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Profissão cada vez mais importante à democracia

Duas mulheres conversando
Daniela Pinheiro (à dir.) conversando com uma participante do festival, em um programa intitulado "speed dating" com os convidados. swissinfo.ch

Para Daniela Pinheiro, diretora de redação da revista Época, a imprensa vive um momento de transição. "Os jornalistas devem aprender a separar o sério da besteira". Convidada a falar sobre o seu trabalho na swissinfo.ch, Pinheiro considera que a resposta à crise no setor é "continuar escrevendo, e principalmente manter a sanidade". Em Berna, trouxe na bagagem três reportagens premiadas de jornalistas brasileiros.

O espaço escolhido para receber alguns dos eventos programados no Festival Internacional de Jornalismo, ocorrido de 30 de agosto a 1o de setembro, tem um nome incomum. A “KäfigturmLink externo” (em português, Torre da Prisão), foi construída em 1256 como parte das muralhas da cidade e já serviu de prisão na Idade Média. Duas jornalistas brasileiras foram convidadas para uma discussão com o público, em um evento intitulado “O Trump brasileiroLink externo“. Objetivo: explicar como um representante da extrema direita foi eleito no país mais populoso da América do Sul e as consequências da sua política.

Daniela Pinheiro não duvida. “Vivemos em tempos confusos”, declarou a jornalista no início do debate, que contou com um público de aproximadamente sessenta pessoas. Ao revelar que a matéria de capa da ÉpocaLink externo na semana seria dedicada às queimadas na Amazônia, a jornalista lembrou que os números do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (InpeLink externo) revelaram que o número de focos de incêndio nas matas do início do ano até o final de agosto havia aumentado 84%, em relação ao mesmo período no ano passado.

Quando os dados foram publicados, o presidente Jair Bolsonaro demitiu Ricardo Galvão, diretor do órgão, uma decisão que, segundo Daniela, serviu de estopim. “Com isso o presidente abriu uma caixa de Pandora, dando quase autorização aos autores dos crimes ambientais de fazer o que quiserem”.

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Ao seu lado, Amanda AudiLink externo referiu-se à coberturaLink externo dos vazamentos de conversas trocadas por membros da força-tarefa da “Lava-Jato” para afirmar que a maior operação contra corrupção na história da justiça brasileira tinha um encaminhamento político.

“A Lava-Jato definiu o rumo do país nos últimos anos. Havia um grande sentimento anticorrupção no país e Bolsonaro simbolizou ser o candidato que iria combatê-la”, afirmou a repórter da agência de notícias Intercept Brasil. “Porém o julgamento de Lula não foi justo, como podemos descobrir através das afirmações de alguns juízes. E um deles, Sérgio Moro, se tornou a figura mais popular do governo de Bolsonaro.”

Reagir menos e escrever mais

Na análise de Daniela Pinheiro, a eleição do ex-militar também pode ser explicada através da “luta de classes” no Brasil. “Entre outras razões, foi uma reação das classes alta e média contra a ascensão da classe baixa aos seus espaços”. E como resultado, o governo de Bolsonaro defende o aprofundamento das reformas trabalhistas já introduzidas em 2017 pelo presidente Michael Temer. “Sem mexer na pensão dos militares, elas tirariam vários direitos dos trabalhadores”, diz. A diretora da Época considera que há uma lógica por traz da política de Bolsonaro. “Sua agenda é destruir o que a esquerda fez”, ressaltou a jornalista, lembrando a frase que escutou de um general que está no governo. “Vocês não podem imaginar que não estamos fazendo nada: destruir o que foi feito dá muito trabalho”.

Com relação ao papel das mídias, Daniela ressaltou que o problema atual é saber discernir. “Reagimos imediatamente a qualquer twitter publicado por Bolsonaro ou Trump, e perdemos a perspectiva do noticiário”, reflete Pinheiro. “Enquanto isso, os fatos relevantes ficam perdidos, como no caso do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia, em que fomos pegos de surpresa e só publicamos um artigo no dia em que foi assinado. Toda a imprensa falhou nesse ponto”, disse.

Visita à swissinfo.ch

Convidada para dar uma palestra a jornalistas da swissinfo.ch, Daniela Pinheiro se mostrou otimista em relação ao futuro do jornalismo. “Vivemos em um tempo de desinformação e caos, mas estou segura que é um momento que irá passar”, diz a jornalista. “O importante é continuarmos a escrever, e manter a sanidade, pois a imprensa é importante para a democracia. Quando esse tumulto assentar, as pessoas irão saber como separar o que é sério do não sério”. 

Amanda Audi considera que o atual presidente brasileiro não vê com simpatia o trabalho dos jornalistas. “Existe hoje uma campanha anti-imprensa muito forte. Para Bolsonaro, ler jornais é se desinformar”, conta ela, ressaltando também que foi bloqueada nas redes sociais pelo ex-militar e seus filhos. 

Ao mesmo tempo, recebe ameaças através de diversos canais e já toma até medidas de precaução. Porém não vê a liberdade de imprensa em risco no país. “Nós conseguimos fazer o nosso trabalho, especialmente graças à independência econômica do Intercept”, lembrando que a agência é financiada por doadores e leitores – e bancada pelo bilionário americano Pierre Omidyar, criador do eBay.

Três reportagens premiadas

Ao discutir sobre as pressões, Daniela ressalta que a mudança na política de publicidade oficial por Bolsonaro trouxe dificuldades a vários órgãos. “Os anúncios públicos desapareceram, assim como foi abolida a obrigatoriedade da publicação de balanços de empresas, o que afetou a renda de muitas editoras”. 

Com as mudanças vividas no espaço midiático, as empresas necessitam hoje buscar novas formas de financiamento. Porém, Pinheiro considera que a liberdade de imprensa ainda está garantida. “Em um ano e meio na Época nunca sofri nenhuma forma de restrição.”

Como membro do júri do Festival Internacional de Jornalismo, a diretora da Época leu 90 artigos publicados pela imprensa em países de língua portuguesa. Deles, ajudou a selecionar três, que receberam menção honrosa: “Neymar S/A: a engrenagem por trás do maior jogador de futebol do BrasiLink externol”, de Pedro Lopes; “O deputado 716%Link externo“, de Amanda Audi; e “Chagas: a vida após o barbeiroLink externo“, de Melquiades Junior.

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Jornalistas trabalhando sob difíceis condições

Este conteúdo foi publicado em O evento foi realizado em vários diferentes espaços na capital suíça de 30 de agosto a 1º de setembro. Na mesa-redonda intitulada “Liberdade de imprensa em riscoLink externo“, jornalistas da Jordânia, Rússia e China, contaram em 31 de agosto como trabalham nos seus países apesar das barreiras políticas e até risco de vida. O segundo debate,…

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