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“O interesse do Mercosul é se relacionar com um líder de inovação como a Suíça”

Pessoas protestando frente a um edifício
Agricultores protestam contra acordos de livre comércio frente à Comissão Europeia em Bruxelas, em 17 de abril de 2018. Keystone

O ministro suíço da Economia inicia uma viagem de oito dias ao Mercosul acompanhado por uma delegação de 50 empresários, líderes setoriais e políticos. Johann Schneider-Ammann quer avançar as negociações entre esse bloco de países e o EFTA. Em entrevista à swissinfo.ch, explica como pretende convencer os agricultores suíços e outros críticos das vantagens do livre-comércio.

O último grande encontro entre representantes do EFTALink externo (Associação Europeia de Livre Comércio) e do Mercosul ocorreu em 18 de janeiro de 2018 em Berna. Nela, o ministro suíço da Economia (WBFLink externo, na sigla em alemão) assinou uma declaração conjunta, interpretada por ele “como o lançamento das negociações entre os dois blocos”.

Ao receber o jornalista da swissinfo.ch no seu gabinete no Palácio Federal, Johann Schneider-AmmannLink externo estava gripado, mas brincou ao afirmar que a importância da viagem iria ajudá-lo a superar a doença.

swissinfo.ch: O Senhor visitará em breve quatro países do Mercosul. Porém há poucos dias a União Europeia e o México anunciaram a assinatura de um acordo de livre comércio. Agora a viagem se tornou mais urgente para a Suíça?

Johann Schneider-Ammann: O objetivo dessa viagem é permitir que representantes dos diferentes setores da nossa economia possam entender sobre o que falamos quando queremos assinar um acordo de livre-comércioLink externo com o MercosulLink externo. Eles verão como veículos são construídos no Paraguai ou a pecuária intensiva ou a produção de vinho são organizadas na Argentina. Eu já tinha escutado dos quatro ministros de Relações Exteriores do Mercosul, quando estava em dezembro em Buenos Aires, que em algumas semanas eles teriam um acordo de livre comércio com a União EuropeiaLink externo. Depois passaram alguns meses. Quando esse acordo sair, fabricantes europeus terão imediatamente no Mercosul mercado para escoar seus produtos. E concretamente, uma vantagem significante frente aos seus competidores suíços, já que as tarifas protecionistas variando na de 5,3 a 35% serão consideravelmente reduzidas.

swissinfo.ch: E quais consequências à Suíça?

J.S-A.: Isso significa uma desvantagem para os produtores suíços, dentre eles os fabricantes de componentes automobilísticos da região do vale do Reno que exportam ao Brasil. Porém não podemos nos sujeitar a essas desvantagens. Uma das consequências poderia ser a deslocalização do parque industrial no vale do Reno para Baden-Württemberg (Alemanha), que então exportaria ao Brasil. Isso aumentaria o desemprego na Suíça. E eu luto para manter os empregos no país e pela ocupação plena. Quero que o valor agregado fique aqui e que nos mantenhamos competitivos. Se conseguirmos um acordo de livre-comércio com o Mercosul, as condições de concorrência se mantém iguais comparadas às da União Europeia.

swissinfo.ch: A Suíça tem 30 acordos de livre-comércio com 40 países fora da União Europeia. Que vantagens e desvantagens eles trouxeram para a Suíça até hoje?

J.S-A.: Existe uma regra geral. Ela diz que existe uma duplicação do volume comercial nos primeiros cinco anos com um país com o qual você assinou um acordo de livre comércio, o que já não ocorre com aquele país com o qual você não tem acordo. Outra regra geral diz: os investimentos estrangeiros diretos também duplicam nos países com os quais firmamos acordos de livre comércio. Com outras palavras, livre comercio significa um maior volume de comércio e maior valor agregado, o que significa mais empregos na Suíça. Por isso temos um grande interesse de firmar acordos bilaterais em condições preferenciais com os mercados fora da União Europeia.

swissinfo.ch: Quais são os objetivos concretos da sua viagem ao Mercosul?

