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Empresa promete refinar “ouro” ecológico

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As refinarias de ouro preocupam-se hoje com a sustentabilidade dos seus produtos. Westend61 / Spectral

Uma barra de ouro, produto final reluzente de um processo complexo e poluente, pode mesmo ser carbono neutro? De acordo com a MKS Pamp, uma refinaria sediada em Genebra, isso é possível. A empresa pretende ajudar a indústria do ouro a se tornar mais sustentável e a ser mais responsável do ponto de vista ambiental.

Em julho último, a MKS PampLink externo, empresa do setor de metais preciosos, lançou duas barras de ouro carbono neutras – resultado de mais de um ano de esforços encabeçados por Tamara Jomaa-Shakarchi, filha do diretor-executivo da empresa e líder da equipe de Meio Ambiente, Responsabilidade Social e Governança (ESG, na sigla em inglês) da mesma. Segundo Jomaa-Shakarchi, há uma demanda crescente por produtos de ouro carbono neutros.

“Estamos tentando ver se as pessoas vão de fato agir como prometem”, diz Jomaa-Shakarchi, graduada por uma das universidades dos EUA que integram a Liga Ivy de instituições de ensino de elite. Jomaa-Shakarchi tornou-se coordenadora da equipe de ESG da MKS Pamp em janeiro de 2021 e supervisiona a divisão de filantropia da empresa.

“Um consumidor pode agora comprar ouro da MKS Pamp sabendo exatamente onde estão as emissões de gases de efeito estufa, como no rótulo nutricional de um pacote de cereais. E pode saber que nível de emissão de carbono está relacionada a seu produto. E damos um passo além: compramos créditos de carbono que compensam as emissões relacionadas com o ouro”, indica a empresária.

MKS carbon neutral gold
O selo ecológico da MKS Pamp indica que a pegada de carbono do produto foi reduzida e as emissões compensadas. Courtesy of MKS Pamp

Rótulos de neutralidade climática e de neutralidade de carbono de produtos e serviços disseminaram-se como o fogo desde que o Acordo de Paris de 2015 para o combate das mudanças climáticas apresentou ao mundo o conceito da neutralidade de carbono. Embora não haja, até hoje, um acordo comum sobre qual a melhor forma de atingir essa neutralidade.

Uma das abordagens é usar mecanismos de compensação de carbono para equilibrar as emissões que não podem ser reduzidas, mas esse procedimento não está isento de controvérsias. Normas esclarecedoras e avaliações dos méritos da compensação de carbono serão temas-chave na Conferência Anual de Mudanças Climáticas das Nações Unidas deste ano, a COP27, que acontece em Sharm El-Sheikh, no Egito, a partir de 6 de novembro.

O que é neutralidade de carbono?

A Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2015 selou um acordo histórico de avanço rumo à neutralidade de carbono até a segunda metade do século 21, a fim de mitigar os efeitos das mudanças climáticas.

“A neutralidade climática refere-se à ideia de alcançar emissões líquidas zero de gases de efeito estufa, equilibrando essas emissões para que elas sejam iguais (ou menores que) as emissões eliminadas através da absorção natural do planeta”, consta do documento da ONU.

Uma forma de reduzir emissões e buscar a neutralidade de carbono é compensar as emissões, reduzindo-as em outro lugar. Esta estratégia, conhecida como compensação de carbono, tem se tornado cada vez mais popular entre indivíduos, países e empresas. A ideia é neutralizar as emissões financiando uma economia equivalente de dióxido de carbono em outro lugar.

Mas há discordância sobre os méritos dos esquemas de compensação de carbono. Seus defensores dizem que eles são benéficos e necessários ao meio ambiente, especialmente quando as emissões de carbono não podem ser completamente eliminadas na fonte, na ausência de grandes avanços de tecnologias escaláveis. Segundo seus defensores, eles oferecem uma oportunidade de progresso gradual em direção às metas “líquidas zero”.

Seus críticos afirmam que eles eliminam os incentivos para tratar das emissões de carbono na fonte. E dizem que a falta de padrões globais nos mercados de compensação de carbono propicia projetos de lavagem verde, que nem sempre são concluídos ou bem-sucedidos. Os países ricos têm os recursos para pagar por tais projetos, criando uma dinâmica na qual os países pobres são pagos para compensar, enquanto os mais ricos podem continuar a emitir.  

No contexto da oferta da MKS Pamp, neutralidade de carbono significa que as emissões de dióxido de carbono (CO2) de cada barra de ouro rotulada como carbono neutra foram medidas durante todo o ciclo de vida do produto.

Há um plano em andamento para reduzir o volume de gases de efeito estufa produzidos. E as emissões que não podem ser eliminadas são compensadas através do apoio a projetos que evitam o carbono.

O processo é certificado por uma terceira parte, neste caso a Carbon Trust, que afirma ter trabalhado na padronização de normas e medidas de emissões de carbono em diversos tipos de indústria por aproximadamente duas décadas.

