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Vacinas em tempo recorde: inteligência artificial contribui para a ciência

proteina modello
A função de uma proteína é determinada pela sua forma em três dimensões. Laguna Design/Science Photo Library

O rápido desenvolvimento de duas vacinas altamente eficazes contra o Covid-19 foi possível graças à inteligência artificial e à colaboração inovadora entre pesquisadores de todo o mundo, dentre eles, pesquisadores da Suíça.

A inteligência artificial (IA) nos apresenta desafios éticos, mas também poderia revolucionar a ciência e resolver alguns dos problemas mais complexos da biologia moderna.

Acima de tudo, a IA pode ajudar a prever a estrutura de proteínas desconhecidas para desvendar os segredos das células e as doenças que elas afetam. Recentemente, as proteínas têm chamado a atenção devido ao seu papel central no desenvolvimento de novas vacinas contra a covid-19.

Determinar experimentalmente a forma das proteínas é um processo longo e tedioso que requer meses de pesquisa e um grande esforço. Entretanto, estas informações são importantes para estudar novos vírus, compreender seu comportamento e desenvolver vacinas eficazes. A capacidade dos cientistas de prever estruturas proteicas utilizando métodos computacionais tornou este processo não só mais rápido, mas também mais preciso.

Conteúdo externo

Graças aos recentes avanços na inteligência artificial, é possível prever com grande precisão as estruturas tridimensionais de proteínas-alvo altamente complexas. Um marco importante foi alcançado quando AlphaFold2, o sistema de IA desenvolvido pelo DeepMind (de propriedade do Google desde 2014), com sede em Londres, tornou possível determinar rapidamente várias estruturas proteicas do SARS-CoV-2, um vírus sobre o qual muito pouco se sabia até alguns meses atrás.

Ponto de inflexão para a ciência

O trabalho incansável dos pesquisadores e a colaboração em nível internacional usando tecnologias de ponta de IA como o DeepMind tornaram possível responder rapidamente à pandemia. Existem atualmente até 60 vacinas potenciais em desenvolvimento clínico. De acordo com a Organização Mundial da SaúdeLink externo (OMS), três vacinas foram até agora aprovadas para uso generalizado por autoridades reguladoras nacionais.

Os cientistas biomédicos consideram este momento um ponto de inflexão para a ciência. “Este é um resultado incrível”, comenta Torsten Schwede, vice-presidente de pesquisa da Universidade da Basiléia e chefe do grupo de pesquisa do Instituto Suíço de Bioinformática SIB.

A SIB desenvolveu o SWISS-MODEL, um servidor totalmente automatizado para modelagem de estruturas proteicas que é usado por pesquisadores em todo o mundo. O sucesso do DeepMind também foi possível graças aos avanços no campo da biologia estrutural computacional durante a última década, na qual o sistema suíço SWISS-MODEL foi pioneiro.

“A troca aberta de informações dentro da comunidade científica permitiu o desenvolvimento de vacinas em tempo recorde”. Torsten Schwede

Pessoas e software

Por que as proteínas estão se tornando o foco de interesse médico e científico? Elas são pequenas, mas de fundamental importância porque as proteínas sustentam os processos químicos e biológicos das células humanas e de todo organismo vivo. Os aminoácidos que compõem as proteínas se combinam em um “origami” espontâneo que determina sua estrutura tridimensional particular.

O conhecimento da forma específica de cada proteína facilita muito a pesquisa biomédica, por exemplo, no estudo das doenças humanas. Por esta razão, os resultados obtidos pelo DeepMind são considerados revolucionários pela comunidade científica. Espera-se que os novos conhecimentos adquiridos favoreçam o desenvolvimento de novos medicamentos e tratamentos farmacológicos avançados.

Graças ao SWISS-MODEL, pesquisadores do mundo inteiro puderam pela primeira vez modelar de forma independente a estrutura tridimensional de proteínas que ainda não haviam sido estudadas experimentalmente. Em 1993, Manuel Peitsch, bioinformático e fundador da SWISS-MODEL, lançou a ideia de se usar sistemas de simulação computadorizada que não requerem intervenção humana para obter informações estruturais sobre proteínas e para melhor compreender as funções moleculares.