J.S-A.: Seremos um grupo de aproximadamente cinquenta pessoas participando da viagem, o que é uma boa notícia. São representantes da economia, agricultura e ciência, mas também vários parlamentares. Temos um programa bastante cerrado. O objetivo é visitar diretamente, em cada um desses quatro países, os setores com os quais estaremos diretamente envolvidos. Assim poderemos formar a nossa própria opinião e saber quais vantagens e desvantagens no livre comércio com os países do Mercosul. Conheceremos os nossos concorrentes e também os mercados onde poderemos escoar nossos produtos.

Viagem ao Mercosul

O ministro da Economia, Johann Schneider-Ammann, e a delegação de 50 participantes visitam entre 29 de abril e 6 de maio Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina.

O programa da viagem prevê encontros com representantes dos governos locais, empresários, ciência e ONGs, além de visitas a empresas, produtores agrícolas e centros de pesquisa.

swissinfo.ch: O presidente da Federação Suíça de Agricultores, Markus Ritter, não participa da viagem. Ele criticou fortemente o acordo de livre comércio com o Mercosul e a estratégia agrária do governo. Como o Senhor responde?

J.S-A.: Lamento que ele não participe, mas é obvio que isso não é possível depois das críticas que fez. Mas atualmente já voltamos a dialogar. A forma de convencer os agricultores das vantagens de um acordo é a mesma que empreguei quando negociávamos um acordo de livre comércio com a China. Os agricultores me acompanharam durante um ano e meio nessas negociações. Na época eu lhes dizia que tínhamos limites do que seria aceitável ou não. Enquanto esses limites não fossem atingidos, os agricultores não escutariam nada de mim. E então concluiríamos o acordo ao encerrar as negociações. Foi o que aconteceu: o acordo foi concluído e os agricultores controlaram depois item por item para verificar se eu havia mantido a minha palavra. Com outras palavras, queremos trabalhar de forma construtiva com os agricultores. Não queremos lhes causar dores desnecessárias. Por outro lado, sabemos que é necessário exigir mais flexibilidade deles para possibilitar a conclusão desses acordos. Os produtores do Paraguai ou Argentina querem exportar a carne de boi para a Suíça e Europa. E se esses países podem fazê-lo, estarão dispostos a abrir seus mercados às máquinas, farmacêuticos e outros produtos suíços.

swissinfo.ch: Como o Senhor explica que um país altamente industrializado como a Suíça, onde a agricultura corresponde a menos de um por cento do PIB, os agricultores tenham um peso tão considerável na política helvética?

J.S-A.: De fato, a agricultora é importante para nós. Não se trata apenas dela corresponder à apenas 0,7% do PIB ou 3% dos empregos, mas sim o fato de garantir 60% da autossuficiência alimentar do país com produtos de alta qualidade. A sociedade reconhece esse trabalho. Nós bebemos com prazer o leite ou o queijo produzido pelas nossas vacas e estamos dispostos a pagar mais por isso do que nos países vizinhos. Queremos consumir produtos de qualidade. Isso dá uma importância maior aos nossos agricultores do que os simples números revelados pelas estatísticas.

swissinfo.ch: A agricultora é uma questão sentimental para os suíços?

J.S-A.: Não diria sentimental, mas sim que a agricultura é para a maioria dos suíços uma questão do coração. Cada suíço tem, de uma forma ou de outra, suas origens no campo. No meu caso, por exemplo, todos meus parentes do lado paternos eram agricultores. Meu pai era médico veterinário. E quando era jovem, tinha muito contato com os criadores de vacas. Por isso acho que o lobby dos agricultores deve, sim, funcionar. Mas eles também precisam estar conscientes que não podem prejudicar outros setores da economia, mas sim ajudar que a nossa indústria de peças automobilísticas possa exportar seus produtos e, por consequência, aumentar o faturamento e pagar mais impostos. Pois esses impostos irão permitir financiar as subvenções dadas à agricultura.