As chamadas barras de ouro com consciência ambiental são parte de esforços mais amplos da MKS Pamp para medir e tratar sua pegada de carbono em toda a cadeia de abastecimento – desde a mineração e a reciclagem até as refinarias e os cofres bancários onde as barras de ouro ficam armazenadas.

Sustentabilidade versus lucros

No entanto, não é fácil fazer com que produtos mais ecológicos se tornem valorizados e aceitos. Em uma reunião de altos executivos no Fórum Econômico Mundial (WEF) em Davos este ano, o executivo Marwan Shakarchi compartilhou suas frustrações.

Ele relatou como, no mesmo dia em que o diretor-executivo de um banco suíço falava com ele sobre o quanto sua instituição financeira estava se empenhando e gastando dinheiro com ESG, um operador do mesmo banco recusou um produto da MKS Pamp que era neutro em carbono, compatível com as medidas ESG, e um pouco mais caro. “O operador não quis pagar, porque isso afeta seu demonstrativo de lucros e perdas”, conta Shakarchi. “Esta é uma das maiores frustrações”, completa.

Shakarchi acredita que não basta estabelecer metas ESG no topo de uma organização. Elas precisam se tornar também parte dos processos de revisão de desempenho, uma medida que ele está agora introduzindo em sua empresa. Essa convicção também o motivou a fazer parte de uma aliança de executivos e membros de conselho de empresas suíças, lançada em Davos no início deste ano, com o fim de atribuir à sustentabilidade maior prioridade.

É pouco surpreendente que, da mesma forma que na indústria de produção de metais e em outros setores industriais, as preocupações com a sustentabilidade estejam ecoando no ouro e, por conseguinte, na Suíça. O país é o maior importador de ouro do mundo, responsável por refinar mais de dois terços do ouro do mundo, e um centro da joalheria e da relojoaria de ponta. E os bancos suíços desempenham um papel importante na comercialização das barras.

Em torno de 2.500 a três mil toneladas do metal precioso são mineradas anualmente em todo o mundo, em muitos casos causando um efeito devastador para o meio ambiente e para as comunidades locais, incluindo a Floresta Amazônica, no Brasil, e regiões de Gana.

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Pegada do carbono do ouro

Em 2021, o Fundo Mundial para a Natureza, mais conhecido pela sigla em inglês WWF, produziu um relatório detalhado sobre a sustentabilidade na cadeia de fornecimento de ouro e o papel da Suíça como centro global neste contexto. Com base em um estudo “do berço ao portão”, de 2014, que avaliou o impacto ambiental de 63 metais desde a extração até o portão da fábrica, o relatório estima que a produção de 1 quilo de ouro gera 12.500 quilos de emissões de CO2.

De acordo com cálculos baseados em dados do Departamento Federal de Estatística, isso soma aproximadamente 41,25 milhões de toneladas para a produção global de ouro em 2019, quase três vezes mais que todas as emissões relacionadas ao transporte na Suíça naquele ano, incluindo voos domésticos.

Segundo o relatório do WWF, a extração do ouro e sua purificação demandam mais energia que outros metais. Considerando todas as etapas e todos os processos, produzir um quilo de ouro requer 208 mil megajoules de energia, muito mais que os 3.280 no caso da prata e os 53,7 do cobre – de acordo com um estudo citado pelo WWF. O volume de energia necessário para produzir um quilo de ouro praticamente equivale ao consumo anual de eletricidade de 15 residências na Suíça.

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Em uma abordagem “do berço ao túmulo”, que cobre todo o ciclo de vida do produto, a MKS Pamp calcula que um quilo de barra de ouro gera em torno de 2.731 kg de CO2e (unidade usada para agrupar e comparar o potencial de aquecimento global de diferentes gases de efeito estufa).

A empresa está desenvolvendo no momento uma barra de ouro cunhada em carbono neutro, um lingote com assinatura da empresa Lady Fortuna que deverá ser lançado até o fim do ano.

Para compensar as emissões de carbono, ela está apoiando projetos de redução de carbono em países-chave para a empresa. Isso inclui um projeto de energia solar fotovoltaica na Índia, um projeto de energia renovável no Brasil e um projeto de energia hidroelétrica na Costa do Marfim.

Os projetos são certificados pela Verra, uma das muitas empresas que oferecem garantia de qualidade nos mercados de compensação voluntária de carbono em expansão.

Mas a MKS Pamp não para aí. Ela se tornou recentemente a primeira empresa de metais preciosos do mundo a ter metas de redução de emissões de carbono aprovadas pela iniciativa Science Based Targets (SBTi). Em outras palavras: a empresa age em sintonia com o Acordo de Paris, que visa um corte nas emissões para manter o aumento da temperatura da Terra dentro de 1,5 °C.

Jomaa-Shakarchi diz que há conversas em andamento com fornecedores, particularmente com empresas mineradoras de ouro, a fim de encorajar ativamente as mesmas a medir e divulgar suas respectivas pegadas de carbono.

