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Capitão brasileiro da OMC decide abandonar o navio

Roberto Azevêdo
Azevêdo decide sair no meio de uma tempestade econômica entre EUA e China, nos primeiros dias de uma recessão mundial Keystone / Salvatore Di Nolfi

O diretor-geral da Organização Mundial do Comércio está saindo antes de seu mandato terminar em 2021, lançando uma corrida potencialmente controversa por um sucessor em uma organização apanhada no meio de uma tempestade econômica entre EUA e China, nos primeiros dias de uma recessão mundial.

Roberto Azevêdo, diplomata brasileiro de 62 anos, anunciou a decisão aos delegados da OMC na quinta-feira (14). Ele é o diretor-geral da organização desde setembro de 2013 e seu segundo mandato de quatro anos começou em setembro de 2017. Azevêdo disse que vai renunciar ao cargo a partir de 31 de agosto.

Sua saída vem em um momento precário para uma economia global que está sofrendo a pior crise desde a Grande Depressão por causa da pandemia do coronavírus – com um recuo do comércio mundial projetado para mínimos históricos e políticas comerciais se tornando uma questão política controversa de Bruxelas a Pequim. Internamente, o órgão comercial baseado em Genebra já estava lutando com uma série de crises antes do golpe no comércio internacional.

O chefe da OMC, citando o caos, disse que ele não é o homem certo para o trabalho

Azevêdo, em uma entrevista, procurou explicar o momento. “É o melhor para mim, minha família e a organização”, disse, acrescentando que não é por razões de saúde ou outras ambições políticas. “Não estamos fazendo nada agora – sem negociações, tudo está preso. Não há nada acontecendo em termos de trabalho regular”.

A OMC tornou-se um símbolo de mal-estar multilateral após o fracasso em concluir a rodada de negociações de Doha. Mais recentemente, o órgão comercial tornou-se um para-raios de críticas do governo Trump, que argumenta que a China não cumpriu seus compromissos de 2001 de abraçar uma economia mais voltada para o mercado.

Agora, a incapacidade de Pequim de conter a crise de saúde tem encorajado as críticas à OMC, particularmente dentro do governo Trump e entre seus aliados no Congresso.

O senador republicano Josh Hawley disse em um artigo de opinião do New York Times em 5 de maio que a OMC era uma “relíquia” ultrapassada que deveria ser abolida para que os EUA pudessem combater melhor o “imperialismo” chinês. Hawley está convocando uma votação do Congresso este ano para que os Estados Unidos saiam da OMC.

Após a notícia da decisão de Azevedo de sair, o senador tuitou: “apague as luzes quando sair”.

A OMC tem três funções principais: ajudar a negociar acordos comerciais multilaterais, resolver disputas comerciais transfronteiriças e servir de repositório para as políticas comerciais dos membros. As duas primeiras estão essencialmente mortas, em parte por causa de um ataque de Washington.

Uma dessas funções-chave foi um duro golpe no ano passado, quando os EUA efetivamente paralisaram o sistema de resolução de disputas da organização, bloqueando novas nomeações para o painel de sete membros que recebe recursos. Um tribunal quase supremo para o comércio, o órgão de apelação da OMC agora não pode emitir julgamentos sobre casos futuros a partir de 11 de dezembro, porque não há membros ativos suficientes.

Busca de sucessores

A surpresa da partida antecipada de Azevêdo deixa a organização em dúvida quanto ao seu futuro e pode criar um processo relativamente apressado para substituí-lo. Tipicamente, o procedimento para selecionar o cargo mais importante da OMC começa seis a nove meses antes do término do mandato do atual diretor-geral. Em seus comentários aos delegados, Azevêdo instou os membros da OMC a iniciar imediatamente o processo de seleção.

Pelo menos três candidatos já anunciaram sua intenção de substituir o brasileiro:

Abdelhamid Mamdouh, advogado egípcio da King & Spalding LLP e ex-diretor da Divisão de Comércio de Serviços e Investimentos da OMC.

Yonov Frederick Agah, da Nigéria, diretor-geral adjunto da OMC

Eloi Laourou, embaixador do Benin na ONU

A busca pode ser complicada, já que deverá ser conduzida em grande parte online devido às restrições pandêmicas da OMC às reuniões presenciais.

Se os membros da OMC não puderem escolher um novo diretor-geral até 1º de setembro, um dos quatro vice-diretores-gerais poderá servir como interino. Eles são Agah da Nigéria, Karl Brauner da Alemanha, Alan Wolff dos Estados Unidos e Yi Xiaozhun da China.

Nenhum cidadão americano, nem chinês, nunca serviu como diretor-geral da OMC desde a sua formação em 1995.

Voltando à sua campanha de 2016, o presidente Donald Trump chamou a OMC de o pior acordo comercial que os EUA já fizeram, principalmente porque a China foi autorizada a aderir em 2001 – um movimento que deveria acelerar as reformas de Pequim em direção a um sistema mais baseado no mercado e integrado à economia mundial. Isso aconteceu devagar demais para alguns críticos.

Em um artigo do New York Times, na terça-feira, o representante comercial dos EUA, Robert Lighthizer, disse, sem destacar a OMC, que os EUA perderam pelo menos 2 milhões de empregos desde 2001. Na quinta-feira, Lighthizer disse em uma declaração que enquanto Azevêdo será “difícil de substituir”, os EUA “esperam participar do processo de seleção de um novo diretor-geral”.

Ainda em janeiro, parecia que Trump tinha Azevêdo como um aliado disposto a reformas. Os dois homens deram uma coletiva de imprensa improvisada em Davos, na Suíça, onde o presidente dos EUA declarou que havia discutido uma mudança “muito dramática” para o futuro da OMC.

“Estamos falando de uma estrutura totalmente nova para o acordo ou teremos que fazer algo”, disse Trump na ocasião.

Azevedo parecia concordar, reconhecendo que uma dose de teatralidade poderia ser apenas o antídoto para curar o que aflige a OMC.

“Se levamos a sério a mudança e atualização da OMC para torná-la mais receptiva às mudanças do século 21, precisamos estar prontos para fazer coisas que são incomuns, importantes, talvez até dramáticas”, disse ele em janeiro.

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