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Homem sentado à mesa com os óculos na mão.

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Avança negociação para zona de livre-comércio entre EFTA e Mercosul

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swissinfo.ch: Uma crítica feita pelos agricultores é que apenas alguns produtores, de queijo ou outros laticínios, aproveitariam de um acordo de livre comércio com o Mercosul…

J.S-A.: Veja o exemplo da Indonésia, um país com 280 milhões de habitantes. Em uma visita oficial, seu presidente me disse que 40 milhões dos seus cidadãos pertencem à classe média e que já estão à espera de produtos europeus de qualidade, podendo pagar por eles. E acrescentou: outros 40 milhões de habitantes farão parte da classe média nos próximos dez anos. E imagina se chegamos nesse mercado com produtos alimentares dos fabricantes suíços. No início dessa cadeia produtiva estão os agricultores, que deverão então ser bem remunerados pelo seu trabalho.

swissinfo.ch: O plano estratégico de agricultura do governo suíço foi rejeitado pela Comissão de economia no Parlamento federal. Os críticos ressaltam especialmente a mensagem contida nela, de que os preços dos produtos agrícolas deverão cair em até 50% com a abertura geral dos mercados. Como o Senhor responde a isso?

J.S-A.: Nós dissemos nessa estratégia que, para manter a competitividade da Suíça em relação à União Europeia nos mercados terceiros, nós poderíamos aceitar uma redução de até 50% nas tarifas agrícolas. Porém não falamos em volumes ou em preços de produtos, mas sim na questão alfandegária. No primeiro momento essa declaração foi mal compreendida. Todo mundo acabou ficando louco com isso. Não sabemos ainda quanto devemos reduzir nas tarifas para manter a nossa competitividade. Isso só será possível quando avaliarmos as condições do acordo de livre comércio que será firmado entre o Mercosul e a União Europeia.

swissinfo.ch: Até que ponto o mercado do Mercosul é importante para a Suíça? Atualmente esses países correspondem a apenas 1,54% das exportações suíças…

J.S-A.: O Mercosul é um mercado de aproximadamente 275 milhões de habitantes, o que representa para a Suíça um grande potencial para escoar seus produtos de qualidade. Se as nossas exportações ainda são tão módicas, deve-se talvez ao fato de não haver ainda uma boa relação preço-qualidade. Também tivemos até então suficientes possibilidades de escoar nossos produtos em outros mercados. Por último, mas certamente não menos importante, os membros do Mercosul ainda são muito protetores de seus mercados. O objetivo é abrir mais mercados com tratamento preferencial. E quando isso ocorre, o volume de negócios aumenta. Se exportamos pouco ainda para o Mercosul, isso significa que existe um grande potencial nesse mercado.

Jornalista entrevistando um político
O jornalista da swissinfo.ch, Alexander Thoele, durante a entrevista com Johann Schneider-Ammann. swissinfo.ch

swissinfo.ch: E da perspectiva do Mercosul, qual a atratividade para eles de um mercado de apenas oito milhões de habitantes como é o caso da Suíça?

J.S-A.: O ministro da Economia do Paraguai me disse uma vez: “Sim, sabemos que a Suíça é um mercado muito pequeno com seus oito milhões de habitantes. Mas não procuramos somente o volume, mas sim queremos ter relacionamentos comerciais intensos com países líderes da tecnologia e inovação como a Suíça”. Esse é o verdadeiro interesse do Mercosul.

swissinfo.ch: E o que concessões a Suíça (EFTA) está disposta a oferecer?

