfo.ch: Como os emojis estão influenciando a forma como as pessoas se comunicam online?

M.D.: Muitas pessoas falam dos emojis como se fosse uma língua. Mas não se trata de uma língua no sentido humano. Eu posso contar a você em inglês, alemão ou, se falasse, em português, que estou indo tomar um café com os amigos. Mas se é antes de meio-dia, tenho que sair para ir ao dentista. Eu posso transmitir realmente coisas complicadas com línguas complexas, o que já não é possível com emojis. Os emojis preenchem lacunas na comunicação através de mensagens de texto, pois você pode incluir expressividade a uma mensagem que seria, de outra forma, bastante seca.

swissinfo.ch: Você concorda com as críticas que consideram os emojis como um “empobrecimento” da língua?

M.D.: Eu não acho que os emojis empobreçam a língua. Nem todo mundo é Jane Austen (n.r.: escritora britânica do século 18) ou William Shakespeare. Nem todo mundo tem as mesmas habilidades de dizer o que quer com precisão. Os emojis dão às pessoas um pouco de espaço para jogar (com as palavras).

swissinfo.ch: Os emojis poderão se tornar no futuro o que os hieróglifos foram para os egípcios na antiguidade?

M.D.: Isso parece extremamente improvável (risos). Se você olha o desenvolvimento dos hieróglifos ou dos caracteres chineses, percebe que neles há muito mais do que imagens brutas. Neles existem estrutura e uma gramática que explica como as coisas se juntam umas às outras e são utilizadas. O mesmo você não encontra nos emojis.

swissinfo.ch: Mas como é possível escrever um romance inteiro em emoji, como um grupo tentou fazer com o romance “Moby Dick”, do escritor americano Herman Melville (n.r: EmojidickLink externo)?

M.D.: É realmente impossível fazê-lo (risos). Se você tirar um extrato do Moby Dick escrito em emojis e apresentar a um leitor mediano, ele olharia e não entenderia nada. Um texto desses não tem o mesmo poder. É divertido como charada: você tem até programas de televisão que apresentam títulos de filmes, ou notícias de última hora, em emojis e pedem às pessoas para adivinhar. Não é algo obvio! Não é como se você tivesse acabado de escrever o nome do filme no papel.

swissinfo.ch: Você tem um emoji preferido?

M.D.: Eu tenho muitos emojis preferidos, mas depende das circunstâncias ou da pessoa com a qual me comunico. Particularmente gosto muito do emoji do rosto com os olhos rolantesLink externo. Eu estou bastante otimista com o emoji do rosto com sobrancelha levantadaLink externo (n.r.: acrescentado na lista recentemente através da versão 5.0). Eu uso bastante para conversar com a minha filha o emoji do rosto deliciando a comidaLink externo, pois nós dois somos “foodies”.

Mark Davis
Mark Davis vive há vários anos em Zurique, onde aprendeu o dialeto suíço-alemão. swissinfo.ch

swissinfo.ch: Como você explicou na palestra, qualquer pessoa pode propor um emoji ao Consórcio Unicode. Não custa nada. Porém existem propostas complicadas como a bandeira confederada dos EUA ou a suástica. Qual é o problema das propostas “políticas”?

M.D.: Nosso comitê aceita qualquer proposta séria e a avaliamos segundo as prioridades. A suástica é um caso incomum, pois você tem ela no Unicode e é também um símbolo religioso na Índia, porém invertida. Além disso você tem caracteres em outras línguas que lembram também a suástica. Porém evidentemente não seria uma boa coisa tê-la como um emoji. A bandeira confederada também não seria aceita como um emoji pelo comitê.

swissinfo.ch: Existem exemplos de emojis que são utilizados incorretamente?

