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Filme mostra vida dura dos agricultores de montanha

Cena mostrando o trabalho de colheita do capim nas encostas das montanhas. swissinfo.ch

O filme "Das Erbe der Bergler" (A Herança dos montanheses) contraria todas as regras do cinema moderno: ele quase não tem diálogos ou trilha sonora e muitas das cenas estendem-se infinitamente.

Com ele o diretor Erich Langjahr mostra não apenas a vida dura no campo, mas também que o silêncio e a lentidão dizem mais do que muitas imagens.

A história se passa em Muotatal, um vale localizado no coração de Schwyz, o cantão fundador do país dos Alpes e também conhecido como parte da chamada “Suíça profunda”.

Cercado pelos pinheiros na base da montanha, o velho agricultor Albert observa o movimento frenéticos das formigas no solo. Ele conta que aprendeu com seu pai a prever o tempo analisando-as. Se o formigueiro está seco, significa que chegou a hora de subir aos penhascos para colher o feno.

Assim começa o filme “Das Erbe der Bergler” (A Herança dos montanheses) do cineasta suíço Erich Langjahr, uma obra intimista e minimalista que dura 95 minutos sem diálogos ou trilha sonora para distrair o espectador. As cenas longas e arrastadas e sua simplicidade fazem até lembrar do cineasta brasileiro Glauber Rocha, com “uma câmara na mão e uma idéia na cabeça”.

“Eu reconheço que essa é uma forma diferente de fazer cinema, mas esse silêncio é importante para que as pessoas consigam entrar dentro dessa realidade tão diferente. Música de fundo tende a romantizar as imagens, algo que eu queria evitar de qualquer maneira”, conta Langjahr.

A dura vida nos campos suíços

O principal personagem do filme não é Albert, mas a profissão que ele representa. O suíço de 88 anos, um dos personagens mais marcantes é, na vida real, um dos últimos representantes ainda vivos na Suíça dos chamados “Wildheuer”, pobres agricultores que, por não possuírem terra própria, subiam as altas montanhas dos Alpes suíço durante o verão para colher o feno que cresce na escarpa das montanhas e depois transportá-lo ao vale. Lá eles davam aos seus próprios animais ou trocavam com outros agricultores por queijo, pão ou batata.

“Eu diria que eles eram como os sem-terra do Brasil, pessoas que ganhavam sua sobrevivência fazendo um trabalho duro e perigoso e colhendo o que ninguém colhia, ou seja, o que cresce lá no alto”, explica Langjahr,

O cineasta de 62 anos trabalha desde 1971 como cineasta independente. Sua obra é quase toda dedicada à vida no campo na Suíça. Uma das obras mais premiadas foi a “Trilogia dos Fazendeiros”, três filmes que mostram uma Suíça rural como poucos já viram: a vida de um pastor nômade na Suíça (Hirtenreise ins dritte Jahrtausend – 2002), a sobrevivência de agricultores às vésperas do século XXI (Bauernkrieg – 1998) e o cotidiano dos queijeiros de monanha (Sennen-Ballade – 1996).

Tamancos

Albert já não tem mais forças para subir as montanhas do Muotatal. Porém, como é tradição na sua família, em 1. de agosto, no meio do verão europeu, ele também quer participar da colheita de forragem. Enquanto seus filhos escalam a íngrime encosta, com as crianças amarradas na barriga dos adultos, ele é levado de helicóptero até o cume.

Na cabana os homens dividem os lotes, onde cada um deles irá trabalhar durante várias semanas ceifando o mato com as mãos. Nesse momento é possível compreender porque Erich Langjahr passa trinta minutos do seu filme mostrando como um artesão fabrica tamancos de madeira: no alto da montanha, esse é o “pisante” de trabalho dos “Wildheuer”. Graças aos grampos de ferro fixados na sua parte inferior, os tamancos impedem que os trabalhadores despenquem montanha abaixo.

O feno é recolhido e juntado em grandes montes com ajudas de redes. Os trabalhadores colocam essas bolas em cima das costas e levam até o teleférico. Por um sistema de cabos, as bolas de forragem são descidas até o vale e depois armazenadas em silos de madeira.

No inverno, os “Wildheuer” pegam seus trenós e vão até os silos buscar o feno seco. Ele então é dados aos famintos animais, que com a neve não têm mais pastos. Com sorte, os trabalhadores até conseguem vender por um bom preço a forragem para outros agricultores.

Nostalgia da vida no campo

Se o filme “A Herança dos montanheses” pode ser visto como uma homenagem a um estilo de vida que está também desaparecendo no interior da Suíça, Erich Langjahr não se considera um nostálgico. “Eu não sou contra o progresso, mas acho que muitas pessoas se perguntam se ele não significa também perder parte da sua própria alma. Todas as pessoas também têm um pouco dessa nostalgia do agricultor, que afinal é a nossa origem. A prova disso está nesse hábito do homem urbano de procurar descanso no campo”, analisa.

O velho Albert é o último da sua geração. Seus filhos exercem todos outras profissões como eletricistas, bombeiros, marceneiros ou funcionário dos Correios. No filme, o cineasta mostra a vida real dos mais jovens “Wildheuer”. Nela, eles andam de patins e motocicleta e dizem que fazem o trabalho de colheita nos penhascos apenas por prazer e amor à tradição de família. Já Albert conta que antes essa era a única forma de sobrevivência para muitas famílias pobres no Muotatal até aos anos 60 do século passado. Muitos desses habitantes até preferiram imigrar para outros países.

Nos últimos minutos do filme, Erich Langjahr presenteia o espectador com uma das poucas cenas musicais do seu filme: acompanhado por uma pequena orquestra de dois acordeões e um contrabaixo, um dos Wildheuer sapateia com os tamancos de madeira e, ao mesmo tempo, bate com grande velocidade com um bastão sobre um instrumento curioso. O cineasta explica que é uma vassoura. “E o Muotatal é o único lugar no mundo onde ainda se faz música dessa forma”.

swissinfo, Alexander Thoele

– Erich Langjahr nasceu em 1944, em Baar, cantão de Zug.

– Desde 1971 ele é cineasta independente.

– Com sua esposa, Silvia Haselbeck, ele criou em 1944 a empresa Langjahr Film GmbH para produção de filmes e documentários.

– Alguns dos prêmios recebidos: Prêmio de Cultura da Suíça central (2002), Prêmio da Cidade de Freistadt pela obra (2004), Prêmio do Filme Suíço pelo melhor documentário (2003), Natasha Isaacs Cinematography Award, Chicago Int. Documentary Festival (2004).

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