Na época, este projeto parecia ser ficção científica. Hoje, graças a métodos cada vez mais sofisticados, os softwares são superiores às capacidades humanas em termos de precisão e desempenho e são utilizados em todo o mundo. Eles podem comparar estruturas proteicas já conhecidas com sequências de proteínas desconhecidas, isto é chamado de “modelagem homológica”. A cada ano, o SWISS-MODEL processa mais de um milhão de pedidos de modelos de proteínas sem supervisão humana.

“Dança” das proteínas

As proteínas são objetos flexíveis. Os movimentos são frequentemente necessários para que elas funcionem. Para comparar um modelo 3D de uma proteína com uma estrutura experimental de referência, o modelo deve ser “rotacionado” até que haja uma sobreposição ideal.

Entretanto, para objetos flexíveis e mutáveis, esta sobreposição é difícil de ser alcançada. Para resolver este problema, a equipe do SWISS-MODEL desenvolveu um valor chamado lDDT (Local Distance Difference Test), que avalia o grau em que uma previsão corresponde à estrutura de referência independente do movimento intramolecular. Tais dados, que podem ser utilizados sem supervisão humana, são essenciais para o desenvolvimento de métodos autônomos de modelagem de proteínas.

Realidade e ficção científica

Há três décadas, os pesquisadores vêm tentando deduzir a forma tridimensional característica das proteínas a partir de suas sequências de aminoácidos. Ao fazer isso, o conhecimento das estruturas experimentais das proteínas relacionadas torna a modelagem relativamente fácil e precisa.

Entretanto, em casos difíceis, a falta de informações estruturais sobre uma determinada família de proteínas significa que uma previsão muito complicada e frequentemente imprecisa deve ser feita a partir do zero. Mas graças ao AlphaFold2, este problema não existe mais. “Vimos que o método AlphaFold2 desenvolvido pela DeepMind funciona tanto para casos simples como para casos muito complexos”. Isto é um verdadeiro avanço, porque agora a IA pode fazer algo que nenhum humano com conhecimento profundo de modelagem de proteínas poderia fazer antes”, diz Schwede.

O sistema de IA do DeepMind usa técnicas avançadas de aprendizagem de máquinas chamadas redes neurais profundas para prever as estruturas das proteínas diretamente de suas sequências genéticas. Para isso, o sistema de IA aprendeu as sequências e estruturas de cerca de 100.000 proteínas conhecidas, baseando-se em dados experimentais.

Agora ele é capaz de fazer previsões muito precisas de modelos em 3D de qualquer proteína. Os resultados extraordinários do DeepMind foram endossados pelos organizadores do experimento de estruturas proteicas CASPLink externo (ver quadro), que chamaram a capacidade computacional e preditiva do AlphaFold2 de “sem precedentes”.

Experimento CASP, AlphaFold2 e Covid-19

O CASP (Critical Assessment of protein Structure Prediction) é uma experiência bienal que avalia os desenvolvimentos no campo da previsão da estrutura proteica internacionalmente. Durante a recente experiência de 2020 (CASP14), a precisão dos métodos de previsão foi avaliada em quase uma centena de metas proteicas. As previsões do AlphaFold2 provaram ser muito precisas mesmo em casos difíceis, tais como uma proteína SARS-CoV-2 previamente desconhecida, ORF8. O SARS-CoV-2 é composto de cerca de 30 proteínas diferentes, das quais mais de uma dúzia ainda são pouco conhecidas.

Regra de ouro do progresso

O grande apoio da comunidade científica e a troca aberta de informações no campo da biologia estrutural computacional, para a qual a SWISS-MODEL também contribuiu, são alguns dos ingredientes que explicam o sucesso do DeepMind. De acordo com Torsten Schwede, o compartilhamento aberto de métodos computacionais e dados estruturais deu ao DeepMind as informações necessárias para resolver um dos problemas mais difíceis da bioinformática.

O intercâmbio se intensificou durante a pandemia, demonstrando a importância da colaboração para alcançar resultados significativos em muito menos tempo. “Aprendemos muito durante esta pandemia. O compartilhamento aberto de informações sobre o SARS-CoV-2 dentro da comunidade científica permitiu o desenvolvimento de vacinas em tempo recorde”, disse Schwede. “Silos de dados” são contraproducentes para a ciência, disse ele.

Sibilla Bondolfi

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