M.D.: Os emojis são utilizados em significado e simbologia pela pessoas muito além do simples objetos que eles representam. Há muitos emojis que ganham significados adicionais apenas porque representam objetos que as pessoas estão querendo se comunicar. Não podemos dizer que há má utilização, mas talvez uma utilização alegórica.

swissinfo.ch: Mas o exemplo do emoji do rifle, retirado da coleção após vários protestos (n.r.: dentre eles, da Apple), não seria um desses casos?

M.D.: Nós somos responsáveis por muito mais coisas do que os emojis. O Consórcio Unicode é responsável por todos os caracteres, ou seja, tudo o que você digita no celular – tudo o que vê – é um caractere em Unicode. Porém existem muitos caracteres em Unicode, como por exemplo ideogramas chineses que podem ser ofensivos a alguma pessoa. Mas o nosso objetivo é representar o que as pessoas utilizam nos seus textos. Com os emojis isso é um pouco diferente, pois eles suscitam uma espécie de adjunto brincalhão ao texto.

swissinfo.ch: Até que ponto o Unicode (ou os emojis) facilita a comunicação intercultural entre os povos?

M.D.: Parte do nosso objetivo original era habilitar todos os idiomas do planeta, seja do passado ou presente, incluindo coisas como a escrita cuneiforme ou os hieróglifos, a se expressar em texto. Não só permitir a comunicação entre as pessoas na atualidade, mas também ao longo do tempo. E poder capturar o estado dos documentos e preservar a herança digital do mundo. De fato, um dos nossos objetivos é permitir que as pessoas se comuniquem através de experiências. Mas além da simples codificação de caracteres, existem muitas partes do Unicode que as pessoas não conhecem: eles permitem um processamento muito mais sofisticado de caracteres. Quando você vê uma lista ordenada em seu iPhone ou Android, eles estão usando tabelas especiais de dados que lhe dizem exatamente como português, alemão ou sueco são classificados e como funcionam. Há muito por trás disso além de caracteres que ajudam a se comunicar.

swissinfo.ch: Você já vive há alguns anos na Suíça. Como o país influencia seu trabalho?

M.D.: Eu já tenho uma longa experiência nesse país. Logo depois do meu doutorado eu já vim trabalhar aqui. É um país que você precisa admirar bastante, especialmente na atualidade, se você comparar seu sistema político com o dos Estados Unidos. Há muito o que admirar (risos).

Sede da Google em Zurique
Na sede da Google em Zurique trabalham atualmente 2 mil funcionários, de 75 diferentes países, em uma área ocupada antes pelos Correios Suíços. swissinfo.ch

Unicode

O UnicodeLink externo é um padrão que permite aos computadores representar e manipular, de forma consistente, texto de qualquer sistema de escrita existente. Atualmente são mais de 107 mil caracteres.

O Consórcio Unicode foi criado em 1991. Como até então as empresas fabricavam computadores à sua maneira, os códigos digitais para cada caractere (letras, números ou símbolos) diferiam enormemente. Através do Unicode eles deveriam ser padronizados para permitir a comunicação entre diferentes sistemas, em qualquer aparelho (PC, tablets ou celular), qualquer teclado e em qualquer país.

Atualmente, é promovido e desenvolvido pela Unicode ConsortiumLink externo, uma organização sem fins lucrativos. Dela fazem parteLink externo grandes empresas na área da informática como Apple, Google, Facebook, IBM, Microsoft, SAP, Universidade de Berkeley, governos de Omã, Bangladesh e outros.

Os emojisLink externo surgiram no Japão no final dos anos 90.  O nome vem de uma palavra derivada da junção dos seguintes termos em japonês: e (絵, “imagem”) + moji (文字, “letra”).

Eles eram utilizados de diferentes formas pelas três principais operadoras de telefonia no país. A Unicode ficou encarregada de desenvolver um padrão para eles. A primeira versão dos emojis da Unicode foi lançada em 2010 e utilizada em sistemas como o iOS e Android. Hoje existem aproximadamente 2.382 diferentes emojisLink externo. Um dicionárioLink externo ajuda a decifrá-los.

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