J.S-A.: É uma questão a negociar e que abrange um amplo leque de pontos. Dentre eles, discutiremos propriedade intelectual, parâmetros técnicos até chegar à questão da liberalização mútua do mercado. O importante é o acordo ser amplo e baseado no padrão já aplicado pelo EFTA, no qual se discute também a sustentabilidade. Já concluímos a terceira rodada de negociações com o Mercosul. Elas estão avançando muito bem. O interesse é mútuo e tentamos chegar a um acordo em cada um dos pontos. Queremos ter um acordo “state-of-the-art”, ou seja, de condições são ambiciosas, mas realistas. Estou seguro que o acordo dará um impulso nas nossas relações comerciais.

swissinfo.ch: Ecologistas e pequenos agricultores veem nos acordos de livre-comércio o risco de uma expansão ainda maior da produção de soja e da pecuária extensiva nos países do Mercosul em prejuízo ao meio-ambiente. Onde fica a sustentabilidade?

J.S-A.: Você tem razão. Precisamos fazer atenção em não promover desenvolvimentos negativos no meio-ambiente e nas sociedades locais.

Um acordo livre-comércio nos obriga a levar em consideração a ecologia e o cumprimento de padrões sociais. É um ponto que já estamos negociando. Na fase de exploração chegamos a avaliar se valia mesmo a pena começar as negociações. E afinal, tanto o EFTA quanto o Mercosul chegaram à conclusão que esses aspectos deveriam ser considerados. Com essa base, superamos a barreira inicial. No momento desta entrevista ainda não temos os resultados dessas negociações, mas tenho certeza que teremos em breve as mesmas bases já conhecidas de outros acordos.

swissinfo.ch: A Suíça quer o livre-comércio, mas é conhecida por ser um país bastante protecionista do seu mercado agrícola, sem falar em outras barreiras como a proibição de importações paralelas. Não há contradição?

J.S-A.: A Suíça não é protecionista. Nós somos, sim, um dos mercados mais abertos do mundo. Procuramos outros mercados respeitando as regras da OMC (Organização Mundial do Comércio), dos acordos bilaterais com a União Europeia e dos acordos com os países terceiros. Na questão do mercado agrícola a Suíça permaneceu conservadora. Talvez esse seja um ponto onde podem nos criticar. Por isso esse é um tema extremamente sensível e que precisa ser tratado com muito cuidado. Mas veja, a Suíça praticamente aboliu as tarifas alfandegárias para produtos industriais. Nos diferenciamos da concorrência não através de instrumentos isolacionistas, mas sim graças à liderança inovadora.

swissinfo.ch: Se o eleitor aprovar nas urnas as duas iniciativas “Pela Soberania Alimentar” e a “Fair-Food”, a proteção fronteiriça para produtos entra na Constituição. Isso não colocaria em risco os acordos de livre-comércio da Suíça?

J.S-A.: Sim, temos a democracia direta. Nela você pode levar qualquer questão ao povo. Mas o povo costuma votar de forma bastante racional. Por isso o governo irá apresentar sua recomendação de voto para essas duas iniciativas. Eu estou convencido que o povo não irá aprovar a inclusão dessas propostas na Constituição, compreendendo do risco que elas terminem beneficiando setores isolados. Nós, o governo, diremos que elas são desnecessárias e contrárias à política do livre-comércio. Esperamos, assim, convencer os eleitores.

Biografia

Johann Schneider-AmmannLink externo nasceu em 1952 no vilarejo de Sumiswald, região do Emmental. Estudou engenharia elétrica na Escola Politécnica Federal de Zurique (ETH).

Em 1982/83 concluiu um MBA no INSEAD em Fontainebleau, França.

É casado e tem dois filhos.

Em 1981 passou a trabalhar na indústria dos familiares da esposa. A partir de 1990 tornou-se diretor-presidente do grupo Ammann, cargo que exerceu até ser eleito para o Conselho Federal (o corpo de sete ministros que governa a Suíça) em 2010.

Desde 1999 presidiu a Associaçao da Industria de Máquinas, Eletrônicos e Metalúrgica da Suíça (Swissmem).

Schneider-Ammann é membro do Partido Liberal-Radical (FDP).

Atualmente é ministro suíço da Economia, Pesquisa e Educação (WBFLink externo, na sigla em alemão).

Em dezembro de 2015, o Parlamento federal o elegeu presidente da Suíça para o ano de 2016.

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