“Algumas delas pensam e agem à frente de outras”, diz a executiva. “Se temos um cliente que não tem intenção de reduzir e não tem realmente nenhuma vontade de mudar suas práticas, a fim de corresponder aos padrões ambientais que estabelecemos para nós mesmos até 2030, então teremos que reconsiderar nossas relações comerciais com ele”, finaliza Jomaa-Shakarchi.

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Tudo a ver com a produção

O Conselho Mundial do Ouro (WGC, na sigla em inglês) tem esboçado o cenário da pegada de carbono da indústria desde 2018, quando constatou a escassez de dados disponíveis a esse respeito.

A maior parte das emissões está ligada ao processo de produção – aproximadamente 80% das emissões de carbono vêm da energia gerada para dar suporte aos processos de mineração, que, até muito recentemente, dependiam de combustíveis fósseis.

As emissões referem-se à eletricidade comprada da rede (emissões de escopo dois) ou gerada no local (emissões de escopo um) para a propulsão de operações de mineração, máquinas e processo de moagem.

As medições são normalmente feitas de acordo com o Protocolo de Gases de Efeito Estufa, a ferramenta mais comum de contabilidade de dados ambientais.

Quando se trata de atividades posteriores – refino, fabricação do produto, fabrico de joias e até distribuição e varejo –, as emissões de carbono são insignificantes em relação à mineração. “Depois que você adquire controle sobre a pegada de carbono, e nós passamos anos fazendo isso, você pode então começar a ver o que poderia ser feito no contexto da descarbonização”, diz John Mulligan, líder de mudança climática do WGC. “Tem tudo a ver com o processo de produção”, acrescenta.

O Conselho estima que a pegada anual de carbono de toda a cadeia de produção do ouro é de 126 milhões de toneladas de CO2.

No dia 19 de outubro último, organizações representativas da indústria do ouro, entre elas a Associação Suíça de Produtores e Comerciantes de Metais Preciosos, que tem entre seus membros a MKS Pamp e outras refinarias suíças de grande porte, assinaram uma carta de sustentabilidade desenvolvida pelo WGC e pela Associação do Mercado de Lingotes de Londres.

A carta inclui o compromisso de reduzir as emissões em conformidade com o Acordo de Paris e de informar sobre o progresso da situação.

Emissões do mercado global de ouro

Os membros do WGC – basicamente empresas produtoras de ouro – já haviam concordado em participar de uma força-tarefa de revelação de dados financeiros relacionados ao clima. Isso exige dos envolvidos tanto a compreensão de suas próprias pegadas de carbono, quanto o aval de planos concretos para reduzir suas emissões. Mulligan aponta tais medidas como evidências de que o segmento emissor de gases de efeito estufa da indústria está se tornando mais consciente de suas implicações de carbono e da necessidade de formular e divulgar suas estratégias climáticas.

“Isso significa que o público ou qualquer parte interessada pode ver o que o setor está fazendo no que diz respeito à sua pegada atual de carbono e no que concerne a seus planos futuros de redução de emissões”, diz Mulligan. Enquanto isso, não se sabe ao certo se o ouro ecológico fará muita coisa para salvar o planeta.

Um recurso ‘desnecessário’

Damien Oettli, diretor de mercados do WWF, é uma das pessoas que veem o processo com ceticismo. Ele questiona a premissa de que o ouro poderia algum dia se tornar ambientalmente correto. A forma como esse metal precioso é extraído e comercializado hoje está atrelada a um custo pesado para a natureza e para o meio ambiente, afirma Oettli. A extração acontece em áreas de alta biodiversidade e esse processo polui os recursos hídricos e o ar. As etapas de processamento que se seguem acontecem em todo o mundo. Quando florestas são destruídas em função da mineração, isso gera um impacto negativo no clima, bem como na biodiversidade. E a mineração artesanal ainda traz o ônus adicional da poluição por mercúrio. 

“Tudo isso combinado ao fato de que o ouro não é um recurso realmente necessário para o futuro da humanidade”, lamenta Oettli. “Comparado com a produção de alimentos, não se trata de um bem essencial do qual dependemos. De forma que o dano que ele causa não está realmente relacionado ao valor que ele de fato cria”.

Jomaa-Shakarchi confessa sua frustração, já que os efeitos para fazer com que a indústria do ouro se torne mais sustentável acabam muitas vezes sendo vistas como “lavagem verde” – seja pelas ONGs ambientais ou por clientes que vão de colecionadores individuais a joalherias e bancos. Isso limita o ímpeto de mudança, segundo ela.

“É verdade que o ouro tem um impacto muito grande no ambiente, mas isso não significa que não podemos fazer nada para melhorar isso”, diz Jomaa-Shakarchi.

Apesar de tudo, a empresária considera que os impulsos de mudança estão crescendo. “Eu definitivamente acho que as pessoas agora estão mais dispostas a pagar o preço, mas vai ser um processo extremamente longo”.

Edição: Nerys Avery

Adaptação: Soraia Vilela

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